sexta-feira, 1 de abril de 2011

(PALESTRA) O Projeto do novo CPC e o sistema recursal

O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E AS MUDANÇAS NO SISTEMA RECURSAL


O projeto do novo Código de Processo Civil foi aprovado pelo Senado Federal (PLS 166/2010) em 15 de dezembro de 2010, tendo sido reenviado para a Câmara dos Deputados (PLC 8046/2010), onde aguarda revisão. O projeto aprovado é composto por 1.008 artigos, e é dividido em cinco Livros: Livro I – Da Parte Geral; Livro II – Do Processo de Conhecimento; Livro III – Do Processo de Execução; Livro IV – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais; Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias.

Interessa-nos, neste momento, em especial, a análise do Livro IV, intitulado “Dos Processos nos Tribunais e meios de impugnação das decisões judiciais”. Este livro encontra-se dividido em dois Títulos, que analisam, os processos e procedimentos nos tribunais no Título I, e os recursos, como forma de impugnação das decisões judiciais, no Título II. A grande inovação que se pode apontar neste Livro, diz respeito a mudança de paradigma no Direito Brasileiro, que sai de um modelo romano germânico (civil law) para se aproximar de um modelo anglo-saxônico do common law, introduzindo, embora não tenha trabalhado de forma expressa em seu texto, a idéia do precedente.

Neste sentido encontramos a criação de um incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 930 a 941), permitindo em nome da uniformização do Direito e para evitar a coexistência de decisões conflitantes, que o juiz ou relator, qualquer das partes, Ministério Público e Defensoria Pública, o requerimento deste incidente, sempre que identificada a potencialidade de se gerar relevante multiplicação de processos fundados na mesma questão de direito. Com o incidente, é possível a suspensão não só dos processos com igual questão de direito que estejam na mesma competência territorial do tribunal, mas de todos os processos no território nacional que versem idêntica questão de direito (art. 937), desde que requerido ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, e vinculando a aplicação da tese do julgamento deste incidente a todos os processos que versem sobre a questão objeto do incidente (art. 938).

Caso não se aplique a tese vitoriosa no julgamento do incidente aos processos que versem sobre idêntica questão de direito, cabe reclamação ao tribunal competente (art. 941). O projeto também inova ao permitir que os tribunais superiores quando modificarem seu entendimento jurisprudencial dominante, possam modular seus efeitos no interesse social e da segurança jurídica (art. 882, V).

Além do incidente mencionado, o novo código também prevê o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 990), quando o Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça julgando um recurso representativo da controvérsia, sobrestando todos os demais recursos que discutam idêntica controvérsia de direito nos tribunais superiores ou em segundo grau e, inclusive, sobrestando o andamento de processos com idêntica questão de direito no primeiro grau, por até doze meses (art. 991, §3º), vinculando todos à tese prevalecente no julgamento do recurso paradigma. A vinculação atinge também o julgador monocrático do primeiro grau, cujo processo estava suspenso, devendo proferir sentença reproduzindo a tese vencedora (art. 995).

A força do precedente trazido no novo código permite a rejeição liminar do pedido, independentemente de citação do réu, quando este se fundamentar em matéria exclusivamente de direito e contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; ou contrariar entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (art. 307). No mesmo sentido foi a ampliação dos poderes do relator, que em decisão monocrática poderá negar ou dar provimento ao recurso, dependendo se é o recurso ou o acórdão impugnado que afronta súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos;  entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (art. 888, IV).

No Título II do novo código, intitulado “Dos recursos” também veio repleto de inovações, como o fim dos embargos infringentes e do agravo retido, optando-se pela não preclusão das decisões interlocutórias, salvo a possibilidade de interpor agravo de instrumento (art. 969); a unificação dos prazos recursais para quinze dias úteis (art. 179), com exceção dos embargos de declaração que permaneceram com o prazo de cinco dias; supressão do efeito suspensivo dos recursos, determinando-se como regra a “eficácia da decisão” (art. 949). O efeito suspensivo poderá ser obtido, quando requerido diretamente ao tribunal, em petição autônoma, tornando prevento o relator, e desde que demonstre a probabilidade de provimento do recurso ou o risco de dano grave ou difícil reparação (art. 949, §§ 1º e 2º). Também trouxe a possibilidade de condenação em honorários advocatícios na instância recursal, observando o limite de vinte e cinco por cento para a fase de conhecimento (art. 87, §7º). Os honorários da fase de conhecimento são cumuláveis com outras multas e sanções processuais, como a por litigância de má-fé, ato atentatório a dignidade da justiça, etc.

Agora passemos a analisar as mudanças em cada um dos recursos especificamente:

Apelação

Com a supressão do agravo retido do projeto, as decisões interlocutórias passaram como regra a não mais serem atingidas pela preclusão, guardando-se a impugnação de todas as decisões anteriores à sentença para o recurso de apelação, onde serão questionadas em preliminar ou nas contrarrazões do recurso (art. 963, Parágrafo único). Também, como já dito anteriormente, não mais se atribuirá, como regra, o efeito suspensivo ao recurso de apelação. Portanto, ainda que interposta apelação, poderá a parte vencedora requerer desde logo a execução provisória da sentença, o que dá mais força aos juizes de primeiro grau. No entanto, poderá ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, quando requisitado diretamente ao tribunal, desde que comprove a probabilidade de provimento do recurso ou o risco de dano grave ou difícil reparação (art. 949, §§ 1º e 2º).

Outra mudança quanto ao recurso de apelação, visando dar maior agilidade ao seu procedimento, foi a supressão do juízo de admissibilidade realizado pelo Juízo a quo. Agora cabe apenas ao tribunal o juízo de admissibilidade (art. 966). A supressão do juízo de admissibilidade pelo magistrado de primeira instância foi bem sensata, pois de fato, todo vez que este Juízo negava seguimento ao recurso, por entender ausente qualquer dos pressupostos recursais, sempre competia ao tribunal proferir julgamento definitivo sobre a admissibilidade do recurso, provocado por agravo de instrumento, o que só fazia proliferar o número de recursos e aumentar, injustificadamente, a demora da prestação jurisdicional.

Também ocorreram mudanças na apelação interposta da sentença que indeferiu a petição inicial. Neste caso o prazo que o juiz possui para reformar sua decisão passa de quarenta e oito horas para três dias, e será necessário a citação do réu para contrarrazoar o recurso, antes de encaminha-lo ao tribunal competente (art. 306).


Agravo de instrumento

O agravo de instrumento continua sendo exceção com o novo código, mas agora não porque a regra seja o agravo retido, pois como vimos deixa de existir. O agravo é exceção à regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, que se sujeitam a um reexame apenas no final do processo com o recurso de apelação.

O projeto traz uma relação casuística para interposição do agravo de instrumento, possibilitando a sua interposição sempre que a decisão interlocutória for proferida em liquidação de sentença; cumprimento de sentença e no processo de execução. E quando as decisões interlocutórias versarem sobre tutelas de urgência ou da evidência; o mérito da causa; rejeição da alegação de convenção de arbitragem; incidente de resolução de desconsideração da personalidade jurídica; gratuidade de justiça; exibição ou posse de documento ou coisa; exclusão de litisconsorte por ilegitimidade; limitação de litisconsórcio; admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros e em outros casos expressamente referidos em lei (art. 969).

Quanto ao procedimento do agravo de instrumento podemos destacar três mudanças. A primeira estaria no reconhecimento e flexibilização da exigência de certidão comprobatória da intimação da decisão agravada, podendo esta ser substituída por outro documento oficial que comprove a tempestividade do recurso, como por exemplo, cópia da publicação da decisão em Diário Oficial (art. 971, I). A segunda mudança, também relacionada aos documentos obrigatórios que compõem o instrumento do agravo é a impossibilidade de rejeição do agravo por falta de documento obrigatório, sem que o agravante tenha sido intimado, para em cinco dias, suprir a falta. Esta mudança vem impedir uma prática comum nos tribunais, que criaram uma jurisprudência processual de buscar no defeito uma possibilidade de se livrar do excesso de julgamento de recursos a que estão submetidos, rejeitando-os liminarmente (art. 971, §3º). A terceira mudança digna de nota é que a falta de juntada nos autos originais de cópia da petição de agravo de instrumento e da relação de documentos que o acompanham, não mais acarretam sua inadmissão junto ao tribunal, mas apenas impossibilita a faculdade de retratação do Juízo a quo (art. 972).

Por fim, foi permitido no julgamento do agravo de instrumento a sustentação oral das razões e contrarrazões (art. 892, V).

Agravo interno

O agravo interno passou a ser elencado expressamente entre os recursos, no art. 948 do projeto, mantendo-se sua finalidade de levar ao conhecimento do órgão colegiado competente a decisão monocrática do relator.

No entanto, conforme proposta apresentada por Marinoni (2010, p. 174), o projeto perdeu a oportunidade de expressar que a decisão monocrática do relator que nega ou dá provimento ao recurso de acordo com precedentes do próprio tribunal, do Supremo Tribunal de Justiça ou do Superior Tribunal de Justiça (art. 888, IV e V) considera-se, para todos os efeitos legais e constitucionais, como decisão do próprio colegiado. Com isto se evitaria interposição do agravo interno da decisão do relator apenas para que se tenha decisão de última instância, a fim de assegurar a observância deste requisito de admissibilidade para os recursos extraordinário e especial.



Embargos de declaração

Quanto aos embargos de declaração o projeto expressou o que já vinha sendo admitido pela Doutrina e pela jurisprudência, que é a possibilidade de embargos declaratórios com efeitos infringentes, modificando, portanto, a decisão com a correção do vício, desde que assegurado o contraditório no prazo de cinco dias (art. 976, Parágrafo único).

O projeto manteve a aplicação de multa por embargos declaratórios manifestamente protelatórios, modificando apenas o valor e a desnecessidade de reiteração para impedir novos embargos e exigir o depósito prévio, como condição para manejar outros recursos. Com a nova redação, considerado manifestamente protelatórios os embargos, será aplicada multa não excedente à cinco por cento sobre o valor da causa, não serão admitidos novos embargos e a multa terá que ser paga de imediato, pois obsta a interposição de qualquer outro recurso, salvo se beneficiário da justiça gratuita, cujo recolhimento se dá ao final do processo (art. 980).

É importante esclarecermos que, inicialmente, a redação do §5º do art. 980 (originalmente §3º do art. 941, do PLS 166/2010), que condiciona a interposição de qualquer outro recurso ao pagamento imediato de cada multa, ressalvava não apenas os beneficiários da justiça gratuita, mais também a Fazenda Pública. Considerando que a Fazenda Pública, em todas as suas esferas federativas é responsável pelo maior número de recursos e consequentemente pelo congestionamento dos tribunais, este dispositivo não lograria o êxito almejado se não compreendesse em sua obrigatoriedade a Fazenda Pública.

Uma crítica que se apresenta é com relação a falta de previsão dos embargos de declaração quanto à omissão do dever de consulta do juiz (art. 10), uma vez que o projeto do novo código estabelece o juiz como sujeito ao contraditório, consagrando o dever de consulta do juiz até mesmo nos atos que deva conhecer de ofício, impedindo que as partes sejam surpreendidas com decisões, cujo conteúdo sequer debateram. (Marinoni, 2010, p. 184).


Recurso ordinário
Este recurso não teve nenhuma alteração no projeto do novo código de processo civil, permanecendo exatamente como no código vigente, apenas com uma pequena alteração na técnica redacional.


Recurso extraordinário e especial

A primeira mudança trazida pelo projeto quanto ao recurso extraordinário e especial, foi a possibilidade do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça desconsiderar ou determinar o saneamento de vício formal existente no recurso, desde que o vício não se repute grave (art. 983, §2º). Essa mudança enfatiza a função destas cortes de uniformização, ultrapassando o interesse subjetivo das partes para prevalência da unidade do Direito. É evidente a influência do princípio da instrumentalidade das formas neste dispositivo, impedindo a continuidade de uma jurisprudência processual defensiva, especialmente nos tribunais superiores, para se livrar da quantidade de recursos a que estão submetidos.

Em complementação ao incidente de resolução de demandas repetitivas, prevê o §3º do art. 983 do projeto, que o presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ao receber requerimento de suspensão de processos em que se discuta questão federal constitucional ou infraconstitucional, poderá, considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, estender a eficácia da medida a todo o território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial eventualmente interposto. Esta é uma decorrência natural do próprio incidente, já que tem por finalidade evitar a coexistência de decisões conflitantes e garantir a unidade do Direito. Como o tribunal onde ocorre o incidente só poderá suspender os processos dentro de sua competência territorial, qualquer pessoa que for parte em processo que se discuta a mesma questão de direito posta no incidente, e que não esteja dentro da competência territorial do tribunal, pode requerer ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça a suspensão de todos os processos com o mesmo objeto do incidente, em todo território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial eventualmente interposto.

Ainda com o objetivo de fortalecer a função destas cortes em garantir a unidade do Direito, o projeto facilita a comunicação entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, possibilitando o envio dos recursos equivocados entre as cortes (arts. 986 e 987). Assim, se o recurso especial versar sobre questão constitucional, este será enviado ao Supremo Tribunal Federal, mediante um prévio aditamento sobre a questão da repercussão geral. E se o recurso extraordinário versar sobre questão legal, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.

O projeto também exige que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ao julgarem o recurso extraordinário e especial, examinem todas as questões de direito que compõem os fundamentos do recurso e das contrarrazões, independentemente de outro recurso (art. 988). No dizer de Marinoni (2010, p.188) “trata-se de disposição que visa ao exame da controvérsia por todos os seus ângulos, objetivando, assim, completa apreciação da causa constitucional ou da causa federal”.

Também há mudanças no projeto do novo código quanto ao julgamento do recurso extraordinário e especial repetitivos. A primeira mudança relaciona-se à possibilidade de suspensão dos processos que versem idêntica controvérsia de direito em primeiro grau de jurisdição, por período não superior a doze meses, salvo decisão fundamentada do relator (art. 991, §3º). A outra mudança é com relação a vinculação dos outros órgãos jurisdicionais à decisão do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso extraordinário ou especial repetitivo (arts. 993 e 994), especialmente, na primeira instância, quando sobrevindo, durante a suspensão dos processos, decisão da instância superior a respeito do mérito da controvérsia, o juiz proferirá sentença e aplicará a tese firmada (art. 995).


Agravo de admissão

O agravo de admissão é um recurso conhecido que ganhou nova nomenclatura e passou a integrar expressamente, assim como o agravo interno, o rol dos recursos no art. 948 do projeto. O agravo de admissão, que já foi conhecido no código vigente como agravo de instrumento para destrancamento de recurso especial ou extraordinário, sendo mais recentemente modificado seu procedimento e nomenclatura para agravo nos autos (art. 544, modificado pela Lei 12.322/2010). Portanto, o agravo de admissão é o recurso cabível da decisão de não admissão do recurso extraordinário e especial pelo tribunal de origem.


Embargos de divergência

Os embargos de divergência tem por finalidade uniformizar internamente a jurisprudência dos tribunais superiores, independentemente se a divergência resulta do julgamento do recurso ou de ação originária. Cabe embargos de divergência da decisão de turma que em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo as decisões, embargada e paradigma, de mérito; em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo as decisões, embargada e paradigma, relativas ao juízo de admissibilidade; em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo uma decisão de mérito e outra que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia; nas causas de competência originária, divergir do julgamento de outra turma, seção ou do órgão especial (art. 997).



Referências Bibliográficas

SENADO FEDERAL. Relatório da Comissão Temporária da Reforma do Código de Processo Civil, Projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010, disponível no endereço eletrônico: http://novo.direitoprocessual.org.br/fileManager/relatorioCPC.pdf, consultado em 26 de março de 2011, às 23:00h.

MARINONI, Luiz Guilherme; e MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: críticas e propostas.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

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