Numa
sexta feira de manhã o reverendo Henrique Maxwell estava tentando completar o
sermão para o culto da manhã de domingo. Interrompido várias vezes, começou
a ficar angustiado, pois o tempo ia passando e ele não havia chegado a um final
satisfatório. Sua esposa ia sair para visitar um Jardim da Infância e ele
ficou sozinho em casa. Logo tudo voltou à calma. Acomodou-se à mesa com um
suspiro de alívio e continuou a escrever . O texto escolhido fora:
"Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu
em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos".
Na
primeira parte de sua mensagem, realçava Maxwell a obra expiatória do Cristo,
como um sacrifício pessoal, chamando a atenção para o fato de o Salvador ter
sofrido de várias formas, tanto em vida como na morte. Passava então a
considerar a Expiação como exemplo, apresentando ilustrações de vida e dos
ensinos de Jesus. Seu propósito era mostrar como a fé em Cristo ajuda a salvar
vidas, por causa do modelo de caráter que Ele deixou para ser imitado. O pastor
havia chegado ao terceiro e último ponto do sermão - a necessidade de seguir o
sacrifício e o exemplo de Jesus.
Ele
anotou - "Três passos, quais são?" e se preparava para colocá-los
em ordem lógica quando ouviu o toque estridente da campainha. Sentado à mesa,
Henrique Maxwell franziu a testa. Permaneceu ali sem responder à campainha. Mas
logo em seguida ela voltou a tocar. Levantou-se então e foi até a janela. Um
homem estava de pé nos degraus. Era jovem e vestia roupas esfarrapadas.
"Parece
um mendigo" pensou o pastor. Desceu a escada e abriu a porta. Houve um
momento de silêncio quando se olharam frente a frente, mas o homem em andrajos
tomou a iniciativa de falar:
"Estou
desempregado, senhor e pensei que talvez pudesse me indicar alguma coisa para
fazer".
"Não
conheço nenhum emprego disponível. Está difícil encontrar trabalho"
disse Maxwell, procurando fechar a porta.
"Eu
sabia disso, mas o senhor talvez pudesse me recomendar à empresa ferroviária
ou ao chefe das oficinas da estrada de ferro, ou alguma outra coisa",
prosseguiu o moço, enquanto passava o surrado chapéu de uma mão para outra,
demonstrando nervosismo.
"Penso
que não adiantaria. Por favor, queira me perdoar, estou muito atarefado esta
manhã. Espero que encontre alguma coisa. Lamento que não possa oferecer nada
que possa fazer aqui".
O
Reverendo Maxwell fechou a porta ouvindo os passos do homem se afastando. Quando
subia ao escritório viu pela janela que o homem descia a rua vagarosamente,
ainda com o chapéu entre as mãos. Havia algo em sua figura tão abatida,
desamparada e angustiada que o pastor ficou hesitante por um momento ao olhar
para ele à distância. Em seguida voltou ao seu trabalho e, com um suspiro,
retomou suas anotações. Não houve nenhuma outra interrupção e duas horas
depois, quando sua esposa voltou, o sermão estava terminado. As páginas soltas
foram reunidas e colocadas sobre a Bíblia. Estava tudo pronto para o culto da
manhã de domingo.
"Henrique,
uma coisa estranha aconteceu no Jardim da Infância" disse a esposa durante
o jantar. Logo depois das brincadeiras, quando as crianças estavam sentadas à
mesa, a porta se abriu e um homem jovem entrou segurando um chapéu sujo nas mãos.
Ele ficou sentado perto da porta e não disse uma única palavra. Ele apenas
olhava as crianças. Ficamos com um pouco de medo no começo, mas ele ficou lá
sentado quieto e depois de alguns minutos levantou-se e foi embora".
"Ele
devia estar cansado e querendo descansar em algum lugar. Acho que foi o mesmo
homem que esteve aqui".
"Você
terminou o sermão, Henrique?" perguntou ela após breve silêncio.
"Sim,
está tudo pronto. Foi uma semana muito carregada para mim. Os dois sermões me
custaram um trabalho penoso".
"Eles
serão bem recebidos por um grande público no domingo, é o que eu
espero", acrescentou ele sorrindo.
"Sobre
o que você vai pregar de manhã?"
"
Seguir a Cristo". Vou iniciar pela Expiação e salientar seu sacrifício e
exemplo, mostrando a seguir os passos necessários para imitar esse sacrifício
e exemplo.
"Tenho
certeza de que será um bom sermão. Espero que não chova. Ultimamente tem
chovido muito aos domingos".
"É
verdade. A freqüência tem sido muito baixa. O povo não gosta de sair de casa
em dia de chuva". Ao dizer isso o Reverendo suspirava. Lembrava-se de seu
empenho e cuidado na preparação dos sermões pensando nos numerosos ouvintes
que deixavam de comparecer.
Mas
a manhã daquele domingo estava esplendorosa. O ar estava límpido e
refrescante, a serenidade do céu não dava sinais de qualquer alteração. Cada
um dos membros da igreja se preparava para participar do culto. Iniciado o serviço,
o templo estava repleto de pessoas bem vestidas e saudáveis, representando a
melhor sociedade da cidade.
Esta
Igreja ostentava a melhor música que o dinheiro pode proporcionar e seu
quarteto musical naquela manhã era uma fonte de grande deleite para toda a
congregação. Os hinos eram inspiradores.
Raquel
ostentava toda sua beleza quando se levantou por trás do balcão de madeira
nobre esculpido com os símbolos da cruz e da coroa. Sua voz era ainda mais esplêndida
do que o seu rosto e isso causava um efeito extraordinário. Os cânticos de
Raquel sempre ajudavam o Reverendo. Eles geralmente procuravam combinar um hino
apropriado para o assunto do sermão.
As
pessoas comentavam nunca ter visto antes um cântico tão belo. Pareceu mesmo ao
ministro que quando ela se sentou, uma sensação como um ímpeto de aplaudir
perpassou pelo auditório. Um frio percorreu a espinha de Maxwell. Ao
levantar-se, porém, e colocando seu sermão sobre a Bíblia, imaginou que se
havia enganado. Em poucos segundos ele estava absorvido em seu sermão e tudo o
mais foi esquecido graças ao prazer de sua mensagem.
Henrique
Maxwell era considerado um grande orador, não especificamente pelo que ele
dizia, mas pela forma como se expressava. Os membros da Igreja gostavam do seu
jeito. Isso dava ao pregador e aos ouvintes uma agradável distinção.
A
verdade é que o pastor gostava de pregar. Ele ansiava estar em seu púlpito
quando chegava o domingo. Eram minutos deliciosos que desfrutava diante da
igreja cheia, sentindo a presença interessada de um seleto auditório. Mas ele
se mostrava sensível ao tamanho da audiência. Sua pregação diante de um
grupo pequeno diminuía em conteúdo e brilho. As próprias variações do tempo
o afetavam de modo considerável. Sentia-se no máximo da sua pujança diante de
um auditório como aquele que ali estava naquela manhã. Sua satisfação ia
aumentando à medida que continuava. Aquela igreja era a melhor da cidade. Sua
congregação era composta de pessoas importantes, representativas da riqueza,
da melhor sociedade e da elevada cultura da cidade.
Parecia
estranho que o Reverendo Maxwell pudesse pensar nessas coisas ao mesmo tempo que
pregava, mas, quando se aproximava do final do sermão, ele sabia que em algum
ponto de sua mensagem havia experimentado tais sensações. Elas penetraram no
íntimo de sua mente; pode ter acontecido em poucos segundos, mas ele estava cônscio
de ter definido sua posição e sua emoções tão bem como se tivesse tido um
monólogo e sua pregação compartilhou a satisfação de uma profunda satisfação
pessoal.
O
sermão era interessante, recheado de frases admiráveis. Se o pastor estava
satisfeito com as condições de seu pastorado naquela manhã, a igreja também
compartilhava esse mesmo sentimento, contente de ter ao púlpito uma pessoa
erudita, fina, de aparência agradável, pregando com tanta animação e poder
de persuação.
De
repente, no meio daquela perfeita consonância entre o pregador e a audiência,
ocorreu uma interrupção inteiramente fora do comum. Foi tão inesperada, tão
contrária a quaisquer pensamentos das pessoas presentes, que não houve espaço
naquele momento para qualquer iniciativa ou reação.
O
sermão já tinha acabado. O Reverendo tinha fechado a grande Bíblia sobre seus
manuscritos e estava prestes a sentar-se quando o coro tomava posição para
entoar o hino de encerramento:
"Tudo,
ó Cristo, a Ti entrego;
Tudo,
sim, por Ti darei"
quando
toda a congregação foi surpreendida pela voz de um homem vinda do fundo do
templo, ao que parece de um banco sob a galeria. Em seguida, a figura de um
homem surgiu da sombra e foi caminhando até a metade do corredor. Antes que o
auditório atônito entendesse o que se passava, o homem foi até o espaço
vazio diante do púlpito e voltou-se de frente para o público.
"Estive
pensando desde que cheguei aqui" - foi
ele falando - "se seria apropriado dizer algumas palavras no final deste
culto. Não estou bêbado, não sou louco e sou incapaz de causar qualquer mal a
qualquer pessoa; mas, se eu vier a morrer, o que poderá acontecer nos próximos
dias, quero sentir a satisfação de ter falado num lugar como este e diante
dessas pessoas".
Maxwell
não chegara a sentar-se . Estava ainda de pé, apoiando-se no púlpito, olhando
para o estranho. Era o homem que tinha ido à sua casa na última sexta-feira.
Estava com o surrado chapéu girando entre as mãos. Não tinha feito a barba,
seu cabelo estava todo embaraçado e estava maltrapilho e abatido. Ninguém se
lembrava de ter visto uma cena como aquela dentro daquele templo. Estavam
acostumados a encontrar pessoas desse tipo nas ruas, nas proximidades das
oficinas da estrada de ferro, perambulando pela cidade, porém nunca imaginaram
que tal incidente fosse acontecer ali, dentro da igreja.
Não
havia nada de ameaçador no comportamento e jeito de falar do homem. Ele não
estava excitado e falava em voz baixa , mas compreensível. O Reverendo Henrique
estava impassível, mudo e lembrava-se ligeiramente de uma pessoa que vira em
sonho caminhando e falando.
Nenhuma
pessoa se mexeu, ninguém fez qualquer gesto para interromper ou fazer calar o
estranho. Ele continuou a falar normalmente. O pastor permanecia imóvel. No
coro, Raquel estava pálida e chocada.
"Não
sou um vagabundo comum, muito embora não conheça qualquer ensino de Jesus que
torne uma espécie de vagabundo menos digna de salvação do que outra. Os
senhores conhecem?" ele fez a pergunta tão naturalmente como se todo o
auditório fosse uma classe de evangelização. Fez uma pausa, tossiu
penosamente e continuou: "Perdi meu emprego há dez meses. Minha profissão
é tipógrafo. As novas máquinas linótipo são uma ótima invenção, mas sei
de seis tipógrafos que se suicidaram no período de um ano, justamente por
causa destas máquinas. É claro que não vou censurar os jornais por comprarem
essas máquinas. Mas, o que pode fazer um trabalhador? Nunca aprendi outra
coisa, isto é a única coisa que sei fazer. Andei por toda a parte neste país
tentando achar alguma coisa. E há muitos outros na mesma situação. Não estou
reclamando. Estou apenas relatando os acontecimentos. Mas o que estava me
intrigando quando me sentei lá atrás é saber se o que vocês chamam seguir a
Jesus é a mesma coisa que Ele ensinou. O que Ele quis dizer com estas palavras
- Sigam-me! - O ministro disse" e então se voltou para o púlpito,
"que é necessário que o discípulo de Jesus siga os passos dele, e disse
quais são esses passos: obediência, fé, amor e imitação". Porém não
o ouvi dizer o que significam esses passos. O que os cristãos entendem por
"seguir os passos de Jesus'?
"Andei
por toda esta cidade nos últimos três dias tentando arranjar um emprego; e
durante todo esse tempo não encontrei uma palavra de solidariedade ou conforto,
exceto de seu pastor, que disse estar pesaroso por minha situação e esperava
que eu encontrasse um emprego em algum lugar. Imagino que, por terem sido
enganados por outros mendigos profissionais, vocês perderam o interesse por
qualquer tipo de necessitado. Não estou querendo acusar ninguém, estou apenas
narrando os fatos. Reconheço que os senhores não podem deixar suas atividades
para conseguir emprego para uma pessoa como eu. Não estou pedindo nada, mas
estou confuso a respeito do significado de seguir a Jesus. O que vocês querem
dizer quando cantam - 'Onde quer que eu for, eu o seguirei'? Vocês acham que
estão sofrendo e negando a si mesmos, procurando salvar a humanidade perdida e
sofredora, exatamente como fez Jesus? O que vocês querem dizer com isso? Estou
sempre vendo o lado trágico das coisas. Estou sabendo que há mais de
quinhentos homens nas mesmas condições aqui na cidade. A maioria deles tem família.
Minha mulher morreu há quatro meses e eu estou contente por ela se livrar desse
sofrimento. Minha filhinha mora com a família de um impressor até que eu
consiga um emprego. Fico confuso quando vejo tantos cristãos vivendo com todo o
conforto e cantando - 'Por Jesus deixarei
tudo' - e fico lembrando como minha mulher morreu com falta de ar num quartinho
apertado, pedindo que Deus levasse
também a nossa filhinha. Não espero que vocês possam impedir que pessoas
morram de fome, por falta de alimento adequado e num lugar arejado, mas o que
significa servir a Jesus? Sei que muitas pessoas cristãs são proprietárias
desses quartinhos infectos. Um membro de igreja era o dono daquele em que minha
mulher morreu, e eu duvido que seguir a Jesus fosse verdadeiro em seu caso. Ouvi
um grupo de pessoas cantando numa reunião de oração na igreja uma dessas
noites:
Tudo,
ó Cristo, a Ti entrego;
Tudo,
sim, por Ti darei'
e
sentado do lado de fora, fiquei pensando no sentido daquelas palavras e como
aquelas pessoas as interpretavam. Parece-me que muita desgraça deste mundo de
algum modo acabaria se todas as pessoas que cantam esses hinos vivessem de
acordo com eles. Bem, não entendo dessas coisas. Mas, o que faria Jesus?
É isso que vocês entendem por seguir os passos de Jesus? Observo, às
vezes, que as pessoas que vão às grandes igrejas tem roupas bonitas, belas
casas e dinheiro para gastar com luxo, enquanto que os que estão fora das
igrejas, milhares deles, morrem em cubículos sórdidos e andam pelas ruas à
procura de trabalho, vivendo na miséria, na embriaguez e no pecado".
O
estranho de repente deu uns passos trôpegos em direção à mesa da comunhão e
se apoiou nela com uma das mãos. Passou a outra mão sobre a fronte e, sem uma
palavra ou gemido, caiu ao chão em frente........
Capítulo
I do livro: "Em seus passos, que faria Jesus?" - Charles M. Seldon