quinta-feira, 17 de outubro de 2013

STF reconhece prazo de dez anos para revisão de benefícios do INSS anteriores a MP de 1997

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (16) que o prazo de dez anos para a revisão de benefícios previdenciários é aplicável aos benefícios concedidos antes da Medida Provisória (MP) 1.523-9/1997, que o instituiu. Por unanimidade, o Plenário deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 626489, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), para reformar acórdão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Estado de Sergipe que entendeu inaplicável o prazo decadencial para benefícios anteriores à vigência da MP. A decisão estabeleceu também que, no caso, o prazo de dez anos para pedidos de revisão passa a contar a partir da vigência da MP, e não da data da concessão do benefício.
A matéria discutida no RE 626489 teve repercussão geral reconhecida, e a decisão tomada pelo STF servirá como parâmetro para os processos semelhantes em todo o país, que estavam com a tramitação suspensa (sobrestados) à espera da conclusão do julgamento.
O acórdão recorrido assentou como fundamento o entendimento “de que o prazo decadencial previsto artigo 103 (caput) da Lei de Benefícios, introduzido pela Medida Provisória 1.523-9/1997, convertida na Lei 9.528/1997, por se tratar de instituto de direito material, surte efeitos apenas sobre as relações jurídicas constituídas a partir de sua entrada em vigor”. Como, naquele caso, o benefício previdenciário foi concedido à segurada antes da vigência da Medida Provisória 1.523-9/1997, a conclusão foi a de que estaria “imune à incidência do prazo decadencial”.
O INSS argumentava que, ao vedar a incidência do prazo instituído pela lei nova aos benefícios concedidos antes de sua publicação, o acórdão violava frontalmente a garantia do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que trata do direito adquirido. Dessa forma, pedia que fosse restabelecida a sentença de primeiro grau que reconhecia a decadência. A segurada, por sua vez, alegava que, como o benefício foi concedido antes da vigência da lei, havia direito adquirido de ingressar com o pedido de revisão de seu benefício a qualquer tempo.
O relator do processo, ministro Luiz Roberto Barroso, destacou que o direito a benefício previdenciário deve ser considerado como uma das garantias fundamentais previstas na Constituição Federal, pois “se assenta nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade e nos valores sociais do trabalho”. Segundo ele, a competência para estabelecer as regras infraconstitucionais que regem este direito fundamental é do Congresso, e apenas se a legislação desrespeitar o núcleo essencial desse direito é que haverá invalidade da norma. “O fato de que, ao tempo da concessão, não havia limite temporal para futuro pedido de revisão não quer dizer que o segurado tenha direito adquirido a que tal prazo nunca venha a ser estabelecido.”
O ministro explicou que, em relação ao requerimento inicial de benefício previdenciário, que constitui o direito fundamental do cidadão, a legislação não introduziu nenhum prazo. E frisou que a concessão do benefício não prescreve ou decai, podendo ser postulada a qualquer tempo.
Segundo o voto do relator, o prazo decadencial introduzido pela Lei 9.528/1997 atinge somente a pretensão de rever o benefício, ou seja, de discutir a graduação econômica do benefício já concedido. “A instituição de um limite temporal máximo destina-se a resguardar a segurança jurídica, facilitando a previsão do custo global das prestações sociais”, afirmou. Em rigor, esta é uma exigência relacionada à manutenção do equilíbrio atuarial do sistema previdenciário, propósito que tem motivado sucessivas emendas constitucionais e medidas legislativas. Em última análise, é desse equilíbrio que depende a própria continuidade da previdência, para esta geração e outras que virão”, sustentou.
De acordo com o ministro, não há inconstitucionalidade na criação de prazo decadencial razoável para a revisão dos benefícios já reconhecidos. Ele lembrou que a lei passou a prever o mesmo prazo para eventuais pretensões revisionais da administração pública que, depois de dez anos, também fica impedida de anular atos administrativos que gerem efeitos favoráveis para seus beneficiários. “Considero que o prazo de dez anos é inequivocamente razoável. É tempo mais do que suficiente para a resolução de eventuais controvérsias interpretativas e para que o segurado busque as informações relevantes” afirmou em seu voto. Fonte: STF, 16 de out. de 2013.

Crime de tráfico pode absorver o de posse de equipamentos para produção de droga

Dependendo do contexto em que o tráfico de drogas é praticado, o crime previsto no artigo 34 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) pode ser absorvido pelo do artigo 33. A decisão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para os ministros, “a prática de mais de uma conduta no mesmo contexto não configura concurso de crimes, por se cuidar de ato preparatório ou sequencial do dolo principal do agente”.
O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso especial que discutiu o tema, apontou que os dois dispositivos são muito parecidos, inclusive com a repetição de diversos verbos. O artigo 33, com pena mais dura, fala em “produzir, fabricar, adquirir, vender, guardar ou fornecer drogas”. Já o artigo 34 cita “fabricar, adquirir, vender, guardar, fornecer maquinário, aparelho ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação ou transformação de drogas”.
Ao analisar se é possível a condenação simultânea pelos dois tipos penais, Bellizze afirmou que a solução não está na existência de verbos idênticos. Ele aponta que o artigo 33 está relacionado com a droga, enquanto o 34 refere-se a objetos destinados à produção de entorpecentes.
Natureza subsidiária
No voto, o relator destacou que a doutrina esclarece a natureza subsidiária do tipo descrito no artigo 34, razão pela qual deve ser absorvido pelo crime de tráfico, ressalvadas situações excepcionais.
O ministro concluiu que a prática do artigo 33 da Lei de Drogas absorve o delito do artigo 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta.
No caso julgado, dois autores do recurso foram condenados por ter em depósito e preparar para venda maconha e crack, com clara prática do crime previsto no artigo 33. A denúncia imputou a eles também o crime do artigo 34, devido à apreensão de uma balança de precisão, serra circular portátil e instrumentos destinados ao preparo da droga.
Seguindo o voto do relator, a Turma afastou a condenação pelo artigo 34 por verificar que a droga e os instrumentos foram apreendidos no mesmo local e no mesmo contexto. Assim, não foi constatada autonomia fática necessária para que ocorresse a condenação simultânea com base nos dois artigos.
Autônomos
O ministro Marco Aurélio Bellizze destacou que há decisões do STJ que consideram as práticas descritas nos artigos 33 e 34 como delitos autônomos. A Súmula 7 da Corte, que impede o reexame de provas, tem sido aplicada em casos idênticos, de forma que os ministros não analisam a desconfiguração de uma das condutas.
Contudo, a Turma considerou nesse julgamento que o exame da subsidiariedade do delito do artigo 34 não exigia a análise de provas, uma vez que as informações do próprio processo eram capazes de esclarecer a situação.
Fonte: STJ, 17 out. 2013.
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Veja também:
Tráfico de drogas e as recentes decisões dos Tribunais Superiores | Júlio Medeiros
TRF1: Quantidade de droga é determinan​te na prisão por tráfico internacio​nal | Daniel Marques de Camargo
Tráfico de drogas e liberdade provisória no TJSP após a lei 12.403/2011

STF julgará alcance da inelegibilidade de viúva de prefeito

O STF irá julgar RExt, com repercussão geral reconhecida, em que se discute se a inelegibilidade prevista no art. 14, parágrafo 7º, da CF, alcança os casos em que adissolução do casamento se dá não por vontade própria, mas pela morte de um dos cônjuge. Chegou ao Supremo o caso de mulher que ficou viúva durante o mandato do marido, prefeito de Pombal/PB, em 2007, e, nas eleições seguintes, foi eleita e reeleita para o cargo, mas teve registro negado pelo TRE estadual.
O art. 14, parágrafo 7º da CF prevê que “São inelegíveis, no território de jurisdição dotitular, o cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”
Caso
A mulher ficou viúva, em 2007, durante o mandato do marido, chefe do Executivo do munícipio. No ano seguinte, foi eleita prefeita e em 2012 se reelegeu ao cargo, mas teve registro negado em 1ª instância e pelo TRE/PB, sob entendimento de um suposto terceiro mandato do mesmo grupo familiar local, o que seria incompatível com a súmula vinculante 18, cujo texto afirma que a "dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal".
A prefeita recorreu ao TSE e conseguiu ser eleita e diplomada, mas ao julgar agravo regimental contra a decisão do relator, o plenário do TSE reconheceu a inelegibilidade e decidiu afastar a prefeita do cargo.
Repercussão
No RExt, a prefeita alega que o caso discute o alcance da súmula 18, cuja edição teria por pressuposto “conhecidos processos fraudulentos de divórcio para fins eleitoreiros”, o que não se daria no caso, em que a dissolução conjugal decorreu da morte do cônjuge.
Ao reconhecer a existência de repercussão geral, o ministro Teori Zavascki, relator do caso, foi seguido por maioria, em deliberação no plenário virtual. Zavascki frisou que a matéria transcende os limites subjetivos da causa. Para o ministro, o recurso trata de tema envolvendo exame de restrição constitucional a direito de cidadania e do alcance normativo de uma súmula vinculante, a cujo respeito há demonstrada divergência de entendimento entre o que decidiu o TSE e manifestações assentadas por diversos ministros do STF.
O ministro ainda lembrou que a repercussão geral da controvérsia “fica particularmente acentuada em razão da função institucional das súmulas vinculantes, cuja adequada observância por todos os órgãos do Poder Judiciário, bem como pela Administração Pública direta e indireta de todos os entes federados, recomenda manifestação explicita do STF a respeito de qualquer controvérsia interpretativa que sobre elas venha a se verificar, como é o caso”.
Fonte: STF

Crime organizado: nova lei 12.850/13 e o problema da conduta dos agentes infiltrados no cometimento de infrações penais

O artigo 13 da lei do crime organizado afirma que se o agente infiltrado não atuar com proporcionalidade em relação à finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados. No decorrer da legislação se percebe que toda a atuação do agente é permitida, inclusive seu envolvimento em atos criminosos, de acordo com o reconhecimento da excludente de culpabilidade de "inexigilibilidade de conduta diversa". Ora, como em toda excludente, podem ocorrer excessos, os quais são puníveis. O grande problema, não somente da legislação brasileira como da internacional ao regular a infiltração é a falta de clareza sobre os limites de atuação dos agentes, o que torna sua atividade não somente arriscada sob o ponto de vista dos criminosos, mas também sob o aspecto administrativo e de responsabilidade criminal pessoal. A tensão a que estará submetido um agente desses é sobre – humana e esta é uma das razões pelas quais esse instituto parece bastante inconveniente.
Pode parecer que a falta de uma determinação legal exata dos limites da atuação seja uma tibieza da legislação pátria e de outros países, mas, em verdade, se entende que isso integra de forma inextrincável a própria natureza da infiltração, sendo impossível ao legislador manifestar-se de forma exaustiva, prevendo todas as situações concretas. Exatamente por isso é um instituto indesejável. A única saída seria permitir ao agente infiltrado toda e qualquer atuação criminosa, inclusive o homicídio. Mas, que sociedade estaria disposta a tanto? Que legislador teria a ousadia para isso? E, principalmente, isso seria algo admissível num Estado de Direito sob o ângulo da moralidade administrativa e da legalidade? Até mesmo com relação a outras questões como a vedação da pena de morte (já que o agente teria uma "licença para matar" – o que já foi título de filme hollywoodiano estrelado por Denzel Washington)? Quem gostaria de ter um agente estatal com carta branca para roubar, matar, estuprar livremente? Mas, fora disso é impossível regular com precisão os limites da atuação do agente infiltrado. A verdade é que o meio de prova da infiltração pretende realizar o impossível e já dizia um velho brocardo latino que "Ad impossibilia Nemo tenetur" ("Ninguém é obrigado a fazer o impossível", nem mesmo o legislador).
Institutos como a infiltração violam o que Gomá denomina de "imperativo de exemplaridade" que gravita sobre os funcionários e a administração pública, especialmente a da Justiça. Administrando negócios alheios, ou seja, a denominada "coisa pública", incorrem em responsabilidade de ordem legal. Mas, essa "exemplaridade do funcionário público e da administração pública (da Justiça) também decorre de uma responsabilidade moral que está nas entrelinhas, de forma a submetê-los a comportamentos de honestidade e decoro. Nesse passo, aos agentes públicos cabe o "imperativo de exemplaridade" no sentido de serem modelos para o cidadão. Na dicção do autor:
"De uma y outra fuente se deduce que del funcionario se espera no solo que observe estrictamente la ley positiva sino también que practique valores como la imparcialidad, la independência, la esquidad, la lealtad, la anteposisición del interes general al próprio o la probidad en el servicio público".1
Ora, a indagação que não se pode calar é a seguinte: que espécie de "exemplaridade pública" se pode esperar de um instituto para o qual é necessário prever e regular exatamente a atuação mimética do policial em relação ao deliquente no cometimento das mesmas infrações penais que este último?
Retomando a temática do instituto que levaria à impunidade do agente infiltrado por eventuais crimes perpetrados durante a infiltração, é expresso o artigo 13, Parágrafo Único, ao afirmar que este estaria acobertado pela excludente de culpabilidade da "inexigibilidade de conduta diversa", o que ensejaria "falta de justa causa" para eventual ação penal. Trata-se de um caso de inexigibilidade de conduta diversa legal, pois que previsto expressamente na lei 12.850/13. Faz-se essa observação porque na doutrina se encontra a distinção entre a inexigibilidade de conduta diversa legal (prevista em lei) e inexigibilidade de conduta diversa supralegal (aplicável a certos casos concretos imprevistos).2
Importa ainda anotar que a própria opção legislativa pelo reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa como forma de evitar a punição do agente infiltrado por seus atos proporcionais também não segue o melhor caminho. É que esse instituto retrata uma excludente de culpabilidade, o que significa que o Estado está afirmando que o agente pratica fato típico e antijurídico (injusto penal), somente não culpável. Soa muito estranha essa opção, já que o policial atua por determinação estatal e de acordo com um instituto legalmente previsto. O reconhecimento das ações do agente infiltrado como mera inexigibilidade de conduta diversa significa mais um indicativo, na sua faceta teórica, de que o instituto é falido desde o seu nascedouro.
O mínimo que se pode entender é que a dicção legal é inadequada e deve ser objeto de uma releitura doutrinária. Na verdade as condutas aparentemente criminosas perpetradas pelo agente infiltrado, dentro de uma proporcionalidade e, portanto, permitidas e até mesmo incentivadas pela legislação respectiva, configuram aquilo que Zaffaroni e Batista denominam de "atipicidade conglobante", a afastar, desde logo a tipicidade da conduta e não a reconhecer mera excludente da culpabilidade.3 Do contrário, a paga social do agente infiltrado pelo arriscar da própria vida, seria sua insegurança perpétua e, para além disso, seu reconhecimento pelo Estado como um criminoso que somente não seria punível! Simbólica e moralmente isso é um reconhecimento mais do que claro de que o instituto é uma aberração.
A subsunção das condutas proporcionais perpetradas pelo infiltrado à figura da atipicidade conglobante é perfeita no aspecto do "cumprimento de um dever jurídico" enquanto "um fenômeno que ocorre quando um mandado recorta uma norma proibitiva, prevalecendo sobre ela".4Nesse caso:
"A antinormatividade não se revela apenas na simples oposição entre a norma deduzida do tipo legal e a conduta, postulando também a consideração conglobada da norma deduzida do tipo com outras normas dedutíveis de outros tipos legais".5
Indo mais a fundo, pode-se afirmar que a catalogação de todo cumprimento de um dever jurídico como mera causa de justificação ou excludente de culpabilidade é uma explicação insuficiente, na medida em que não tem o poder de afastar a própria tipicidade da conduta. De acordo com os autores em destaque:
"Como consequência de considerar o cumprimento de um dever jurídico como causa de justificação a doutrina engendrou os casos da chamada colisão de deveres. Essa posição parte de uma insuficiente concepção da estrutura do tipo, que dela exclui a questão da antinormatividade, como se o tipo a consagrasse tácita ou eufemisticamente, ou como se ela pertencesse à antijuridicidade. Dentro do modelo que preconizamos, tomando o cumprimento do dever legal como causa de atipicidade, e, portanto, como um problema de normatividade e não de juridicidade, todas as colisões de deveres imagináveis são falsas ou aparentes. No campo da realidade, dois deveres podem concretamente antagonizar-se ao ponto de que nenhum deles estaria cumprido sem a violação do outro; mas no campo normativo um dever sempre limita a outro ou deve ser preterido a outro. Toca ao direito decidir qual é o dever que prevalece, resolvendo conflitos ou colisões – tal como as normas proibitivas – através da precedência ou prevalência. Geralmente aqueles conflitos são resolvidos em favor de um dever prevalente e a doutrina se inclina a considerar que configuram causas de justificação, embora no caso de bens equivalentes, particularmente se referidos à vida humana, tenda-se a excluir apenas a culpabilidade. Esta última explicação é insuficiente, porque não logra explicar como pode o direito consagrar como dever jurídico a prática de um injusto, já que qualquer das duas condutas configuraria um injusto".6
E prosseguem:
"A consideração do dever jurídico como causa de atipicidade, em decorrência de que sempre há uma norma proibitiva que prevalece e de que os preceitos permissivos ou de justificação não são aqui pertinentes, soluciona superiormente tais casos pela exclusão da tipicidade, por estarem diretamente excluídos da norma proibitiva".7
É visível, enfim, que somente essa solução permite que, ao menos no campo teórico, o instituto da infiltração não se configure como uma absoluta inviabilidade e incoerência interna do próprio sistema penal e processual penal, sem falar no mais relevante que é a constitucionalidade. Afinal, como pode ser admissível que, num Estado Democrático de Direito, se afirme que um agente estatal é autorizado a atuar praticando um "injusto penal", por mandado estatal e legal, não sendo punido apenas porque, embora seja um criminoso, age acobertado por uma mera excludente de culpabilidade? Então, num Estado Democrático de Direito seria admissível que um agente estatal, e por meio dele o próprio Estado, se convolasse num Leviatã do crime, mimetizando os criminosos, atuando exatamente como eles e sendo isso descaradamente declarado e admitido pela letra da lei e pela interpretação dada por seus cultores. A admissão das ações do agente infiltrado na forma de atipicidade conglobante não é livre de críticas sob o ponto de vista moral da atuação estatal, mas, ao menos juridicamente, é uma explicação mais plausível ou, talvez, um véu sutil para ocultar sua inviabilidade prática afora a poiética.8A reflexão final é a seguinte: será que precisamos escolher dos males o menor? Não seria melhor nem haver tocado nesse assunto da infiltração? Não estaria, na realidade, o mal se infiltrando (ou inundando) na própria sociedade por meio de institutos semelhantes? Ficam essas questões.
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1GOMÁ, Javier. Ejemplaridad Pública. Madrid: Taurus, 2009, p. 268 – 269.
2Sobre o tema específico: Cf. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Volume 1. 33ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 527 – 528.
3ZAFFARONI, Eugenio Raúl, BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Volume II. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 212.
4Op. Cit., p. 232.
5Op. Cit., p. 233.
6Op. Cit., p. 233 – 234.
7Op. Cit., p. 234.
8A palavra “prática” é empregada aqui no sentido Aristotélico de ação prática, como regra do agir político e ético, da “perfeição moral”. Não se refere ao uso corrente da palavra como “prática” em oposição a “teoria”. Aristóteles apresenta a chamada “teorética”, que consistiria na elaboração do pensamento, na busca “do saber pelo saber”, a “prática” que consistiria na formulação de regras do agir e, finalmente a “poiética” que seria a efetiva atuação humana, a produção de coisas. Portanto, é muito comum, quando se usa a palavra “prática” confundi-la com o que, na realidade seria a “poiética”, numa popularizada oposição entre “teoria” e “prática”. Cf. REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia – Filosofia pagã antiga. Volume 1. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003, p. 193.
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Eduardo Luiz Santos Cabette é delegado de polícia, mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia e Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação da Unisal.

Prisão preventiva é cassada devido à falta de suporte fático em denúncia

A 6ª câmara Criminal do TJ/RJ concedeu HC em favor de empresário que havia tido prisão preventiva decretada, acusado de participar de homicídio. A decisão declarou a inépcia da denúncia e a nulidade do processo, por não haver discrição de quem matou ou de como foi o crime foi executado. Determinou também que seja fornecida a qualificação completa das testemunhas, decisão que se estende aos demais denunciados.
"Como se pode pretender que alguém se defenda de uma gravíssima imputação dehomicídio qualificado, sem que se possibilite aos imputados conhecer o teor daquilo que é manejado em seu desfavor?", questionou o desembargador Luiz Noronha Dantas, relator ao decretar a inépcia da ação.
Para ele, a exordial apresentada não é válida, por ausência de suporte fático nas alegações expostas. Afirmou, então, que ao decretar a prisão preventiva utilizando como argumento a garantia da tranquilidade das testemunhas e a "lisura da instrução criminal", o juízo da 4ª vara Criminal de São Gonçalo/RJ pautou-se em exercícios de futurologia.
"Alguém deve sofrer restrições pelo que comprovadamente fez, e não pelo que pode fazer. A nossa realidade processual penal é bem diversa daquela retratada na ficção científica e filosófica retrata-da no filme ‘Minority report’", afirmou o magistrado.
O relator ressaltou que se a investigação não se encontrava madura o suficiente para a apuração dos fatos, era necessário realizar a complementação dos dados, independentemente do transcurso do prazo de vigência da prisão temporária. Votou, então, pela concessão do HC, impetrado pelos advogados Gustavo Alves Pinto Teixeira eRafael Cunha Kullmann, do escritório Silvio & Gustavo Teixeira Advogados Associados.
Por fim, Luiz Noronha Dantas afirmou que não é possível aceitar testemunhas secretas ou surpresa no processo. E ressalta ser inadmissível que testemunhas que constam da denúncia tenham seus nomes riscados dos autos. Para ele, o magistrado tem o dever de assegurar o equilíbrio entre as partes, "bem como a igualdade de oportunidades entre estas".

Confira a decisão.

Pena restritiva Condenados têm pena substituída por doação de sangue

Duas pessoas condenadas pela Justiça de MG por porte de arma e ausência de socorroem acidente de trânsito tiveram suas penas substituídas por doação de sague. A determinação é do juiz da 1ª vara Criminal de Poços de Caldas, Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, que entendeu que, além de terem sido condenados a penas inferiores a quatro anos de reclusão, preenchiam os demais requisitos para substituição da penalidade.
Em um dos casos, um homem de 53 anos foi abordado por policiais com um revolver de porte vencido. A defesa do acusado alegou que a arma não estava municiada no momento da abordagem, porém, segundo o magistrado, o mesmo possuía munição e isto não mudaria a aplicação da lei.
O segundo caso envolvia uma gari que, ao dirigir embriagada, provocou um acidente de trânsito envolvendo uma moto e fugiu sem prestar socorro, alegando medo de outros motociclistas que estavam próximos à vítima. Ao ser presa em flagrante, ela apresentou uma CNH falsa e, no teste de etilômetro, foi constatada a embriaguez, confessada posteriormente em juízo.
Os acusados foram sentenciados no final de setembro com penas entre 2 e 3 anos de reclusão, que o juiz substituiu por duas penas restrititivas de direito. A doação de sangue, estipulada como uma das penas restritivas, será aplicada caso os sentenciados estejam aptos e não tenham restrição médica. No caso de impossibilidade de doação, caberá ao juiz nova determinação de pena alternativa.

Fonte: TJ/MG


Grampo Nulidade de provas obtidas por escutas ilegais não invalida processo

A 6ª turma do STJ decidiu que a nulidade de algumas provas obtidas por escutas telefônicas ilegais não tem a capacidade de invalidar todo o processo judicial ou mesmo o restante do conjunto de provas, que se mantém preservado.
O entendimento foi dado no julgamento de HC impetrado em favor de réu acusado de estelionato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Segundo a acusação, a quadrilha teria praticado golpes contra empresários do município de Taquara/RS e também de outras localidades do país.
O MP/RS denunciou o acusado e outras 27 pessoas com base nas investigações da Operação Paranhana. Diversas interceptações telefônicas foram deferidas pelo juízo de primeira instância durante a investigação, com prazos superiores ao previsto na lei9.296/96, o que levou a defesa a entrar com o habeas corpus.
O TJ/RS entendeu que, em razão da gravidade e da complexidade dos fatos e do significativo número de agentes, "não existia outra medida menos interventiva no direito à intimidade do paciente do que a levada a efeito pelas autoridades, com o intuito de serem descobertos os crimes".
Restrição de direito
O TJ/RS reconheceu que as escutas telefônicas foram realizadas em desacordo com a regra legal, que estabelece prazo máximo de 15 dias, renovável por igual período e desde que demonstrado que esse tipo de prova é indispensável.
No entanto, considerou que a restrição ao direito fundamental do paciente – de não ter violada a sua intimidade e de não ter contra si prova produzida de forma ilícita – não configura ilicitude absoluta a ponto de contaminar toda a investigação.
O ministro Sebastião Reis Júnior, relator, afirmou que o caso envolve autorizações e prorrogações pelo dobro ou triplo do tempo previsto em lei, e até de forma automática. Entretanto, para ele, o cerne da questão não é esse.
"Posso até admitir que, diante das especificidades do caso, ocorra a autorização de quebra (ou prorrogação), desde o começo, por prazo superior a 15 dias, mas tal fato somente pode ocorrer se houver detalhada, minuciosa justificativa", disse o ministro.
Motivação expressa
Todavia, Sebastião Reis Júnior considerou que, no caso julgado, não houve nenhuma motivação "idônea" que autorizasse a excepcionalidade. "A prorrogação por prazo maior que aquele fixado em lei depende de situações próprias do processo em exame, que devem constar expressamente da decisão judicial que a autoriza", afirmou. O ministro ressaltou que não encontrou essa motivação expressa nos autos.
Mencionou também que o magistrado não pode autorizar antecipadamente que sejam prolongadas as diligências, "sem nem sequer tomar conhecimento do que foi apurado no tempo em que ocorreram as interceptações", já que as prorrogações da quebra de sigilo exigem justificada motivação, com específica indicação da necessidade de prosseguimento da escuta.
Perda do caráter jurisdicional
Sebastião Reis Júnior explicou que, sem motivação, "a decisão judicial perde até o caráter jurisdicional". O ministro citou a pacífica jurisprudência do STJ e do STF que não admite, no processo penal, a utilização de provas obtidas por meios ilícitos para embasar eventual condenação.
Para ele, após o reconhecimento da ilicitude da prova, "a única solução possível é a sua total desconsideração pelo juízo e o desentranhamento do processo". Contudo, tal fato "não representa a nulidade das provas anteriores e das seguintes que não derivaram das quebras que efetivamente duraram prazo superior a 15 dias e das prorrogações automáticas", ponderou.
Por isso, a turma declarou a ilicitude das provas produzidas por escutas autorizadas ou prorrogadas por prazo superior a 15 dias e determinou que o juízo de primeira instância examine as consequências da nulidade nas demais provas dos autos, para apurar a existência de algum vício por derivação.

Fonte: STJ

domingo, 29 de setembro de 2013

Passo a passo: como ir bem na 2ª Fase de Direito Civil da OAB

Veja abaixo as respostas da professora, que também é autora do livro Manual de Prática Civil, da editora Método.

Especial OAB – Nessa última semana, qual deve ser o foco do candidato que vai prestar a 2ª Fase de Direito Civil?
Com o uso majoritário do computador, temos deixado de escrever manualmente; por isso, o candidato precisa estar atento à qualidade da redação, cuidando para que não venha a ser prejudicado por ter letra ilegível; se ainda não é boa sua escrita, é imperioso treinar para melhorá-la.

Em relação à peça profissional, é importante atuar sobre os pontos onde tende a falhar para evitar reincidir nos erros. Com relação às petições, é interessante rever os roteiros básicos (“esqueletos”) das peças mais recorrentes a partir do CPC; eis exemplo referente a um recurso:
Apelação
I. Petição de interposição:
* encaminhamento ao primeiro grau;
* indicação das partes
* pedido de conhecimento do recurso
* informação do art. 518 par ú – não há sumula, óbice não se aplica!
* pedido de recebimento do recurso no efeito duplo (ou devolutivo)
* encaminhamento ao Tribunal competente
* requerimento da juntada da guia de preparo – CPC, art. 511.
(possíveis outros elementos: pedido de reconsideração – CPC, art. 296? Justificação de tempestividade- CPC, art. 191 CPC? Prioridade na tramitação – CPC, art. 1211-A ou 1.211-B?)
II. Petição das razões:
* Dados básicos do processo
* Breve resumo dos fatos;
* Fundamentos jurídicos.
** Há preliminar? Há agravo retido a ser reiterado?
** No mérito: verificar o erro do juiz!
* Pedido de nova decisão: anulação ou reforma?
Também é importante dar especial atenção ao pedido para evitar dificuldades em sua elaboração; nesse caso, é importante treinar, como no exemplo:
Apelação – Pedido
Por todo o exposto, requer o apelante seja o presente recurso conhecido, e ao final, provido, para o fim de * anular a decisão de primeiro grau, remetendo os autos à inferior instância; ou * reformar a decisão de primeiro grau, no sentido de (dizer o que pretende, segundo o caso apresentado: o enunciado pode dar uma dica relevante sobre isso).

Vale lembrar que tanto para elaborar a peça como para responder as questões é relevante saber lidar com o material que levará para a prova, estando familiarizado com buscas pelo índice geral e pelo índice remissivo de seu Código.
Especial OAB - Quais peças têm sido mais pedidas nas últimas provas?
As últimas provas demonstram que a banca examinadora tem preferido demandar dos candidatos a elaboração de petições iniciais; nesse caso não há maiores dificuldades técnicas sob o prisma processual porque a estrutura completa de dedução em juízo desta peça vem prevista no artigo 282 do CPC (caso se trate de procedimento especial a situação será ainda mais fácil porque o Código, em previsões especificas, traz detalhes adicionais a serem inseridos). Deve haver, porém, atenção também ao direito material para mostrar adequação na fundamentação.
São ainda recorrentes, na história do Exame, que a banca formule casos para que o candidato redija recursos de apelação e agravo de instrumento – nesses casos, também o CPC deve ser seguido nos dispositivos específicos sobre os temas. Recursos para os tribunais superiores não são tradicionalmente exigidos na área cível; caso apareçam, o aluno precisará atentar também para a Constituição Federal e o teor de algumas sumulas. Petições simples como as de cumprimento de sentença e réplica também foram perguntadas em passado mais remoto; a FGV não tem demonstrado aprecia-las , contudo, nos últimos tempos.
Especial OAB - Há pegadinhas nessa fase da prova? Com o que estudante deve tomar cuidado?
Em geral não costuma haver “pegadinhas” porque o examinador precisa dar muitos dados para permitir a identificação da peça.
Pode ocorrer, porém, de o candidato identificar mais de uma possibilidade de atuação e escolher o que habitualmente vê acontecer (por ex., ação de cobrança ao invés de ação monitoria). Não é o caso: a missão é atender ao que quer o examinador com a maior precisão possível (no caso, se o enunciado falou em medida mais célere, sinalizou querer ação monitoria). De todo modo, a FGV tem sido mais aberta, reconhecendo certa fungibilidade; não convém, porém, precisar dela.
Sugiro prestar bastante atenção ao enunciado, às palavras usadas pelo examinador com vistas a extrair o que ele pretende; uma boa técnica para tanto é responder a algumas perguntas:
1. Quem? Atente para a legitimidade; quem é seu cliente? Marido? Esposa? Ambos?
2. Contra quem? Quem é parte na relação jurídica ou no processo (se já em curso…)?
3. O Que Quer? Extraia da questão o pedido, a providência necessária segundo o caso narrado… Ou a conclusão, se for caso de contestação.
4. Por que? Identifique a causa de pedir – fatos e direito. Fundamentação Jurídica = transcrição de textos legais + elaboração de redação própria pelo candidato.
5. Como? Há remédio específico para este caso? Tratando-se de ação, qual seu procedimento? Há previsão especifica? O enunciado indica urgência sugerindo a necessidade de pleitear medida liminar?
6. Onde? Qual a competência, para onde dirigir a petição?
No que tange às questões, algumas vezes o aluno identifica o assunto, pesquisa na lei se contenta com o primeiro dispositivo legal que encontra, respondendo com base nele; contudo, se seguisse lendo encontraria adiante, alguns artigos à frente, uma previsão mais pertinente. Portanto, a dica é seguir lendo toda a seção da lei destinada à temática em busca do dispositivo mais adequado para fundamentar sua resposta.
Especial OAB - Como o candidato deve agir na hora da prova? Começar primeiro pela peça? Como dividir o tempo?
Embora pareça difícil, o aluno precisa estar o mais calmo possível para evitar que o nervosismo comprometa sua percepção. Respirar fundo algumas vezes pode ajudar a se tranquilizar – especialmente enquanto aguarda a prova chegar.
Com a prova em mãos é adequado, inicialmente, proceder a uma leitura geral para identificar o cenário. Advindo alguma ideia durante a leitura, vale a pena escrevê-la, sublinhar palavras-chave… Esteja atento aos primeiros alertas que seu cérebro enviar, anote-os.
Por onde começar? Entendo que o candidato deve iniciar pela parte da prova que lhe parece mais “confortável”. Assim, se ele identificar, dentre as questões, respostas que ele consegue identificar de pronto, deve focar nelas, confirmando as impressões e fundamentações na lei.
Começar pelas questões tem a vantagem de já assegurar pontos e deixar o candidato mais seguro para se dedicar à peça, que demanda maior detalhamento.
Caso decida começar pela peça por sentir ser melhor, o candidato precisa lembrar que as questões são valiosas e exigem também certo tempo (entre uma hora a duas horas, em média).
Atenção para o tempo: embora pareça ser longo, na hora da prova a sensação é que as 5 (cinco) horas “voam”! Evite fazer rascunhos que precisem ser passados a limpo – geralmente não dá tempo de finalizar a transcrição… se necessário trabalhe com breves roteiros dos pontos essenciais para então desenvolve-los em definitivo.