Apelação Cível n. 2009.043906-4, de Palhoça
Relator: Des. Monteiro Rocha
DIREITO CIVIL - 
OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - OFENSA À HONRA DA 
AUTORA - MALEDICÊNCIAS, POR PASTOR DE ASSEMBLEIA DE DEUS, EM FRENTE A 
CULTO - ACTIO DIRECIONADA CONTRA PASTOR - ILEGITIMIDADE DA ÚLTIMA 
RECONHECIDA EM SENTENÇA - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO CONTRA PASTOR - 
INCONFORMISMO DO RÉU - OFENSAS IRROGADAS EM LEGÍTIMA DEFESA DA IGREJA E 
DA FÉ QUE PROFESSA - ALEGAÇÃO AFASTADA - AUSÊNCIA DE PROVA DO DANO MORAL
 - AFASTAMENTO - QUANTIA INDENIZATÓRIA EXACERBADA - INOCORRÊNCIA - PROVA
 CONTRÁRIA À ALEGAÇÃO DO PASTOR - DANOS MORAIS PRESUMIDOS - AFETAÇÃO DA 
HONRA SUBJETIVA - REPERCUSSÃO NA INTIMIDADE DA VÍTIMA - DEVER DE 
INDENIZAR PATENTEADO - QUANTUM REPARATÓRIO ÍNFIMO – FALTA DE RECURSO 
VOLUNTÁRIO - RECURSO IMPROVIDO - CERTIDÃO DE URH'S EM FAVOR DA ADVOGADA 
DA AUTORA - REQUERENTE VENCEDORA - HONORÁRIOS ESTATAIS INDEVIDOS - 
SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE, EX OFFICIO.
Inocorre excludente de 
legitima defesa quando comprovado que as ofensas proferidas por Pastor 
evangélico contra autora iniciaram sem que esta tenha dirigido qualquer 
palavra contra o ofensor, sua igreja ou sua crença.
Ofensa irrogada por 
Pastor, em afronta aos princípios constitucionais da solidariedade, da 
igualdade e da fraternidade, contra pessoa que professa outra religião, 
caracteriza ato ilícito contrário à liberdade de crença religiosa da 
vítima, sendo presumido o seu constrangimento moral.
Nega-se a pretensão de 
reduzir o valor indenizatório fixado modicamente, pela ausência de 
razoabilidade e proporcionalidade, obstando-se ainda a majoração por 
falta de recurso voluntário da interessada.
Indefere-se a 
remuneração estatal pelo ofício de defensoria pública - instituída em 
Santa Catarina através da Lei Complementar n. 155/97 - ao advogado 
constituído nos autos por procuração, mormente quando o mandante é 
vencedor na causa e o réu possui condições para arcar com os honorários 
fixados na sentença.
Vistos, relatados e 
discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.043906-4, da comarca de
 Palhoça (1ª Vara Cível), em que é apelante A.S., sendo apelada Z.D.M.
A Quinta Câmara de 
Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso 
e, ex officio, indeferir a concessão de URH's em favor da advogada da 
autora. Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Henry Petry Junior e Jairo Fernandes Gonçalves.
Florianópolis, 22 de março de 2012.
Monteiro RochaPRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO
Na comarca de Palhoça, 
Z.D.M., devidamente qualificada, ajuizou ação indenizatória contra 
Igreja Assembleia de Deus e A.S., também qualificados na inicial, 
alegando que, no dia 2 de março de 2006, conversava com sua filha e o 
namorado desta, em frente à sua residência na rua Altino Martins, 2ª 
Travessa quando o Sr. A.S., dirigente da igreja requerida que funciona 
em frente à casa da demandante, saiu da entidade religiosa gritando que 
"a Sr.ª Z. é filha do Diabo e que tem que se tratar com Deus" (fl. 02).
Sustenta que fiéis 
participantes do culto e transeuntes, inclusive conhecidos da autora, 
presenciaram os fatos, trazendo grande desconforto moral à autora, que 
ficou diversos dias chorando em casa, proibida de sair da residência em 
razão da vergonha que sentiu pelas maledicências praticadas pelo 
requerido A.S.
Argumenta que, em 
Delegacia de Polícia onde foi registrado boletim de ocorrência sobre os 
fatos, o requerido confirmou as palavras que havia dito dias antes, 
persistindo na conduta ilícita de denegrir a imagem e a dignidade da 
autora, pelo que requereu a condenação dos réus - a Igreja Assembleia de
 Deus e A.S. na condição de seu pastor - ao pagamento de indenização por
 danos morais não inferior a dez mil reais, mais custas processuais e 
honorários advocatícios.
Despachando a inicial, o magistrado a quo deferiu assistência judiciária gratuita à autora e determinou a citação dos réus.
Regularmente citados, os
 réus, em peça única, ofereceram contestação arguindo, em preliminar, a 
ilegitimidade passiva ad causam da Igreja Assembleia de Deus ao 
argumento de que o requerido A.S. não é empregado, preposto ou 
responsável pela congregação; estava do lado de fora da Igreja por 
ocasião dos fatos; não proferia palestra alguma, sendo praticante do 
credo religioso e frequentador dos cultos, porém sem possuir qualquer 
atribuição de pastorado dentro da igreja ré. 
No mérito, alegam os 
réus a ausência de calúnia, difamação ou injúria na atitude do réu 
Almiton de Souza, que se limitou a repreender provocações da autora 
direcionadas aos freqüentadores da Igreja e que esta, em sua inicial, 
não comprovou a ocorrência de danos passíveis de indenização, pelo que 
requereram o reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam da igreja
 ré e a improcedência do pedido inicial.
Impugnação à 
contestatória às fls. 81/84. Em saneador (fl. 85), o magistrado 
postergou a apreciação da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam 
para ocasião oportuna, designando audiência de conciliação, instrução e 
julgamento para a oitiva da prova oral e dos depoimentos das partes.
Frustrada a tentativa conciliadora, ouviram-se testemunhas às fls. 93/98 e, posteriormente, às fls. 100/104.
Alegações finais pela 
autora às fls. 107/109 e, pelos réus, às fls.112/117; aquela postulando a
 procedência da ação e esses sua improcedência, com o acolhimento da 
preliminar suscitada em contestação.
Sentenciando (fls. 
118/132), o Magistrado a quo acolheu a preliminar de ilegitimidade 
passiva ad causam em relação à ré Igreja Assembleia de Deus, condenando a
 autora ao pagamento de 15% das custas processuais e honorários 
advocatícios que arbitrou em duzentos reais, suspendendo a cobrança da 
verba aludida em face dos benefícios da assistência judiciária gratuita 
deferida em favor da autora.
Outrossim, julgou 
procedente o pedido exordial em relação ao réu A.S., condenando-o ao 
pagamento de danos morais no valor de hum mil e quinhentos reais, 
corrigidos a partir do julgamento e com incidência de juros moratórios a
 partir do ilícito, mais 85% de custas processuais e honorários 
advocatícios que fixou em 20% sobre o valor condenatório.
Irresignado, apenas o 
réu A.S. interpôs Recurso de Apelação (fls. 125/132), requerendo a 
reforma da sentença para julgar improcedente o pedido exordial ou 
reduzir o valor indenizatório fixado.
Contrarrazões às fls. 138/140.
É o relatório.
VOTO
1 Admissibilidade do recurso
A certidão de fl. 125 
revela a tempestividade do recurso e a procuração de fl. 39 a 
regularidade na representação processual do apelante, que por ter sido 
condenado pela sentença monocrática, possui os pressupostos subjetivos 
para recorrer.
2 Dever de indenizar 
O art. 186 do Código 
Civil descreve o ato ilícito como "aquele que, por ação ou omissão 
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a 
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
O dever de indenizar em 
relações não contratuais, aplicável à responsabilidade civil decorrente 
de ofensas verbas, decorre do disposto no art. 927 do Código Civil, 
segundo o qual "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar 
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
Tratando sobre os 
pressupostos da responsabilidade civil, o desembargador e doutrinador 
paulista Carlos Roberto Gonçalves pontua os quatro elementos essenciais 
da responsabilidade civil extracontratual: "ação ou omissão, culpa ou 
dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela 
vítima" (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª ed. São 
Paulo: Saraiva, 2003, p. 31).
Ato lesivo é toda ação 
ou omissão voluntária que viola direito ou causa prejuízo a outrem. 
Culpa, a seu turno, que em sentido amplo envolve o dolo, é a vulneração a
 um dever jurídico que possibilita a imputação do ilícito a alguém, em 
virtude da reprovação social daí decorrente. Dano é toda lesão a bens ou
 interesses juridicamente tutelados, sejam de ordem patrimonial, sejam 
de ordem puramente moral (AGOSTINHO ALVIM, Da Inexecução das Obrigações e
 suas Conseqüências, Saraiva, 1972, p. 172). Nexo causal é um liame 
jurídico que se estabelece entre causa (fato lesivo) e conseqüência 
(dano), de uma tal maneira que se torne possível dizer que o dano 
decorreu daquela causa.
2.1 Tese sustentada pelo
 requerido - legítima defesa Sustenta o apelante que a autora não 
demonstrou nos autos o sofrimento moral capaz de gerar a indenização e, 
alegando que não constitui ilícito os atos praticados em legítima 
defesa, conforme assegura o disposto no art. 160, I, do Código Civil de 
1916, assim justificou sua confessada atitude: "se a autora era contumaz
 em ficar rindo e debochando dos membros da igreja, esta foi justamente 
repelida por um membro zeloso que entendeu que aquela situação não 
poderia permanecer como estava entendendo que a exortação seria a melhor
 maneira de estancar a blasfêmia.
"E não foi justamente 
esta ação que JESUS fez quando expulsou os vendilhões do templo enquanto
 estes vilipendiavam um lugar que este acreditava que era santo-
"Então se o nosso senhor
 JESUS, filho de Deus que por seu zelo a sua igreja realizou esta 
atitude em que esperar de um simples pintor de paredes, mas que também 
zeloso pela casa de seu Pai-
"Assim, o apelante Réu não alegou qualquer fato ofensivo à reputação da Autora, mas apenas defendeu seu credo.
"Ora, as incursões sobre
 a alegação que o requerido A. a chamou de 'filha do diabo e que iria 
tratar com Deus' nada mais foi do que um desabafo as provocações que a 
autora já vinha fazendo contra a pessoa do Suplicado" (fl. 128 - razões 
recursais).
Registra-se, 
inicialmente, que em se tratando de ilícito praticado após a vigência do
 Código Civil de 2002, a excludente de ilicitude arguida - legítima 
defesa - está disciplinada no art. 188, I, com a ressalva do parágrafo 
único do mesmo dispositivo.
Tratando sobre o conceito de legítima defesa e sua natureza jurídica, a doutrina ensina o seguinte:
"Conceito. É a repulsa, 
proporcional à ofensa, no intuito de evitar que direito próprio ou de 
outrem seja violado. O sistema autoriza a defesa da pessoa, de terceiro e
 também dos bens de ambos, para evitar que ataque injusto cause dano à 
pessoa e/ou bens. (...).
"Natureza jurídica. É 
causa de exclusão da antijuridicidade do ato de defesa, tanto no direito
 civil como no penal" (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de 
Andrade. Código Civil Comentado. 6ª ed. São Paulo, Revista dos 
Tribunais, 2008, p. 371, notas 3 e 4 ao art. 188, I).
Juridicamente, o 
apelante confessa a narrativa que deu origem ao pedido inicial, mas 
qualifica-a como atitude lícita porque praticada em legítima defesa de 
sua religião ou em resposta aos deboches praticados pela autora apelada.
Nem a tese de legítima defesa, nem os deboches mencionados foram provados no processo.
A prova testemunhal 
consistiu em três testemunhas compromissadas e duas descompromissadas 
por possuírem laços com a igreja requerida. Todas as testemunhas - 
compromissadas ou não - confirmam que no dia dos fatos narrados na 
inicial, o réu dirigiu-se à autora, repreendendo-a nos temos da inicial.
As testemunhas 
descompromissadas afirmam que a autora debochava dos freqüentadores da 
igreja ré, mas não especificam as datas em que tais deboches ocorreram 
ou em que consistiram. As testemunhas compromissadas, por sua vez, 
afastam essa versão, dizendo que a autora não realizava qualquer ataque 
ao requerido ou à igreja ré.
De qualquer sorte, em um
 dos depoimentos das testemunhas descompromissadas tem-se elemento 
suficiente para afastar a tese de legítima defesa porque O.S.A.afirmou 
que, no dia dos fatos, o requerido dirigiu-se à autora sem que esta 
tenha dito alguma coisa ao requerido.
Neste sentido:
O.S.A., arrolada pela 
Igreja - fl. 101: "(...) o requerido A. saiu do interior da Igreja e 
repreendeu a autora porque esta estava invadindo nossa privacidade (...)
 indagada se a autora disse algo para o requerido respondeu 'que eu 
tenha visto não".
Verifica-se, portanto, 
que as testemunhas que não depuseram mediante compromisso legal, não 
imputam à autora qualquer prática no dia dos fatos que justificasse a 
atitude do réu A.S., além de confirmarem a atitude do réu em dirigir 
palavras - ofensivas ou não - à autora.
Ausente prova de que a 
autora apelante estava violando (ou prestes a violar) direito do réu, de
 sua crença ou de sua Igreja, não há que se falar em repulsa proporcional para evitar a violação de direito.
Assim, a tese de legítima defesa própria e de terceiro está afastada.
2.2 Dano
Quanto à alegação de 
inocorrência de dano à vítima e objetivando aferir se a conduta do réu 
A.S. ofendeu a honra da autora, observa-se a prova testemunhal 
compromissada:
J.E.C.S.- fls. 94/95: "o
 requerido A. circula[va] ao redor da autora Z., tendo proferida[o] em 
diversas oportunidades a expressão 'sua filha do diabo', bem como 'você 
vai se ver com Deus' (...) que além da autora e réu, também visualizou 
encontra[r]-se na rua a filha daquela e o namorado da mesma; que havia 
outras pessoas no interior da igreja porque era dia de culto (...) que, 
ao [ser] indagada qual fora a postura da demandante quando o réu lhe 
dirigiu as palavras, dizendo que nada fizera e que a autora 'só chora'; 
que cinco vizinhos procuraram-na questionando se tinha ouvido a 
gritaria, aduzindo ter escutado; que tais vizinhos moram próximos a sua 
residência (...); que entre 15 dias 1 mês após o fato, acredita que o 
réu A. não mais estivesse realizando cultos naquela igreja (...); que 
disseram-lhe que o requerido era pastor e dirigente da igreja, embora 
nunca tenha conversado com o mesmo sobre isso; (...) indagada se a 
autora fez alguma crítica à igreja, respondeu que em determinada 
oportunidade perguntou-lhe 'como é que tu agüenta um barulho desses', 
tendo a autora lhe respondido 'eu até gosto de ouvir os hinos, porque é a
 palavra de Deus'; que desconhece qualquer ato que pudesse ter sido 
realizado pela autora em desabono à igreja, sendo esta razão pela qual 
não entende porque motivo ocorreu o incidente (...)".
E.D.S. - fl. 96: 
"vislumbrou o demandado proferir, aos gritos, palavras ofensivas à 
requerente dizendo que a mesma era 'filha do diabo' e que a mesma 'vai 
se entender com Deus'; vislumbrou que a autora ficou muito nervosa após o
 ocorrido, tendo as pessoas de ministrar 'água com açucar' objetivando 
acalmá-la".
M.F.R.V. - fls. 97/98: 
"ouviu serem proferidos diversos impropérios, dentre os quais salienta 
'demônio', 'filha do demônio' e afirmando 'você vai ter um encontro com 
Deus'; que no dia seguinte sua vizinha Eli informou-lhe que a discussão 
envolvia a autora e o 'pastor da igreja', aduzindo que o mesmo sempre 
fazia culto ali; (...) indagada sobre quais foram as reações da autora 
quando lhe contou sobre os fatos, respondeu que a mesma se encontrava 
'muito nervosa' (...) que durante a discussão só ouvia 'uma pessoa 
gritar' (...) que nunca ouviu nenhuma crítica que a autora pudesse ter 
feito à igreja; que ouvia exclusivamente a voz do requerido A. 
realizando culto".
A versão apresentada na 
inicial - além de confessada pelo requerido A.S. - foi comprovada no 
processo por referidas testemunhas, as quais, inclusive, confirmam a 
inocorrência da legítima defesa. 
Aliás, a prova 
testemunhal demonstra que o réu A.S. atuava, por ocasião dos fatos, como
 Pastor do culto que se realizava no templo da Igreja ré.1
1 - Neste contexto, 
equivocado o entendimento da sentença monocrática segundo o qual "o réu 
A.S., apesar de frequentar e exercer algumas atividades na Igreja ré, 
não possui nenhum vínculo empregatício ou exerce qualquer função de 
direção ou comando. Desta forma, observo que no dia dos fatos o réu A. 
agiu em nome próprio e não em nome da Igreja Assembleia de Deus, posto 
que saiu das dependências destas e dirigiu-se à autora proferindo 
algumas palavras" (fl. 119). De qualquer sorte, mantém-se a sentença de 
extinção do feito em relação à ré Igreja Assembleia de Deus, até porque 
não houve recurso contra a mencionada extinção.
A ofensa à honra da 
autora está demonstrada porque A.S. dirigiu-lhe palavras atentatórias à 
sua dignidade e, principalmente, à sua crença religiosa, que difere da 
crença religiosa do réu, conforme narrativa testemunhal (a autora seria 
participante da Igreja Deus É Amor).
O comportamento do réu 
A.S. foi antijurídico porque ofende a liberdade de crença religiosa, 
garantida pela Constituição Federal inclusive àqueles que crença alguma 
desejam ter:
"Todos são iguais 
perante a lide, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do 
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, 
nos termos seguintes:
"VI - é inviolável a 
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício
 dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos 
locais de culto e suas liturgias".
A República Federativa 
do Brasil - laica para muitos; ecumênica para alguns - foi constituída 
sob a proteção de Deus, conforme consta no preâmbulo da carta magna que,
 para autores como Georges Vedel, tem caráter cogente e índole 
obrigatória.
Apesar disso, a conduta 
do réu não deve ser apreciada sob os preceitos da religião que pratica 
ou daquela praticada pela autora. 
A conduta do réu deve 
ser examinada de acordo com as normas elaboradas pelo homem com o 
intuito de organizar e proteger a vida em sociedade; sociedade esta, a 
propósito, que assegura a liberdade de consciência e de crença de seus 
concidadãos numa sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. 
A prova demonstrou que a
 autora respeitava a liberdade da Igreja ré e do apelante, inclusive 
apreciando os hinos dos cultos da primeira ré por serem a Palavra de 
Deus (segundo afirmado pela testemunha compromissada Josefina Eli, às 
fls. 94/95); o réu apelante, ao contrário, não agiu da mesma forma, 
injuriando a autora, também religiosa, ao qualificá-la como 'filha do 
diabo' e afirmar que a mesma deveria ' tratar-se com deus'.
O requerido, ao 
qualificar a requerente como 'filha do diabo', revelou, na condição de 
ser humano e mais especialmente na situação de pastor, ser 
fundamentalista, ou seja, que ele vive num mundo bipolarizado, 
maniqueísta e que tudo gira exclusivamente em princípios absolutos que 
se excluem entre o bem e o mal e deus e o diabo.
O julgamento realizado 
pelo réu apelante acerca da postura e crença religiosa da autora, sob o 
prisma religioso, não deve ser examinado neste processo. 
Entretanto, do ponto de vista legal, a atitude consistiu em afronta à dignidade pessoal da autora Z. e de sua crença religiosa. 
O Estado brasileiro 
admite todas as crenças religiosas e proíbe manifestações contrárias a 
essa liberdade. Neste sentido, o legislador infraconstitucional, para 
estabelecer a eficácia da garantia constitucional antes mencionada (art.
 5º, VI, da CF/88), inseriu no art. 140 do Código Penal o seguinte 
parágrafo "se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a
 raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou 
portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa" 
(art. 140, §3º, do CPC, inserido pela Lei n. 9.459/97 e com redação 
alterada, posteriormente, pela Lei n. 10.741/2003).
A conduta do réu 
apelante, portanto, é contrária ao direito pátrio, caracterizando-se 
como conduta ilícita e, em consequência, gerando o dever de indenizar.
O ato ilícito por ele 
praticado, além de atingir a honra subjetiva da apelada (circunstância 
bastante para configurar o dever de indenizar), repercutiu na 
vizinhança, aumentando o sofrimento experimentado pela vítima.
Como o dano não teve 
repercussão patrimonial, exsurge do fato visualizado pelo juiz, que não 
há necessidade de a autora comprovar os sofrimentos 'psicológicos', como
 quer o réu apelante.
O constrangimento 
sofrido pela autora é presumido, na hipótese, por se tratar de 
constrangimento moral imposto discriminatoriamente aos seus valores 
éticos, morais e espirituais.
De qualquer forma, a prova testemunhal confirma o mal estar da vítima em decorrência do ilícito perpetrado pelo suposto pastor.
Assim, tem-se que o réu 
A.S., atuando como pastor da ré Igreja Evangélica Assembleia de Deus, 
por ação voluntária, violou o direito de crença da autora, causando-lhe 
ofensa, por discriminação e por falta de solidariedade e fraternidade ao
 seu patrimônio ético. Por isso, tem o dever de indenizar a autora. É 
que a discriminação experimentada pela autora foi decorrente das 
palavras injuriosas desferidas pelo réu A.S., Pastor da ré Igreja 
Evangélica Assembleia de Deus.
3. Quantum indenizatório
Está assentado em nosso 
direito que em sede de danos morais o magistrado deve fixá-los através 
dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, adotando valor que 
não sirva de lucro à vítima e que não desvalorize o patrimônio moral do 
ofendido.
A quantificação do dano moral deve atender à função reparatória, da qual se reveste a indenização. 
Sobre o assunto, oportuno trazer à colação excerto doutrinário de Sergio Cavalieri Filho:
"Razoável é aquilo que é
 sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A 
razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e 
conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão 
seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja 
adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam 
compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano.
 Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma 
quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a
 reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do 
sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador
 do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais
 que se fizerem presentes" (in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª 
ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 116).
Pondera-se que a 
valoração do dano moral não se destina a quantificar materialmente a dor
 vivenciada pela vítima com o ilícito. O sofrimento por ela enfrentado 
possui caráter subjetivo, é imensurável, sendo impossível atribuir-lhe 
valor econômico compatível. Nenhum valor, por maior que seja, será capaz
 de apagar os transtornos morais ocasionados à pessoa lesada. Assim, o 
montante postulado não é indenizatório porque a vítima não retorna ao 
estado moral anterior ao que se encontrava antes do ilícito. O valor é 
meramente reparatório e objetiva abrandar os efeitos do abalo sofrido.
Como a fixação de 
indenizações em patamar elevado deve ser evitada, trago aos autos 
ensinamento doutrinário do jurista Calmon de Passos, inserto em artigo 
intitulado "O Imoral nas Indenizações por Dano Moral", entendendo que o 
prejuízo extrapatrimonial deve ser reparado através de fundamentos 
éticos e morais:
"Quando a moralidade é 
posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento
 em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo 
descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o 
relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o 
imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria 
que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente
 frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente 
estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de
 natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer, o
 dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos 
outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio 
do felizardo que foi moralmente enxovalhado" (Revista Jus Navegandi, 
2002, in www.jus.com.br).
No caso dos autos, 
entendo que a quantia de hum mil e quinhentos reais fixada na sentença, 
por ser de pequena monta, não corresponde proporcionalmente ao ato 
praticado pelo réu.
Todavia, a autora 
apelada não recorreu da sentença objetivando majorar o valor 
indenizatório, razão pela qual não há motivo que justifique sua 
alteração a maior ex officio, até porque a prova do processo indica que o
 réu é pessoa de poucas posses.
Mantém-se a sentença no 
que tange à correção monocrática a partir da sentença (Súmula 362 do 
STJ), aos juros de mora a contar do evento danoso (art. 398 do CC e 
Súmula 54 do STJ), bem como ao valor dos honorários advocatícios 
arbitrados em favor da advogada da apelada, uma vez que não houve 
recurso para alterar o percentual.
Por fim, pequena 
correção deve ser feita ex officio na sentença monocrática para afastar a
 remuneração estatal à procuradora que subscreveu a petição inicial, em 
face do disposto no art. 17, I (ser o beneficiário vencedor na ação) e 
II (apresentar-se o beneficiário com advogado constituído) da Lei 
Complementar n. 155/97.
Ante o exposto, nega-se 
provimento ao recurso do réu e, ex officio, indefere-se a concessão de 
URH's em favor da advogada da autora.