Concebido por valores morais, religiosos e sociais, o casamento  pretende a união duradoura entre os cônjuges, ressalvada a possibilidade  de dissolução nas hipóteses previstas na legislação.
Contudo o  princípio da dignidade da pessoa humana, a autonomia de vontade, a  facilidade e liberdade para constituição do matrimonio aponta para um  Direito de Família sem interferência Estatal nas relações humanas, o que  não ocorria na vigência da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) ou do Código  Civil de 2002.
Desta forma, cabe aos legisladores e aos operadores  do Direito acompanharem a evolução social do indivíduo para que o  Direito atenda aos anseios práticos e sociais, o que foi feito através  da aprovação da Emenda Constitucional 66/2010.
Por este texto  constitucional o legislador compreendeu que não mais é possível a  interferência estatal na autonomia de vontade privada, principalmente no  Direito de Família, proporcionando a dissolução do casamento pelo  divórcio imediato, independente de culpa, motivação ou da prévia  separação judicial.
Não é aceitável que em pleno século XXI os  cônjuges se obriguem a permanecer casados por questões meramente morais,  religiosos ou sociais, tampouco, que mantenham qualquer vínculo apenas  para aguardar o transcurso de tempo necessário entre a separação  judicial e a possibilidade de converter em divórcio, por exigência  legal.
Considerando que o matrimônio tem como fim a vida em comum e  afetiva e não mais havendo esse interesse pelos cônjuges, mais que  recomendável a dissolução do casamento com intuito de preservar a  integridade psicológica, moral e física dos mesmos.
Para  demonstrar a evolução legislativa, analisaremos no presente os  institutos da separação e do divórcio no Código Civil de 2002 e após a  Emenda Constitucional 66/2010, demonstrando que o sistema binário foi  banido pela ordem constitucional, incorrendo na revogação tácita da  modalidade de separação das demais legislações infraconstitucionais por  total incompatibilidade constitucional.
A separação e o divórcio no Código Civil de 2002
O ordenamento jurídico prevê a separação e o divórcio como  modalidades de dissolução da sociedade conjugal e como dissolução do  casamento.
A separação pode ser consensual ou litigiosa (baseada  na conduta desonrosa ou na grave violação aos deveres matrimoniais por  um dos cônjuges), remédio, (decorrente de grave doença mental que tenha  acometido um dos cônjuges), ou falência, (pela ruptura da vida em  comum).
No Código Civil de 2002, artigo 1.574, caput[i],  a separação consensual pode ocorrer desde que transcorrido prazo mínimo  de vigência do casamento de um ano, sem falar das alterações trazidas a  modalidade remédio que reduziu o prazo da enfermidade para dois anos e  ainda excluiu a cláusula de dureza prevista na lei do divórcio de 1977. Pelo artigo 1573, parágrafo único[ii],  verifica-se que o próprio legislador optou por enfraquecer o instituto  da separação no Direito brasileiro possibilitando o seu requerimento  independentemente de qualquer causa jurídica culposa ou objetiva,  bastando a real manifestação de interesse do cônjuge. Melhor não  poderia ser o entendimento afinal não é necessário invocar qualquer  motivo ou causa para realização do casamento, da mesma forma não se deve  exigir motivo ou causa para se separar. Tal inovação não exige, também,  que sejam invocadas causas, inclusive culposas, para conseguir a  separação, salvo quando está em discussão a responsabilidade civil.
A  desembargadora Maria Berenice Dias, com seu avançado domínio sobre a  matéria, considerou “retrógrada mantença da necessidade de identificação  de um culpado para ser concedida a separação”. (DIAS, 2009)
Cumpre  esclarecer que apesar da facilitação da separação imotivada, o Código  Civil não extinguiu o instituto, continuando possível o ajuizamento de  procedimento de separação litigiosa por culpa, seja para efeito de  guarda dos filhos, uso de nome, alimentos e até responsabilização civil  por dano moral ou material.
As modalidades de divórcio direto e o  divórcio por conversão da separação judicial em divórcio (indireto)  também continuam previstas no Código Civil de 2002. O divórcio por  conversão dependendo do transcurso de um ano do trânsito em julgado da  sentença que decretar a separação judicial, ou da concessão da medida  cautelar de separação de corpos.
A conversão poderá ser consensual  ou litigiosa, e, nesta ultima, o magistrado conhecerá do pedido e  julgará em razão da revelia ou da falta de necessidade de prova oral,  uma vez que a matéria a ser alegada na contestação é limitada à falta de  decurso do prazo de um ano de separação judicial ou pelo descumprimento  das obrigações assumidas pelo requerente no ato da separação.
Já o  divórcio direto opera pelo simples transcurso do prazo de dois anos da  separação de fato dos cônjuges, sendo o único requisito obrigatório que o  prazo seja ininterrupto, sem manifestação das partes de interesse em  reconciliar.
Da mesma forma que nos casos de separação, o divórcio  direto pode ser consensual ou litigioso, independentemente de  motivação, bastando a simples prova dos requisitos legais.
Por  questões puramente sociais, tanto a Lei do Divórcio de 1977, quanto o  Código Civil de 2002, dotavam de meios para desestimular o fim do  matrimônio, obrigando o cônjuge na manutenção de um casamento muitas  vezes falido e infeliz.
Historicamente, os casamentos eram  mantidos a qualquer custo em razão de uma indissolubilidade social,  moral e principalmente religiosa. Atualmente os indivíduos são dotados  de direitos e deveres, possuidores de autonomia privada, não mais sendo  obrigados a sustentar um laço matrimonial desprovido de afeto, sob o  risco de incorrer em eventual responsabilização civil por eventual dano  moral ou material.
Por tais motivos, como prova de um  reconhecimento da autonomia privada e da liberdade do indivíduo, foi  aprovada pelo Congresso Nacional a nova redação ao artigo 226, parágrafo  6º da Constituição Federal, alterando consideravelmente os institutos  da separação e do divórcio no Brasil.
A separação e o divórcio após a EC 66/2010
O Congresso Nacional promulgou em 13 de julho de 2010 a Emenda  Constitucional 66, com vigência imediata, possibilitando que qualquer  dos cônjuges, independente de demonstração de culpa, separação prévia e a  qualquer tempo, requeira o divórcio imediato.
A referida Emenda  desaparece com o instituto da separação, elimina os prazos e a  perquirição de culpa para dissolver a sociedade conjugal (com exceção  para responsabilidade civil por dano moral ou material), senão vejamos:
Art. 1º O §6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 226.............................................................................
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, em 13 de julho de 2010.
Observa-se  que a nova redação suprimiu o requisito de prévia separação judicial  por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois  anos, podendo-se concluir que a alteração revoga tacitamente tal  instituto jurídico.
O sistema binário de dissolução do casamento  possui raízes e justificativas em uma moral, religiosa e social da não  facilitação da extinção do casamento e da preservação da família, o que  não mais se justifica em um Estado laico.
A evolução legislativa  do ordenamento pátrio baseia-se no princípio da interferência mínima do  Estado, na autonomia privada e na intimidade do indivíduo.
Em  1977, quando da promulgação da Lei do Divórcio, o argumento usado para o  instituto da separação judicial era puramente religioso. Acreditava-se  que a separação impediria os divórcios e, ainda, possibilitariam as  reconciliações devido ao prazo de espera para conversão em divórcio.
Entretanto,  a evolução social e do direito demonstrou que esta realidade não mais  ocorria. A autonomia da vontade proporcionou ao indivíduo o direito de  não mais sustentar um relacionamento afetivo com interesse apenas moral,  religioso ou social, tendo em vista que geravam maiores despesas,  desgastes emocionais, bem como contribuía para o abarrotamento do  Judiciário com número excessivo de procedimentos desnecessários.
Existe  uma resistência em compreender e aceitar que a separação judicial foi  extinta de nosso ordenamento. Fazendo uma interpretação da norma  constitucionalizada, concluiremos que o legislador baniu da Carta Magna a  única referência à separação judicial, não havendo qualquer lógica para  sua manutenção prática.
Juridicamente, a manutenção da separação  judicial no ordenamento jurídico era, exclusivamente, para convertê-la  em divórcio após o transcurso do prazo legal, o que não é mais possível  de acordo com a nova redação trazida pela Emenda Constitucional 66/2010.  Assim, teriam os mesmos que ajuizar ação de divórcio direto para assim  poderem divorciar, uma vez que a conversão não mais recebe a tutela  constitucional.
A incompatibilidade com a Constituição, se não  pudermos falar em revogação tácita, faz com que entre em desuso qualquer  norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade  conjugal, conforme explicita Paulo Lôbo:
“(...) a  Constituição deixou de tutelar a separação judicial. A conseqüência da  extinção da separação judicial é que concomitantemente desapareceu a  dissolução da sociedade conjugal, que era a única possível, sem  dissolução do vínculo conjugal, até 1977.” (LOBO, 2008)
Mesmo  uma interpretação sistemática não pode estender o que o comando  constitucional restringiu. A interpretação das leis infraconstitucionais  deve ser feita de acordo com o comando constitucional, não podendo mais  questões morais, sociais e religiosas imporem limites ao direito.
Ademais,  não existe razão de se manter o instituto da separação judicial, visto  que o texto constitucional permite que os cônjuges atinjam seu objetivo  de forma mais simples, efetiva, com menor custo e tempo.
A  necessidade de dois procedimentos distintos além de proporcionar maiores  gastos obriga os cônjuges a conviverem com o dissabor da separação  durante determinado período de tempo, visto que o número de  reconciliações é insignificante.
Sem contar que a extinção da  separação da ordem jurídica proporcionou grande redução dos  procedimentos em andamento e futuros ao Poder Judiciário. Aqueles  procedimentos de separação que estavam em andamento foram convertidos  mediante comunicação prévia e manifestação de interesse das partes. A  falta de concordância do autor na conversão enseja a extinção do  procedimento, por impossibilidade jurídica do pedido de separação.
Nesse sentido, são os ensinamentos da jurista Maria Berenice Dias:
(...)  É um instituto que traz em suas entranhas a marca de conservadorismo,  atualmente injustificável. É quase um limbo: a pessoa não está mais  casada, mas não pode casar de novo. Se, em um primeiro momento, para  facilitar a aprovação da Lei do Divórcio, foi útil e, quiçá, necessária,  hoje inexiste razão para mantê-la (...). Portanto, de todo o inútil,  desgastante e oneroso, tanto para o casal, como para o próprio poder  Judiciário, impor uma duplicidade de procedimentos para manter, durante o  breve período de um ano, uma união que não mais existe, uma sociedade  conjugal "finda", mas não "extinta". (DIAS, 1999, p. 274)
Essa  evolução legislativa demonstra, principalmente, a redução da  interferência Estatal, social e religiosa na autonomia privada,  proporcionando a possibilidade de um recomeço da vida afetiva aos  cônjuges, independentemente do transcurso de qualquer prazo legal, não  mais os obrigando na manutenção de um casamento desprovido de afeto e  felicidade.
A nova redação do artigo 226, parágrafo 6°, da  Constituição da República, introduzida pela Emenda Constitucional  66/2010, causou enorme controvérsia entre os operadores do Direito dada a  facilitação da dissolução do casamento pelo divórcio direto, bem como a  supressão das exigências dos prazos da separação judicial e de fato.
Proporcionou  o fim da sociedade conjugal pelo divórcio imediato, independente de  culpa, motivação ou da separação prévia, bastando apenas a mera  manifestação de vontade de qualquer dos cônjuges.
Não mais se  falará em violação de deveres e obrigações conjugais, salvo para  discussão da responsabilidade civil para reparação por algum dano  material ou moral sem que esta afete o direito ao divorcio.
Ainda  que existam pensamentos contrários, a dissolução do casamento não  enfraquece a instituição familiar; mas a interferência social, moral e  religiosa na vida privada desacreditam o direito perante a sociedade,  face o desrespeito à autonomia de vontade, privacidade, bem-estar e o  direito dos indivíduos
O que se defende é um ordenamento jurídico  dentro dos paradigmas constitucionais da dignidade da pessoa humana e da  liberdade individual, garantindo meios eficazes para atender aos  anseios sociais.
As normas infraconstitucionais não podem sobrepor  o texto constitucional. A interpretação legislativa deve ocorrer de  forma constitucionalizada, livre de qualquer interesse social, moral ou  religioso, principalmente diante do dissabor psíquico-emocional de um  casamento falido e infeliz.
Além de tratar de norma constitucional  imperativa, o divórcio imediato, facilitado e livre, torna inútil o  instituto da separação judicial. Defender sua manutenção apenas para  atendes àqueles que preferem uma via menos drástica de dissolução da  sociedade conjugal é a clara demonstração de uma interpretação enraizada  na moral religiosa e social de um instituto retrógrado.