
Em primeiro lugar, o espírito que deixa o corpo entra imediatamente num  ciclo de perturbação, para se desligar do corpo que não lhe serve mais, o  que pode demorar poucas horas, meses ou até anos, variando de acordo  com seu adiantamento moral. Nessa passagem, o espírito prepara-se para  longo sono, do qual despertará sem noção de tempo e espaço, até se  adaptar à nova dimensão. Será como um mergulhador que retorna numa  cápsula do fundo do mar para a quarentena de adaptação a seu ambiente  natural.
Assim, num momento tão crucial, ter em sua volta pessoas  que, a título de dele se despedir, fazem do cemitério uma esquina a mais  do Café Central, discutindo política, negócios e futebol, quando não  coisas piores, obviamente lhe tornará mais penosa a travessia entre dois  mundos. Mais do que nunca, o espírito precisa de vibrações de harmonia,  que só se formam através da prece sincera e de ondas mentais positivas.
Ensina  O Livro dos Espíritos que a separação não se opera instantaneamente. A  alma se liberta gradualmente e não escapa como um pássaro cativo que, de  repente, ganhasse a liberdade. Esferas material e espiritual se tocam e  se confundem e o espírito se liberta, pouco a pouco, dos laços que o  prendem ao corpo. Os laços se desatam, não se quebram. É por isso que  desenlace é sinônimo de falecimento. Em vida, o espírito fica preso ao  corpo através do seu envoltório semi-material ou perispírito. A morte é a  destruição somente do corpo e não do perispírito.
A perturbação que  se segue à morte nada tem de dolorosa para o justo, aquele que esteve na  Terra sintonizado com o Céu, errando por ser humano, mas decidido na  prática sistemática do bem. Para os que viveram presos ao egoísmo,  escravos dos vícios e ambições mundanas, a morte é uma noite, cheia de  horrores, ansiedades e angústias. Nos casos de morte coletiva, todos os  que perecem ao mesmo tempo nem sempre se revêem. Na perturbação comum,  cada qual vai para seu lado ou se preocupa apenas com aqueles que lhe  interessam.
Os materialistas, que fazem da jornada terrena um fim em  si, que não cogitam objetivos superiores, escravos de paixões, ficam  retidos por muito tempo, até que a impregnação animalizada de que se  revestem seja reduzida a níveis compatíveis com o desligamento.
Certamente  os benfeitores espirituais podem fazer de imediato o desligamento, o  que não é aconselhável, porquanto o falecido teria dificuldades maiores  para se reajustar às realidades espirituais. O que aparentemente sugere  castigo para quem não viveu existência condizente com os princípios  cristãos, é na verdade misericórdia divina. Não obstante o  constrangimento e as sensações desagradáveis que venha a enfrentar, na  contemplação de seus despojos carnais em decomposição, tal circunstância  é menos traumatizante do que o desligamento precipitado.
O  burburinho das conversas vazias e dos comentários irresponsáveis, assim  como os desvarios dos inconformados e o desequilíbrio dos  descontrolados, repercutem negativamente na percepção de quem está indo  embora. Quem conhece os problemas que envolvem o viajor tem o  indeclinável dever de contribuir para que os velórios se transformem em  ambientes de compostura e serenidade. Richard Simonetti ensina-nos esse  caminho: – Sejamos comedidos. Cultivemos o silêncio, conversando, se  necessário, mas em voz baixa, de forma edificante. Falemos no morto com  discrição, evitando pressioná-lo com lembranças e emoções passíveis de  perturbá-lo, principalmente se forem trágicas as circunstâncias do seu  falecimento. E oremos muito em seu benefício. Se não conseguirmos manter  semelhante comportamento, melhor será que nos retiremos, evitando  engrossar o barulhento coro de vozes e vibrações desrespeitosas, que  tanto atrapalham o morto.
Como quem não ouve conselho ouve coitado,  fica aqui a receita da lógica e da razão, porque recebemos exatamente o  que oferecemos aos nossos semelhantes. Lembremo-nos de que, mais dia  menos dia, também nos encontraremos de pés juntos, deitados numa urna  mortuária e ainda atados às impressões da vida física. Desejaremos,  então, que nos respeitem a memória e não conturbem nosso desligamento,  amparando-nos nos valores inestimáveis do silêncio e da oração, da  tranqüilidade e da compreensão, a fim de atravessarmos com segurança,  conforto e rapidez, os umbrais da Vida Eterna. E pela lei de causa e  efeito, vigente em tudo no Universo, teremos em nós o que fizemos aos  outros.
Postado por Dilemar Neto. diário da manhã.