domingo, 4 de dezembro de 2011

Ninguém deve abrir mão dos seus direitos. Nem o direito de conciliar.

O Projeto de Lei (PL)1.846/2011 da deputada federal Carmen Zanotto (PPS-SC) quer transformar em crime de tortura a discriminação sexual. Na legislação atual "para a configuração do crime de tortura, é necessário o sofrimento físico ou mental provocado na vítima, mediante violência grave ou ameaça, em razão da discriminação racial ou religiosa". O que a deputada propõe é incluir nessa lei a discriminação sexual.

Na justificativa do PL, Carmen Zanotto pondera que isso se faz necessário já que "o Brasil é conhecido como um dos países em que há o maior número de assassinatos por orientação sexual. Há dados estatísticos de que a cada dois dias uma pessoa é assassinada no Brasil em função da sua orientação sexual."
Ainda na justificativa ela acrescenta que "tendo em vista o elevado índice de violência praticado contra a pessoa em decorrência da sua opção sexual, levando muitas vezes ao óbito da vítima apenas pelo fato de ela ser  homossexual, transexual ou travesti, ou qualquer outra forma de opção sexual, faz-se necessário tipificar tal atitude discriminatória na Lei de Tortura.

Para a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB, o PL tem a intenção de combater a discriminação motivada pela orientação sexual, porém, o texto do projeto não deixa isso claro.

O PL acrescenta à lei vigente a palavra sexual, o que, de acordo com Maria Berenice, não seria suficiente para combater a homofobia. "Discriminação sexual pode não ser entendida como discriminação por causa da orientação sexual. A mulher, por exemplo, pode sofrer discriminação sexual, o texto da lei poderia ter ficado mais específico e dizer constrangimento em virtude da orientação sexual ou identidade de gênero", afirma.

Confira aqui a íntegra do Projeto de Lei 1.846/2011

Novo CPC pode criar mais uma forma de garantir o pagamento de pensão alimentícia

O texto do novo Código de Processo Civil (PL 8046/10) poderá prever a inserção dos nomes de devedores de pensão alimentícia em empresas de restrição ao crédito, como Serasa e SPC. De acordo com o advogado Ronner Botelho, assessor jurídico do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), essa medida é uma ferramenta a mais para garantir "a efetivação do cumprimento das obrigações alimentares minimizando os calvários dos processos executórios".
O advogado explica que o protesto do nome do devedor pode impedir que algumas pessoas adiem o pagamento da pensão. "Na legislação atual pode-se requisitar a prisão do devedor quando ele deixa de pagar três meses (súmula 309 do STJ), o que acontece, muitas vezes, é que antes de ser preso o indivíduo paga um ou dois meses e continua sempre devendo e realizando manobras para não cumprir com seus deveres".

Reduzir prisões e aumentar pagamentos - Com a inclusão dessa medida no novo CPC os devedores de pensão alimentícia terão seus nomes protestados quando for constatada a inércia do devedor no processo de execução alimentar. O inadimplente só poderá "limpar seu nome" depois de provar a quitação integral do débito.

Para o relator do projeto de lei, deputado Sérgio Barradas (PT-BA), a inclusão do nome do devedor no serviço de crédito também vai transformar a prisão no último instrumento de cobrança das pensões alimentícias. "Hoje, quando você tem uma dívida de três meses, o advogado da parte credora já pede a prisão direto. A ideia é que, com essa restrição, a pessoa pague a dívida. E hoje todo mundo precisa de crédito".

Ronner Botelho acrescenta que alguns tribunais por meio de suas corregedorias gerais de Justiça expediram normas internas que autorizam a inclusão do nome de devedores pensão alimentícia no serviço de proteção ao crédito. "O provimento 52 do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS) já autoriza a inclusão dos nomes dos inadimplentes. Além desse estado tivemos experiências bem sucedidas em Pernambuco e Goiás", diz.

Confira o Provimento 52 do TJ-MS

Veja aqui o texto do novo CPC

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Inconstitucional limite de idade no acesso a cargos públicos

O Órgão Especial do TJRS declarou por unanimidade de votos a inconstitucionalidade da Lei nº 15/2009, do Município de Caseiros, que fixou o limite de 50 anos de idade para ingresso no serviço público mediante concurso ou seleção pública.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei foi proposta pelo Procurador-Geral de Justiça.
Para o relator da matéria perante o colegiado, Desembargador Alzir Felippe Schmitz, o artigo 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, veda, de forma expressa, qualquer discriminação entre os trabalhadores, havendo, o artigo 39, § 3º da Carta Magna, estendido a garantia aos servidores ocupantes de cargos públicos.
Lembrou o julgador que também a Constituição Estadual do RS proíbe diferenças de remuneração, de exercício de funções e de critério de admissão de servidores públicos por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Registrou ainda o Desembargador Alzir que o art. 39, § 3º, da Constituição Federal admite que a lei estabeleça limites diferenciados de admissão quando a natureza do cargo assim exigir, mas não se pode presumir que os professores com 50 anos não possam ministrar aulas, ou que o auxiliar administrativo da mesma idade não tenha força ou saúde para desempenhar as funções atinentes ao cargo.
E mais, concluiu, estamos falando de concurso público, o que pressupõe que o candidato com mais de 50 anos tenha logrado aprovação em provas que avaliem sua capacidade intelectual e física. O relator citou a Súmula nº 683 do Supremo Tribunal Federal: o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
ADI 70042820472

Terceira Turma define condições para pensão alimentícia em execução provisória sem caução


O limite legal para levantamento sem caução de verba de caráter alimentar, durante a execução provisória, deve ser considerado individualmente, para cada um dos exequentes, e a cada mês, em se tratando de pensão mensal. Foi o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar recurso impetrado pela rede de supermercados Paes Mendonça, condenada a pagar indenização de danos morais e materiais pelo sequestro e morte de uma cliente.

Em julho de 1995, a cliente e uma filha foram de carro a um hipermercado da rede, em São Paulo, para comprar um exemplar da Bíblia. No interior do estacionamento coberto, foram abordadas por um rapaz armado, que as conduziu até as proximidades do estádio do Morumbi, onde a mulher foi assassinada após reagir a uma tentativa de estupro.

A justiça paulista reconheceu a responsabilidade da empresa, por falha na segurança, e condenou-a a pagar 300 salários mínimos para cada um dos três filhos da vítima, como indenização de danos morais, além das despesas do funeral e 30 salários mínimos mensais para cada descendente, a título de danos materiais.

Enquanto eram interpostos recursos para o STJ, os filhos pediram, em execução provisória, o levantamento da pensão mensal determinada pelo TJSP. O juiz negou o pedido, por falta de caução, mas o tribunal estadual reformou a decisão - o que levou a empresa a entrar com outro recurso no STJ.

Nesse recurso, a Paes Mendonça alegou ofensa ao limite de 60 salários mínimos previsto no Código de Processo Civil (CPC), pois o valor autorizado pelo TJSP para levantamento sem caução chegava a 90 salários por mês. Além disso, afirmou que os exequentes não comprovaram estado de necessidade, conforme exigido para a dispensa da caução.

O artigo 475 do CPC dispensa a caução quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de 60 vezes o valor do salário mínimo, o exequente demonstrar situação de necessidade. Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, o STJ tem o entendimento de que é dispensada a caução em casos de execução de pensão alimentícia, ainda que se trate de execução provisória, tendo em vista o caráter social do instituto. Ela considerou que o acórdão do TJSP está de acordo com a jurisprudência.

Necessidade

A ministra explicou que, nas prestações de natureza alimentar, a caução somente é dispensada quando forem preenchidos ambos os requisitos da lei: estado de necessidade e requerimento de levantamento de pensão em valor inferior a 60 salários mínimos. Em relação à necessidade, a relatora destacou que foi reconhecida pelo tribunal paulista, e a reanálise desse ponto exigiria o revolvimento de provas, que é proibido pela Súmula 7 do STJ.

Quanto ao valor da pensão, a ministra observou que, enquanto tramitava a execução provisória, a Terceira Turma do STJ julgou os recursos relacionados ao processo principal e reduziu de 30 salários mínimos para pouco mais de R$ 4.600 a pensão mensal devida a cada um dos filhos, determinando que ela fosse paga até completarem 24 anos de idade. Os danos morais também foram reduzidos a R$ 45.300 para cada um.

Com a redução do valor mensal (ainda há embargos de divergência pendentes de julgamento no processo principal), a discussão levantada pela empresa ficou parcialmente prejudicada. Mesmo assim, a ministra Nancy Andrighi - em voto acompanhado pela unanimidade da Terceira Turma - fixou o entendimento a respeito do limite legal. Como se trata de verba de caráter alimentar a ser paga na forma de pensão mensal, a relatora afirmou que a limitação de valor estabelecida pelo CPC deve ser considerada no mesmo período, ou seja, mensalmente.

A verba alimentar tem por objetivo o implemento das necessidades básicas do ser humano, disse ela, razão pela qual não é razoável considerarmos que, em execuções provisórias, que podem tramitar por longo período, em virtude dos inúmeros recursos disponíveis ao devedor, seja permitida a limitação da pensão alimentícia a uma parcela única de no máximo 60 salários mínimos.

A ministra acrescentou que, caso o crédito seja superior ao limite, o excesso eventualmente acumulado somente poderá ser executado após o trânsito em julgado ou mediante caução. Por fim, Nancy Andrighi afirmou que, embora o TJSP tenha permitido o levantamento de 90 salários mínimos na execução provisória, a pensão mensal de cada um era de 30 salários. Individualmente considerados, os valores mensais levantados não ultrapassam o limite imposto pela lei, observou a relatora.

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Provada propriedade do comprador de veículo alienado e não transferido


A ausência de transferência no Detran de veículo alienado não invalida a propriedade do bem adquirido de boa-fé se o negócio jurídico de compra e venda ocorrer antes da constrição judicial. Esse foi o entendimento da 4.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região ao julgar recurso interposto pela União contra decisão de primeiro grau que determinou o cancelamento de restrição judicial sobre o veículo objeto da constrição.
Em janeiro de 2004, cidadão adquiriu da empresa Método Engenharia e Comércio Ltda. um veículo utilitário do tipo caminhão/guincho da marca FORD F-600, conforme demonstra cópia autenticada do contrato de compra e venda de veículo usado e DUT/Transferência, datados de fevereiro e março de 2005, respectivamente.
Em dezembro de 2005, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra o proprietário da empresa Método Engenharia e Comércio Ltda. por improbidade administrativa. Na ação, o MPF requereu o bloqueio dos bens do dono da empresa, pedido este concedido pela Justiça.
No entanto, entre os bens bloqueados constava o caminhão, veículo este que já estava em posse de comprador antes do ajuizamento da ação civil pública. Para reverter o bloqueio do bem, ele entrou na Justiça Federal com embargos de terceiro, sustentando que a medida constritiva atingiu bem que lhe pertence. O pedido foi atendido pelo juízo de primeira instância, o que motivou a União a recorrer ao TRF da 1.ª Região, sob a alegação de que o adquirente do caminhão agiu de má-fé, tendo em vista que, decorridos mais de três anos, o comprador, então embargante, não realizou a transferência do veículo para o seu nome.
A União também alega no recurso que o proprietário da empresa Método Engenharia e Comércio Ltda. efetuou a venda do veículo com o intuito de prejudicar credores ou frustrar qualquer função jurisdicional posterior, diminuindo maliciosamente o seu patrimônio.
No entendimento do relator, juiz federal convocado Klaus Kuschel, a alegação da União de que o veículo foi comprado há mais de três anos não tem o condão para descaracterizar a boa fé do adquirente.
Segundo o magistrado, a ausência de transferência do veículo constrito não infirma a propriedade e posse do bem, que efetivamente ficou comprovada pelo embargante.
A decisão foi unânime.
 
Processo n.º 2006.31.00.001432-7/AP
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1.ª Região

Proprietário que empresta veículo a terceiro responde por danos causados pelo seu uso culposo


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a responsabilidade do pai de condutor do veículo causador de acidente que vitimou jovem de 19 anos, responsabilizando-o pelo pagamento de indenização por danos sofridos. O colegiado entendeu que o proprietário do veículo que o empresta a terceiro responde por danos causados pelo seu uso culposo.

No caso, os pais e o filho menor da vítima ajuizaram ação de reparação por danos materiais e compensação por danos morais, decorrentes do acidente que ocasionou a morte da jovem, contra o pai do condutor e proprietário do veículo envolvido no acidente fatal.

Na contestação, o réu (pai do condutor do veículo) alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, uma vez não ser ele o condutor do veículo causador do acidente, mas apenas seu proprietário e, no mérito, ausência de provas da culpa do condutor pelo acidente; culpa exclusiva da vítima; que seu filho pegou o carro sem autorização, o que afastaria sua responsabilidade pelo acidente, e ausência de comprovação dos danos.

A sentença julgou improcedente a ação, considerando a inexistência nos autos de prova da relação de preposição entre o proprietário do veículo e o seu condutor ou, ainda, omissão no dever de guarda e vigilância do automóvel.

A família da vítima apelou e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) entendeu que o proprietário deve ser diligente quanto à guarda e controle do uso de seu veículo, e que a retirada do carro de sua residência, com ou sem sua autorização, implica imputação de culpa, devendo o dono responder pelos danos causados a terceiros, ainda que o veículo seja guiado por outra pessoa. Assim, fixou a condenação em danos morais em 50 salários mínimos para o filho da vítima e mais 50 salários mínimos a serem divididos entre os pais da vítima.

No STJ - As duas partes recorreram ao STJ. A defesa do réu alegou que a responsabilidade civil do pai pelos atos danosos do filho somente se configura se este for menor. A família da vítima afirmou que o TJMG deixou de analisar os pressupostos de fixação de indenização por danos materiais, consistentes na prestação de alimentos. Além disso, questionou o valor arbitrado a título de danos morais.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que o TJMG, a partir da análise da prova dos autos, reconheceu a culpa do condutor do veículo pelo acidente e o nexo causal entre a morte da vítima e o acidente ocasionado pelo filho do réu, ao se utilizar do veículo de sua propriedade, não cabendo, em recurso especial, o reexame dessas provas, diante do impedimento da Súmula 7.

Quanto à reparação por danos materiais, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, em se tratando de família de baixa renda, mesmo que tivesse ficado demonstrado que a vítima não exercia atividade remunerada, dependendo totalmente dos pais, como, de certa forma, deu a entender a decisão do TJMG, ainda assim é o caso de reconhecer o potencial da vítima em colaborar com a renda familiar e com o sustento de seus pais no futuro, quando esses não tivessem mais condições de se manter por si próprios.

Além disso, em relação ao filho da vítima, independentemente da prova de sua efetiva colaboração com o sustento da criança, não há como não reconhecer o prejuízo material que ela sofreu e vem sofrendo em decorrência da morte da mãe. Isso porque é patente a dependência econômica do descendente em relação ao ascendente e o dever deste de prover a subsistência daquele.

A ministra fixou o valor total da reparação pelos danos materiais nos seguintes critérios: aos pais, será correspondente a um terço da remuneração da vítima, desde a data do acidente, até a idade em que ela completaria 25 anos e, a partir de então, tal valor será reduzido pela metade até a idade em que ela completaria 65 anos de idade. Ao seu filho, será correspondente a dois terços da remuneração da vítima, desde a data do acidente, até que ele complete a idade de 25 anos.

Quanto ao valor do dano moral, a relatora aumentou para 300 salários mínimos, devidos a cada um dos autores, individualmente considerados.

Fonte:STJ

SENSO DE JUSTIÇA

Uma das grandes conquistas da Humanidade foi a laicização do Direito que, liberto dos grilhões religiosos, pode florescer como uma construção humana. Portanto, o presente artigo, ao defender a existência de um Direito laico e, ao mesmo tempo, tecer algumas relações entre Direito e Espiritismo, não se pretende doutrinário, e sim crítico e aberto. Também não tem intenção de proselitismo.
O principal ponto em comum entre o Direito e o Espiritismo é o senso de Justiça, que, enquanto para alguns, é produto cultural, para outros, é inato ao ser humano. Não vamos adentrar ao mérito dessa questão, mesmo porque, não há provas de uma ou de outra coisa, e sim meras especulações filosóficas.
Para o Espiritismo, a ideia de Justiça é mais ampla do que para o Direito, pois abrange a possibilidade de sucessivas encarnações para a sua concretização. Já o Direito, por seu turno, viabiliza a Justiça atendo-se à existência de apenas uma vida, que é a vida presente. Ora, essa questão remonta às provas científicas na encarnação, que não são aceitas unanimemente.
O maior expoente da ciência no estudo científico das reencarnações é Ian Stevenson, da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, que conseguiu comprovar centenas de casos de reencarnação em diversos países ocidentais e orientais. Todavia, outras centenas de casos estudados ficaram sem comprovação. Assim, a reencarnação, sob o ponto de vista científico, continua sendo uma possibilidade aceita por alguns e refutada por outros, permanecendo mais como uma questão de fé do que de ciência. Cumpre observar, todavia, que não apenas o Espiritismo é reencarnacionista, mas também uma variada gama de outras religiões, principalmente orientais.
Pois bem. Tomemos como possível a existência de sucessivas reencarnações da alma, a fim de que possamos analisar a ideia espírita de Justiça. Allan Kardec, em “O Livro dos Espíritos”, questão 8751, pergunta aos espíritos como se deve definir a Justiça, ao que respondem: “A Justiça consiste no respeito aos direitos de cada um”. Ora, essa definição não está inconforme com o Direito posto, ao longo dos séculos da história da Humanidade. Continuando, pergunta Kardec o que determina esses direitos e os espíritos respondem que “são determinados por duas coisas: a lei humana e a lei natural. Como os homens fizeram leis apropriadas aos seus costumes e ao seu caráter, essas leis podem variar com o progresso (...). O direito dos homens, portanto, nem sempre é conforme a Justiça. Só regula algumas relações sociais, enquanto na vida privada há uma infinidade de atos que são de competência exclusiva do tribunal da consciência”.2 Para Allan Kardec, a verdadeira lei de Justiça está associada ao amor e à caridade, razão porque acrescenta que “o critério da verdadeira Justiça é de fato o de se querer para os outros aquilo que se quer para si mesmo, e não de querer pra si o que se deseja para os outros, o que não é a mesma coisa”3.
Algumas interpretações mais conservadoras da Doutrina Espírita entendem que se deve suportar as dores do mundo como obra da Justiça, decorrentes de atos faltosos da vida pregressa. Isso levava a um tipo de resignação descabida em nossos dias, quando a evolução da Humanidade nos ensina a lutar pelos nossos direitos. Assim, as correntes mais recentes da hermenêutica espírita põem a ênfase sobre o livre-arbítrio do homem, para reivindicar o que lhe for de direito e assim ir tecendo a sua história, com liberdade de decisão. O mesmo se aplica aos operadores do Direito, que não devem se resignar diante das injustiças, mas sim trabalhar para construir o que for justo, em conformidade com a época e com o lugar.
Todavia, dentro do conceito de Justiça, a Doutrina Espírita admite a existência de provação e expiação. Francisco Cândido Xavier, na obra “O Consolador”, pelo espírito Emmanuel, diz que “a provação é a luta que ensina ao discípulo rebelde e preguiçoso a estrada do trabalho e da edificação espiritual. A expiação é a pena imposta ao malfeitor que comete um crime”4. Perguntado sobre a inflexibilidade da lei de prova e expiação, o espírito Emmanuel responde que “a inflexibilidade e a dureza não existem para a misericórdia divina, que, conforme a conduta do espírito encarnado, pode dispensar na lei, em benefício do homem, quando a sua existência já demonstre certas expressões de amor(...)”5. Assim, vemos que a ideia de Justiça espírita abrange leis mais amplas do que as dos homens e a extrapola, incluindo a possibilidade de reencarnação, para a consecução dessa mesma ideia de Justiça.
A relação entre Direito e Espiritismo, no Brasil, é patente. Uma rápida busca desses vocábulos na internet nos trará milhões de resultados. Com efeito, o Espiritismo desenvolveu-se no Brasil mais do que em qualquer outro país do mundo, mormente entre os anos 30 e 50 do século passado.
Várias vezes os tribunais brasileiros aceitaram o Espiritismo6 em questões inclusive controversas, como, por exemplo, a admissão de psicografias como meio de prova em Juízo. Sobre esse assunto, assevera Alaíde Barbosa dos Santos Filha, no volume 1 da revista eletrônica ‘Fonte do Direito”7, que as psicografias podem ser aceitas como meio de prova judicial, desde que se faça um exame grafotécnico das mesmas, para comprovar se a caligrafia do suposto espírito manifestante coincide com a da referida pessoa, em vida. Porém, muitas vezes nas psicografias a caligrafia é mesmo a do médium, e não do suposto espírito desencarnado. Por essa razão, quer nos parecer que as psicografias não constituem um meio de prova admissível judicialmente, inclusive porque não se pode provar cientificamente a existência de espíritos, tampouco a sua manifestação entre nós. Essa é uma questão de fé, para a qual a ciência não apresenta respostas ou comprovação. Contudo, não obstante as controvérsias, podemos concluir que há elementos teóricos suficientes para a formulação de uma Teoria Espírita da Justiça, assim como também há, em outras religiões, elementos dos quais se pode haurir teorias que versem sobre a Justiça e sobre o Direito.

1 KARDEC, A . O livro dos espíritos. (Trad. de Herculano Pires), 42a ed., São Paulo: LAKE, 1982, p. 351.
2 Idem, ibidem.
3 Idem, ibidem, p. 352.
4 XAVIER, F. C. O consolador. (Ditado pelo espírito Emmanuel). 10A. ed., Brasília: FEB, 1984, p. 147.
5 Idem, ibidem, p. 148.
6 GIUMBELLI, E. O cuidado dos mortos – Uma história da condenação e legitimação do Espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
7 SANTOS FILHA, A. B. A psicografia como meio de prova. Disponível em: http://www.fontedodireito.com.br/rfd/FD01-marabr2010.pdf. Acesso em 23.05.2010.

Maria Francisca Carneiro
Pós-doutora em Filosofia, Doutora em Direito. mfrancis@netpar.com.br