sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Os Valores Morais e o Ensino da Deontologia Jurídica

O dever é a obrigação moral da criatura para consigo mesma, primeiro, e, em seguida, para com os outros (Lázaro – O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XVII, item 7)
A sociedade moderna, especialmente a brasileira, passa por uma séria crise de valores morais, emergente de toda uma gama de fatores, podendo ser destacados os econômicos, educacionais, sociológicos e religiosos. Com efeito, as dificuldades econômicas por que passamos, tanto na esfera privada quanto na pública, produzem reflexos nos índices de criminalidade. Por sua vez, as entidades familiares vêm descurando de sua obrigação de formar conveniente e adequadamente o caráter dos seus filhos, entregando-os à educação das ruas, da mídia, dos jogos eletrônicos, afastando-os, com as exceções cabíveis, da boa conduta social.
O Estado, por seu turno, também não vem cumprindo o seu papel constitucionalmente outorgado, dentre outros, de velar pelo respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III, CF); de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I a III, CF), não esquecendo dos princípios relativos ao ensino, estampados no art. 206 da Carta Magna. 
Nesse mesmo contexto, tanto a família quanto a sociedade e o Estado lamentavelmente se mostram inertes no que toca à aplicação devida aos ditames do art. 227 da Constituição Federal, no sentido de “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (destacamos). Aliadas a outros muitos e importantes fatores, tais circunstâncias resultam, a médio e longo prazo, numa degradação moral da sociedade, que estende os seus tentáculos nas mais diversas atividades profissionais, fazendo com que imperem a desonestidade, a corrupção, a improbidade. 
O papel do educador no sentido de minimizar esse problema é de vital importância, porquanto desde a formação básica do indivíduo, valores éticos e morais devem ser introduzidos. Conceitos básicos de cidadania, respeito, educação, tolerância, honestidade, dignidade e amor, para falar apenas destes, podem e devem ser semeados nas mentes ainda jovens, para que frutifiquem oportunamente. De todo modo, não podemos nos quedar inertes, aguardando indefinidamente uma tomada de posição pelas autoridades executivas constituídas, mas agir de maneira incisiva, para implementar esse conceito educacional, se não nos ensinos básico e médio, nos cursos superiores, particularmente nos cursos jurídicos.
Neste momento, torna-se fundamental a inserção do estudo da Ética e da Deontologia nos cursos jurídicos, e o projeto da ABRAME de conscientização ética, dirigido às Faculdades de Direito, é bastante  salutar, impondo-se a sua implantação incontinenti.  E vamos mais além. Consoante tivemos oportunidade de propor durante o Painel referente a esse tema, no inesquecível II Encontro Nacional dos Magistrados Espíritas, em maio de 2003, na cidade de Belo Horizonte, esse Projeto deve ser estendido para além dos cursos de graduação, alcançando as Escolas Superiores da Magistratura, do Ministério Público, da Advocacia, celebrando parcerias com as mais diversas entidades de ensino jurídico.
A Deontologia, como ciência, estuda os deveres, as obrigações profissionais. Volnei Ivo Carlin,1 magistrado catarinense, ensina que a Deontologia “designa o conjunto de regras e princípios que ordenam a conduta de um profissional”. Explicita Luiz Lima Langaro,2 por seu turno, que a Deontologia Jurídica “é a disciplina que trata dos deveres e dos direitos dos agentes que lidam com o Direito, isto é, dos advogados, dos juízes e dos promotores de justiça, e de seus fundamentos éticos e legais”. 
Estamos muito aquém de um adequado ensino dessa disciplina nas Universidades, que são o berço dos profissionais do futuro.  São raras as instituições de ensino superior que contam em suas grades curriculares com uma tal disciplina.  Em nossa experiência pessoal, a título de ilustração, tivemos a oportunidade de acompanhar a cadeira denominada “Ética”, na graduação da Faculdade de Direito do Recife/UFPE, cujo programa se limita ao estudo do Estatuto da OAB, afastando-se de qualquer referência às demais carreiras jurídicas.
É bem verdade que ética, moral, honestidade, decência e demais qualidades não se ensinam nem se aprendem nas bancas escolares e universitárias. Incontáveis fatores interferem nessa formação, desde a índole espiritual de cada ser, a educação básica familiar, o meio em que cada um vive, a formação religiosa, sendo impossível colocar em um mesmo patamar evolutivo todos os seres.  Conquanto tenhamos sido todos criados simples e ignorantes, com a inexorável tendência à perfeição, cada ser evolui em seu ritmo próprio, valendo-se de seu livre-arbítrio, conforme nos ensina a Doutrina Espírita.
A despeito de tal circunstância fática, entendo de suma importância a discussão em sala de aula de temas que proporcionem a reflexão acerca da conduta moral e ética dos profissionais de todos os ramos de atividade, mas notadamente nas profissões jurídicas. Aulas, palestras, seminários, simpósios e todos os meios disponíveis para pôr em evidência os valores morais fundamentais devem ser utilizados.  Mas não é só isso. Faz-se imperioso mostrar aos futuros profissionais do direito que humanizar a justiça não é mera retórica, mas uma necessidade premente.
Lembro-me bem que em seu impecável pronunciamento no mesmo Encontro acima mencionado, o magistrado espírita José Carlos de Lucca afirmou, com muita propriedade, que não devemos nos gabar de ser juízes, uma vez que esse encargo que nos foi acometido não é um prêmio, mas uma provação, uma oportunidade que certamente pedimos e obtivemos para reconstruir nossas vidas pela reconstrução da Justiça. Em comentário à questão 918 d’O Livro dos Espíritos, que cuida dos caracteres do homem de bem, Allan Kardec3 nos adverte que “se Deus lhe outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como um depósito, de que lhe cumpre usar para o bem. Delas não se envaidece, por saber que Deus, que lhas deu, também lhas pode retirar” (destaque do original). A humildade, portanto, é necessária para que possamos ser considerados homens de bem e exercitar a compaixão e o amor em sua plenitude. E amar, segundo vemos na mensagem do Espírito Sanson,4 ex-membro da Sociedade Espírita de Paris, no sentido profundo do termo, “é o homem ser leal, probo, consciencioso, para fazer aos outros o que queira que estes lhe façam; é procurar em torno de si o sentido íntimo de todas as dores que acabrunham seus irmãos, para suavizá-las”.  Belos ensinamentos que nos compete praticar, à medida do possível, conforme nossa estatura espiritual.
José Renato Nalini5 nos faz recordar que “se a postura ética deve ser preocupação permanente de cada profissional, a responsabilidade ética do juiz brasileiro é potencializada. O judiciário vem sendo constantemente atacado como instituição corporativista, insensível ao clamor do povo por Justiça (...). Efeitos que se traduzem no crescimento da miséria, na multiplicação do desemprego, na disseminação da violência, das drogas e do desencanto perante valores a cada dia mais postergados” (grifos do original). Mais adiante, ensina que o juiz deve exercitar constantemente a humildade intelectual, no sentido de buscar o aprendizado permanente, de não se sentir o detentor da verdade, de reconhecer os valores do pluralismo. Deve, igualmente, demonstrar a sua humildade profissional, para se reconhecer um servidor do povo, que lhe paga os salários, e que, não sendo uma carreira compulsória, deve ser vista como uma missão insubstituível, pois existe para produzir justiça.
Por humildade profissional também deve ser entendido o relacionamento amistoso, cordial, urbano, com os demais operadores da justiça, como os membros do Ministério Público e da Advocacia, bem assim com os serventuários que lhes são subordinados, com as partes e auxiliares da Justiça. Para os magistrados cristãos e sobretudo os magistrados espíritas, essa humildade deve ser exercitada incondicionalmente, como um compromisso moral que temos perante a sociedade, a instituição e a vida.
Envidemos, portanto, os esforços que forem necessários e suficientes para implantar em nossa atividade judicante tais práticas e para viabilizar o projeto de dotar as Faculdades de Direito e demais instituições de ensino jurídico de meios para aproximar o futuro profissional do Direito de uma conscientização ética, essencial para que possamos vislumbrar, num futuro não tão remoto, melhores dias para a humanidade.

Por: (Kéops de Vasconcelos Vieira Pires (PB))
Referência: 3ª Edição da Revista ABRAME.

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