quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Criminoso Passional

1 – O recente caso ocorrido em Belo Horizonte do empresário que matou a Procuradora Federal demonstra, mais uma vez,  que o ciúme é uma paixão criminógena, perigosa por sua própria natureza, o que temos sustentado em  livro (“Ciúme e Crime”, elogiado na Alemanha e na Itália porém “ignorado”  no Brasil…), artigos e palestras.
                        É tese nossa que do mesmo modo que alguém que sofre de depressão está a um passo de cometer suicídio – o que inúmeras estatísticas provam – , quem é escravo do ciúme está a um passo de praticar homicídio ou lesões corporais (os denominados “delitos de sangue”), o que também as estatísticas evidenciam, sobretudo nos países latinos. Se é muito raro o crime qualificado como passional existir entre os escandinavos – ou mesmo na Alemanha – , a sua ocorrência é muito comum entre os povos latinos. Sem dúvida,  não há como negar-se que nós latinos somos mais passionais que racionais,  mais de emoção ou paixão que de razão e uma grande perturbação de ânimo por um sentimento profundo e permanente como é a paixão ou, então, por um transtorno súbito, passageiro (“a tempestade psicológica” bem expressa na forma impulsiva de atuar do agente através de vários tiros ou facadas na vítima), violento que caracteriza uma emoção, o que tem sido analisado ou exposto cientificamente e demonstrado na realidade das estatísticas.
2 – Atentos a tais aspectos psicológicos da raça latina, os seus códigos penais contemporâneos têm dispositivos que atenuam a responsabilidade penal implicando em  redução de pena para quem age criminosamente por paixão ou emoção sem, de modo algum, justificar a conduta criminosa para absolver o agente e em tal sentido é o nosso vigente diploma penal que em seu art. 28, inc. I, determina que nem a emoção ou a paixão excluem a imputabilidade penal, não isentos de pena mas em certos casos reduzem a pena. Ou seja, compreende-se a ação delituosa porém jamais a mesma é justificada para absolver o delinquente.
3 – Por outra parte, também é interessante observar que os estados passionais (e particularmente no ciúme) independem da raça, da condição social ou do nível cultural do agente,  atingindo a todos indistintamente, o que podemos verificar em nosso país através de crimes passionais que abalaram a sociedade  porém que não causam surpresa aos psicólogos, aos penalistas, aos advogados criminais e a própria justiça criminal que estudam,  que enfrentam ou que decidem sobre o criminoso ciumento.
4 – Afinal, Shakespeare – o Mestre maior das paixões – já tinha proclamado na tragédia “Othello”, em 1604, sobre a tirania do ciúme que escraviza o homem: “as almas estão ciumentas por que são ciumentas. É um monstro gerado e nascido de si mesmo. Tomai cuidado com o ciúme! é um monstro de olhos verdes que vive da própria carne que alimenta”.

Por Roque de Brito Alves

Novo Código de Processo Civil


Nos próximos dias 06 e 07 de março serão apresentados pela Câmara dos Deputados cinco relatórios parciais relativos a cada um dos livros do novo Código de Processo Civil (PL 8046/10).
O novo código, cujo anteprojeto foi elaborado por um grupo de juristas coordenados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, entre 2009 e 2010, busca reduzir o formalismo processual e o número de recursos judiciais, bem como incentivar o uso da mediação como solução de conflitos.
O texto, já foi aprovado pelo Senado, e tramita na Câmara desde o início de 2011, onde o relator-geral, deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), afirma que acredita conseguir iniciar a votação da matéria na comissão no mês de abril, contudo, como o texto será alterado na Câmara dos Deputados, o novo CPC terá de voltar para reapreciação no Senado. E ainda assim, Barradas Carneiro, mostra-se otimista, pois mesmo diante da complexidade do tema e de o ano de 2012 ser eleitoral, o deputado aposta na aprovação definitiva da matéria até o fim deste ano.
Deve-se destacar, também, que na quarta-feira (08.02.2012), a comissão especial recebeu o relatório do Ministério da Justiça com no qual foi realizado consulta pública sobre o novo CPC, o documento traz 2.500 (duas mil e quinhentas) sugestões da população em geral, e relatórios de 118 especialistas em audiências públicas e conferências estaduais. Os deputados também tiveram acesso a outras 400 sugestões que foram recebidas por meio do canal e-democracia da Câmara, pela internet.

Fonte:

BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatórios parciais sobre novo CPC serão apresentados no início de março. 08. de fev. 2012. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/302962-RELATORIOS-PARCIAIS-SOBRE-NOVO-CPC-SERAO-APRESENTADOS-NO-INICIO-DE-MARCO.html  Acesso em 15 fev. 2012.

Trabalhador ganha direitos autorais sobre invenção produzida dentro da empresa

A Quarta Turma do Tribunal Superior condenou a Instaladora São Marcos Ltda. a pagar a um ex-gerente de produção, a título de direitos autorais, 15% dos lucros pela comercialização de um protetor de cabine de camionete, incluído na categoria conhecida como "Santo Antônio". Com a decisão, a Turma acolheu o recurso da empresa e limitou o percentual ao lucro, de acordo com o pedido original do ex-empregado, e não sobre o valor da venda, como havia determinado o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS).

De acordo com o processo, o autor da ação trabalhou na empresa, localizada na cidade de São Marcos (RS), de 1982 a 2004. Durante esse período, atuou no desenvolvimento de produtos, principalmente no protetor "Santo Antônio", que teria sido aperfeiçoado a partir de um esboço criado e desenvolvido por ele. Para isso, utilizou as instalações e equipamentos da metalúrgica Rubiza, em Caxias do Sul (RS), por determinação da sua empresa.

Embora tenha comprovado que o ex-empregado realmente aperfeiçoou o protetor, a 4ª Vara de Caxias do Sul não acolheu o pedido de pagamento de direitos autorais porque o trabalho foi realizado em horário de expediente, com autorização da empresa e com todo o material e recursos necessários fornecidos por ela. "Ou seja, o autor não realizou esse aperfeiçoamento por iniciativa própria, mas sim a mando do empregador e na condição de empregado", concluiu o juiz de primeiro grau.

Esse entendimento não foi mantido pelo Tribunal Regional, que acolheu recurso do trabalhador e condenou a empresa a pagar o correspondente a 15% do valor das vendas do "Santo Antônio". Para o TRT, a situação se enquadra no artigo 91 da Lei 9.279/96, segundo o qual a propriedade de invenção, no caso da atividade não estar prevista na função do empregado, será comum quando resultar da contribuição pessoal dele e de recursos da empresa. Assim, a parcela do valor das vendas paga ao empregado teria como causa o invento, e não a prestação de serviços ou o conteúdo do contrato de trabalho, já cobertos pelo salário.

Por fim, a empresa recorreu ao TST com o argumento de que o TRT julgou além do que o trabalhador havia solicitado no processo (julgamento extra petita), pois o pedido original era de 50% dos lucros e o TRT determinou o pagamento sobre o valor das vendas. Além disso, alegou que não detém os direitos sobre o "Santo Antônio", pois já existe uma decisão da Justiça Comum reconhecendo a patente do protetor para outra empresa, o que a impediria de pagar ao trabalhador por um direito que não é dela. O ministro Fernando Eizo Ono, relator do recurso, acolheu a argumentação quanto ao percentual e determinou que o cálculo fosse feito sobre o lucro líquido a segunda alegação foi afastada porque a decisão mencionada não foi apresentada no processo em tempo hábil.

Processo: RR-161200-59.2005.5.04.0404


Fonte: TST

Réplica: Já Seria Hora de Respeitar o Texto da Lei

A elaboração de um novo Código de Processo Civil longe está de ser a redenção do Judiciário e a forma de se obter, em tempo razoável, a solução dos litígios e a realização do direito neles reconhecido. Já se teve a oportunidade de discorrer sobre isso ("Um novo Código de Processo Civil", O Estado de São Paulo, 27.08.2010, p. 2-A), opondo-se à edição de nova lei, sem se descer aos detalhes dessa, pois, ainda que fosse excelente, não conseguiria compensar os transtornos que a mudança legislativa sempre acarreta. Há graves problemas estruturais na Justiça, que, inclusive, não tem como dar vazão à corrida ao Judiciário, onde estaria o remédio para todos os males.
Há outro fator, porém, que compromete, sem dúvida, o melhor andamento dos processos e que, certamente, mesmo diante de uma nova legislação, por melhor que possa ser, persistirá, de modo a colaborar para que ela não surta qualquer efeito. Trata-se do desrespeito por juízes da lei processual. É comum se dizer que a lei só existe para os advogados e que cada juiz tem seu próprio Código, de forma que o advogado que tiver juízo a ele deve render-se. Tal se verifica em larga escala, não se acreditando seja por ignorância da lei e, ao contrário, há de se crer que tanto se nutre da melhor e mais pura boa intenção. No entanto, os efeitos são inegavelmente maléficos.
Nesse sentido, o Diário Oficial Eletrônico de São Paulo disponibilizou, em 7 de outubro último, no expediente da 4ª Vara Cível do Fórum Regional de Santana (processo nº 0011166-46.2011.8.26.0001), o seguinte despacho: "À réplica no prazo de quinze dias. No prazo comum também de quinze dias, as partes deverão especificar as provas que pretendem produzir, justificando a pertinência delas, pena de indeferimento. Caso requeiram a produção de prova oral devem trazer desde já o rol de testemunhas (cumprindo integralmente o art. 407 do Código de Processo Civil quanto à qualificação delas), esclarecer se elas virão independentemente de intimação ou se esta se fará necessária, bem como comprovando o recolhimento de eventuais custas referentes à intimação ou trazendo as cópias pertinentes para formação da carta precatória, sob pena de preclusão." Ufa! Parece estar resolvido o processo.
Inegável a boa intenção do magistrado, mas será que se faz possível, tendo em mente ser o processo formatado pela lógica, concentrarem-se todas as manifestações em um único momento? Não, inegavelmente não. Julgando-se assim se perde muito maios tempo do que aquele que se poderia ganhar, andando-se para trás. Diante do fato de ser o processo um direito, não se pode dar mais do que ele permite e nem tirar o que a lei manda conceder.
A réplica não é sempre um ato processual necessário. Terá lugar (cf. arts. 323 e segs.) somente se houver algo de novo na contestação, indo o réu além de simplesmente negar o direito do autor, combatendo-o com argumentos. Caberá nova manifestação do autor, a réplica, se for trazida pelo réu questão prejudicial, se houver alegação de fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor ou, ainda, de preliminares. Se não existir esse conteúdo na defesa, não deve existir réplica. Ademais, se esta tiver que existir, o prazo será de dez dias, não havendo razão jurídica ou sequer plausível para se dar ao autor quinze dias. A nova oportunidade para o autor falar, quando não necessária, da mesma forma que o prazo maior que o da lei representam injustificável quebra do equilíbrio processual.
Sem sentido e utilidade a especificação de provas. Além desse despacho, que se tornou usual, não ter amparo na lei, a não ser no caso de revelia (art. 324), não se faz possível, antes do término da fase postulatória, de que a réplica faz parte, saber o que se precisará provar, pois pode surgir alguma questão nova, notadamente se houver razão para a réplica, trazida pelo autor com sua manifestação simultânea à petição de especificação de provas. Destarte, bem pode o réu reclamar certas provas, porém, depois, inteirando-se da réplica, sentir que precisa de mais, o que lhe terá que ser garantido, pois foi a ele imposta a manifestação antes da hora que a lei lhe reserva para tanto.
Mais açodada é a imposição de providências próprias do momento de produção das provas, merecendo destaque a determinação de que, "desde já" se traga o rol de testemunhas, se delas pretenderem as partes se valer. Essa ordem esquece-se de que o art. 331 do CPC coloca, ao fim da fase postulatória, o saneamento do processo e, nessa oportunidade, além de serem decididas as questões processuais, que poderão até levar à extinção do processo, deverá o magistrado fixar os pontos controvertidos (§ 2º), deferindo (ou determinando), então, as provas a serem produzidas. Cuida-se de face das mais importantes, na qual tem lugar a organização da prova, sem o cumprimento da qual se torna inviável prosseguir o processo, como nessa página já se disse ("Fixação dos pontos controvertidos do processo", neste Suplemento nº 185). Sem se saber os pontos controvertidos, como se pode avaliar sobre a necessidade de prova testemunhal e, mais ainda, como definir se relevante é a testemunha "a" ou a "b"? Sem contar que isso se exige sem que se saiba o conteúdo da réplica.
Pior ainda é a apresentação do rol com tamanha antecedência processual e temporal, não só pelos limites à substituição das testemunhas arroladas (art. 408), mas também pela razão de ser da fixação do prazo para tanto, que deve ser suficiente para que a parte contrária tome conhecimento do rol e se prepare para eventual contradita, todavia não tão amplo para que essa tenha a ideia de molestar a testemunha, como se colocou, com amparo em Arruda Alvim, no nosso Processo Civil: verso e reverso (Juarez de Oliveira, 2005, p. 107 e segs.). Desse modo, a precipitação na apresentação do rol afeta a estrutura do processo, a igualdade das partes e elimina o quanto de surpresa pode retirar-se do rol, além de, no caso, ser algo que se pode mostrar inútil, dado tudo quanto teria que acontecer antes da indicação do nome das testemunhas.
É de se reclamar o respeito às normas de processo, que representam uma garantia ao jurisdicionado, que deve saber, de antemão, como irá trilhar-se a sua postulação em juízo, que não pode ser gerida por surpresas e novidades. Aqueles que criam regras próprias para o curso do processo, acreditando-as melhor do que aquelas inscritas no Código, criam a surpresa, que é vivo desrespeito ao devido processo legal, e, assim, enseja recursos, não só pela ruptura em si, mas também pela impossibilidade de se ter garantido o direito de rever o quanto surgiu do incidente fruto do novo procedimento, o que terá que ser enfrentado, pois tudo isso que, no caso, foi plantado de diferente anunciou-se como sendo "sob pena de preclusão".
Será que a legislação não surtiria melhores efeitos se realmente fosse observada por quem comanda o processo? Será que esse desejo de legislar não continuará mesmo diante de um novo Código? Acredito que sim, daí uma necessária proclamação para que se cumpra a lei. Essa que aí está, sem necessidade de outra e mais outra e ainda outra.
ão do nome das testemunhas.
É de se reclamar o respeito às normas de processo, que representam uma garantia ao jurisdicionado, que deve saber, de antemão, como irá trilhar-se a sua postulação em juízo, que não pode ser gerida por surpresas e novidades. Aqueles que criam regras próprias para o curso do processo, acreditando-as melhor do que aquelas inscritas no Código, criam a surpresa, que é vivo desrespeito ao devido processo legal, e, assim, enseja recursos, não só pela ruptura em si, mas também pela impossibilidade de se ter garantido o direito de rever o quanto surgiu do incidente fruto do novo procedimento, o que terá que ser enfrentado, pois tudo isso que, no caso, foi plantado de diferente anunciou-se como sendo "sob pena de preclusão".

Informações bibliográficas:
FORNACIARI Jr., Clito. Réplica: Já Seria Hora de Respeitar o Texto da Lei. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 16 fev. 2012. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2012.
 
Fonte: Editora Magister

Vazou na Globo e ninguém viu...

A Mais Nova Previsão de Delação Premiada no Direito Brasileiro

"Ainda que agrade a traição, ao traidor tem-se aversão" (Cervantes, Dom Quixote, Parte Primeira, Cap. XXXIX).
Recentemente foi promulgada a Lei nº 12.529/2011, estruturando o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispondo sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; no seu art. 86, estabelece-se que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica poderá celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais envolvidos na infração; e II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. Tal acordo, segundo o art. 87 da mesma lei, nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137/90, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666/93, e os tipificados no art. 288 do Código Penal, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade nos referidos crimes.
Evidentemente não é a primeira norma jurídica brasileira que trata deste tipo de delação premiada. No ano de 1990, mais precisamente no dia 26 de julho, publicava-se no DOU o texto de uma nova lei, vinda como uma resposta aos anseios populares de diminuição da violência urbana que, já àquela época, beirava a insuportabilidade (tal como hoje, nada obstante os vários anos de sua vigência). Sancionada pelo então Presidente da República tentava em seus treze artigos (dois destes vetados) resolver por intermédio do Direito Penal um problema que definitivamente não é dele. 1 Exasperaram penas de determinados crimes, impossibilitando-se, também, a concessão de benefícios aos sentenciados, tais como a anistia, a graça e o indulto, além de proibir o gozo de direitos subjetivos individuais (mesmo estando presentes os requisitos específicos para a sua fruição) como a fiança, tudo a atender ao contagiante clima psicológico de pavor criado pelos meios de comunicação social e aos interesses imediatos de extratos sociais privilegiados, como acentuou Alberto Silva Franco. 2 Como não poderia deixar de ser inúmeras vozes levantaram-se contra a sua edição, taxando-a de inoportuna e, sob certos aspectos, inconstitucional. Estamos falando da Lei nº 8.072/90 que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências, cujos defeitos não iremos aqui abordar, pois não é este o nosso escopo no momento. 3
Trataremos, tão somente, de um instituto por ela trazido: a delação premiada (ou, na expressão feliz de José Carlos Dias, extorsão premiada), como causa obrigatória de diminuição da pena em favor de autor, coautor ou partícipe nos crimes de extorsão mediante sequestro e quadrilha ou bando (este último quando a societas sceleris tiver sido formada com o intuito de praticar os crimes considerados hediondos e outros a eles assemelhados).
Já no dia 03 de maio do ano de 1995 foi sancionada a Lei nº 9.034/95 dispondo sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Tal como a anterior esta lei, criada para definir e regular meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando, também considera causa compulsória de diminuição da pena a delação de um dos participantes na organização criminosa. Aliás, na lei dos crimes hediondos o legislador foi mais explícito e utilizou o verbo denunciar como sinônimo de delação, enquanto que nesta segunda norma preferiu a expressão colaboração espontânea, como que para escamotear a vergonhosa presença da traição premiada em um diploma legal.
Em 19 de julho de 1995 foi sancionada a Lei nº 9.080/95, prevendo, igualmente, a delação como prêmio ao coautor ou partícipe de crime cometido contra o sistema financeiro nacional ou contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo quando cometidos em quadrilha ou coautoria. Agora se preferiu a expressão confissão espontânea, o que resulta no mesmo. Em 1998, surgiu entre nós a Lei nº 9.613/98, a chamada lei de "lavagem de dinheiro", disciplinando, outrossim, a diminuição de pena para o "colaborador espontâneo". Temos, ainda, como exemplo a Lei nº 9.807/99, de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, que também prevê a delação premiada, além da Lei nº 8.137/90 (art. 16, parágrafo único). Faz-se referência também à Lei nº 11.343/06 (a Lei de Drogas), que no art. 41 dispõe de forma semelhante e ao art. 159, § 4º, do CP.
Pois bem; no espectro do recrudescimento da legislação processual penal, visto como um reflexo da expansão tresloucada da cultura da emergência, ganhou vigor a figura da delação premiada, sobretudo com a sua propagação no processo criminal italiano e estadunidense. 4
Segundo Damásio de Jesus, a origem da "delação premiada" no Direito brasileiro remonta às Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, constante do Livro V, vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Título VI do "Código Filipino", que definia o crime de "Lesa Magestade" (sic), tratava da "delação premiada" no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica "Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão" e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios. 5 Já na Inquisição, um filho delator não incorre nas penas fulminadas por direito contra os filhos dos hereges e este é o prêmio pela sua delação. In proemium delationis. 6
Alguns doutrinadores costumam distinguir a delação 7 como aberta ou fechada, aduzindo que naquela primeira o delator aparece e se identifica, inclusive favorecendo-se de alguma forma com o seu gesto, seja na redução da pena, seja no recebimento de recompensa pecuniária ou mesmo com o perdão judicial; nesta, ao contrário, o delator se assombra no manto do anonimato "propiciando auxílio desinteressado e sem qualquer perigo", como assevera Paulo Lúcio Nogueira. 8
Afora questões de natureza prática como, por exemplo, a inutilidade, no Brasil, desse instituto por conta, principalmente, do fato de que o nosso Estado não tem condições de garantir a integridade física do delator criminis nem a de sua família, o que serviria como elemento desencorajador para a delação, aspectos outros, estes de natureza ético-moral informam a profunda e irremediável infelicidade cometida mais uma vez pelo legislador brasileiro, muito demagogo e pouco cuidadoso quando se trata dos aspectos jurídicos de seus respectivos projetos de lei.
Sem dúvidas, o tema da delação premiada desafia diversos questionamentos: desde sua conveniência político-criminal, passando por sua apreciação sob o ponto de vista da quebra da ética ínsita ao proceder dentro de um Estado Democrático de Direito, ou pelas questões relativas ao seu valor probatório, até sua natureza jurídico-penal, sua função processual penal e as implicações daí decorrentes para o postulado do devido processo legal em nosso direito positivo. Nesta oportunidade, passaremos os olhos por estes três últimos aspectos quanto à delação que tem por objeto a identificação dos demais coautores ou partícipes." 9 Como diz Hassemer, "não é permitido ao Estado utilizar os meios empregados pelos criminosos, se não quer perder, por razões simbólicas e práticas, a sua superioridade moral. 10
Também a propósito, veja-se a opinião de João Baptista Herkenhoff: A meu ver, a delação premiada associa criminosos e autoridades, num pacto macabro. De um lado, esse expediente pode revelar tessituras reais do mundo do crime. Numa outra vertente, a delação que emerge do mundo do crime, quando falsa, pode enredar, como vítimas, justamente aquelas pessoas que estejam incomodando ou combatendo o crime. Na maioria das situações, creio que o uso da delação premiada tem pequena eficácia, uma vez que a prova relevante, no Direito Penal moderno, é a prova pericial, técnica, científica, e não a prova testemunhal e muito menos o testemunho pouco confiável de pessoas condenadas pela Justiça. Ao premiar a delação, o Estado eleva ao grau de virtude a traição. Em pesquisa sociojurídica que realizamos, publicada em livro, constatei que, entre os presos, o companheirismo e a solidariedade granjeiam respeito, enquanto a delação é considerada uma conduta abjeta (Crime, Tratamento sem Prisão, Livraria do Advogado Editora, página 98). Então, é de se perguntar: Pode o Estado ter menos ética do que os cidadãos que o Estado encarcera? Pode o Estado barganhar vantagens para o preso em troca de atitudes que o degradam, que o violentam, e alcançam, de soslaio, a autoridade estatal? 11
Se considerarmos que a norma jurídica de um Estado de Direito é o último refúgio do seu povo, no sentido de que as proposições enunciativas nela contidas representam um parâmetro de organização ou conduta das pessoas (a depender de qual norma nos refiramos se, respectivamente, de segundo ou primeiro graus, no dizer de Bobbio), definindo os limites de suas atuações, é inaceitável que este mesmo regramento jurídico preveja a delação premiada em flagrante incitamento à transgressão de preceitos morais intransigíveis que devem estar, em última análise, embutidos nas regras legais exsurgidas do processo legislativo. Que não se corra o perigo, já advertido e vislumbrado pelo poeta Dante Alighieri, lembrado por Miguel Reale quando afirma que o Direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a. 12
Diante dessa sombria constatação, como se pode exigir do governado um comportamento cotidiano decente, se a própria lei estabelecida pelos governantes permite e galardoa um procedimento indecoroso? Como fica o homem de pouca ou nenhuma cultura, ou mesmo aquele desprovido de maiores princípios, diante dessa permissividade imoral ditada pela própria lei, esta mesma lei que, objetiva e obrigatoriamente, tem de ser respeitada e cumprida sob pena de sanção? Estamos ou não estamos diante de um paradoxo? Como afirma Paulo Cláudio Tovo, a delação premiada de comparsa nos parece uma violação ética com perigosas consequências no mundo do crime (...). Este não é o verdadeiro caminho da Justiça, importa, isto sim, na confissão que o Estado não tem capacidade científica de chegar à verdade. 13
É certo que em outras legislações, inclusive em países desenvolvidos economicamente (embora possuidores de uma sociedade em desencanto, como, por exemplo, a americana), a figura da delatio já existe há algum tempo (diga-se de passagem, assegurando-se inquestionavelmente a vida do denunciante), como ocorre nos Estados Unidos (bargain) e na Itália (pattegiamento), entre outros países. São exemplos, contudo, que não deveriam ser seguidos, pois desprovidos de qualquer caráter moral ou ético, como já acentuamos.
Tão somente para se argumentar, pode-se dizer que o bem jurídico visado pela delação (a segurança pública), justificaria a sua utilização, ou, em outras palavras, o fim legitimaria o meio. Ocorre que tal princípio é de todo amoralista, aliás, próprio do sistema político defendido pelo escritor e estadista florentino Niccolò Machiavelli (1469-1527), sistema este dito de um realismo satânico, na definição de Frederico II em seu Antimaquiavel, tornando-se sinônimo, inclusive, de procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro, etc.
O próprio Rui Barbosa já afirmava não se dever combater um exagero (no caso a violência desenfreada) com um absurdo (a delação premiada).
Em um artigo intitulado "Prêmio para o Dedo-Duro", o advogado mineiro Tarcísio Delgado afirmou com muita propriedade: Contam uma história muito conhecida, aconteceu há muitos e muitos anos e, de geração em geração, tão sagrada e consagrada, que estabeleceu o mais importante marco no caminho da humanidade. Trata-se da saga de um "Sujeito", altamente perigoso, indisciplinado e subversivo, que andava atormentando e tirando o sono do Poder Soberano. O "Cara" não era mole, dizia defender os fracos e os oprimidos. Fazia até milagre. Formou uma "quadrilha" de seguidores fanáticos, e andava com seu "bando", infernizando o Poder constituído. Não respeitava nem o Imperador. Era uma ameaça permanente às instituições. "Pior" que "Esse", nunca se viu. Precisava pegá-lo, mas ele era "danado", se misturava no meio do povo, e não tinha como prendê-lo. Preso, o castigo seria severo e inapelável. Eis que aparece a figura canhestra do delator, para "colaborar" com a polícia e com os detentores do Poder. Um dos seus vende-se por trinta dinheiros e articula a prisão do chefe: "O traidor tinha combinado com eles um sinal, dizendo: Jesus é aquele que eu beijar; prendam" (Mateus, 26, 48). Estava consumada a mais famosa e repugnante traição de todas as épocas. Judas se transformou em sinônimo de traidor. Podemos fixar aqui a origem da delação premiada, que se confunde com o nascimento de nossa Era. Este famigerado instituto tem vida recente em nosso Direito. Importado dos Estados Unidos e da Itália, que o recepcionam com grande entusiasmo, foi positivado em nosso País, pela Lei nº 8.072/90, art. 8º, parágrafo único – O participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços). O art. 159, do Código Penal, no seu § 4º, estabelece coisa parecida. Como esta legislação contraria a natureza de nossos sentimentos, nossas tradições e a formação de nossa cultura, permaneceu durante esses anos como letra morta, sem qualquer aplicação noticiada. Só agora, recentemente, foi, imprópria e equivocadamente, cogitada. (...) Faz quase 60 anos, lembro-me muito bem, quando cursava o primeiro grau, certa feita nossa professora enérgica e diligente, magnífica mestra, que saudade!... surpreendeu um grupo de alunos com um caso grave de indisciplina que, embora praticada por um só, não havia como identificá-lo, sem que houvesse confissão. O indisciplinado calou-se. A professora ameaçava punir o grupo inteiro, se não aparecesse o responsável. Eis que surge o "dedo duro" e delata o colega, apontando aquele dedo de "bom moço" para o culpado. Aquela mestra exemplar passou-lhe uma descompostura. Disse que a indisciplina mais grave praticara o delator do seu colega. Aplicou-lhe a penalidade mais forte, e ensinou que nunca mais deveria dedurar quem quer que fosse. O resto daquela aula foi sobre o papel sujo e condenável de delatar. Esta foi uma lição que me marcou para sempre. (...) Por estas e por outras, tenho fundadas e irremovíveis restrições à chamada delação premiada. Repugna-me o acordo de autoridade instituída com bandidos. Parece-me mais um comodismo de quem tem o dever de investigar, uma redução de trabalho, um falso pragmatismo utilitarista, que encontra utilidade numa prática que corrompe e avilta. O argumento de que os criminosos modernos dispõem de técnicas e arranjos difíceis de serem apanhados, nada mais é do que a confissão de que o Estado está perdendo uma batalha que não pode perder, sob pena do desmantelamento total da organização social. Pegar um acusado, sem qualquer culpa formada, no início da apuração de possíveis atos criminosos, prendê-lo, algemá-lo e oferecer-lhe o benefício da "deduragem" é de arrepiar os cabelos. Os momentos em que prevaleceu o crédito à delação não enaltecem a história, pelo contrário, são períodos soturnos no caminho da humanidade. A delação mais conhecida é aquela que está na origem de nossa Era, resumidamente descrita na introdução deste artigo. Aí, os personagens são nominados, a vítima foi simplesmente Jesus Cristo e, o delator, aquele que virou sinônimo de traidor, Judas Iscariote. Todavia, a história universal está repleta de exemplos tenebrosos de milhares de pessoas inocentes e anônimas que, por causa da delação, foram queimadas vivas nas fogueiras da inquisição; levadas à guilhotina para serem decapitadas depois da Tomada da Bastilha nos anos que se seguiram à Revolução Francesa. Além disso, na Rússia do comunismo Stalinista, por um canto, e no Nazismo Hitlerista, por outro, a delação desempenhou papel absolutamente fundamental. E não citamos, ainda, o caso clássico e típico de delação premiada, que marca a história pátria com sangue e vergonha, daquele que delatou o "bando perigosíssimo" comandado por aquele desvairado de amor à Pátria, Tiradentes, na Inconfidência Mineira – o fraco e pusilânime Joaquim Silvério dos Reis, em troca de vantagens pessoais. A história registra incontáveis casos de delação que, sem nenhuma exceção, marcam sempre os momentos mais obscuros e vergonhosos da humanidade. Só quem não quer ver, em virtude de uma formação utilitarista, não reconhece que a delação sempre foi um instrumento do autoritarismo, da violência, da injustiça. Está na teoria que justifica os meios pelo fim e, ainda assim, no caso, impropriamente, porque, aqui, por meios corrompidos, quase sempre se chega a fim distorcido e injusto. "A árvore má não dá bons frutos". Enganam-se os que buscam tirar proveito de quem só pensa em se aproveitar. A prova não pode fundar-se no testemunho daquele que antes fora pego como comparsa do crime. Sua palavra é suspeita e inconfiável. Todo delator, para amenizar sua situação no processo, joga a culpa no outro, seu comparsa ou não. Não é de se acolher, também, o argumento dos defensores da adoção deste instituto jurídico, de que hoje ele é aplicado com tais cautelas que impossibilitariam qualquer abuso contra inocentes. Claro que, em nossos dias, a delação não levaria ninguém à fogueira ou à guilhotina, mas pode criar constrangimentos e danos morais, ferir direitos inalienáveis, que precisam ser respeitados numa sociedade civilizada e livre, durante o processo investigatório, isto para admitir, o que não é nosso caso, alguma utilidade ou alguma força moral na aplicação dessa norma positiva. É aconselhável que, em se tratando de assuntos desse nível de especulação e com tantas manifestações do pensamento universal, procure-se exemplares na vasta doutrina existente. André Comte-Sponville, desculpando-se por citar poucos, trabalha com conceitos de Kant, Bérgson, Camus, Dostoievski, Jankélévitch para indagar e responder: "se para salvar a humanidade fosse preciso condenar um inocente (torturar uma criança, diz Dostoievski), teríamos de nos resignar e fazê-lo? Não, respondem eles. A cartada não valeria o jogo, ou antes, não seria uma cartada, mas uma ignomínia. Porque, se a justiça desaparece, é coisa sem valor o fato de os homens viverem na Terra. O utilitarismo chega aqui ao seu limite. Se a justiça fosse apenas um contrato de utilidade, apenas uma otimização do bem-estar coletivo, poderia ser justo, para a felicidade de quase todos, sacrificar alguns, sem seu acordo e ainda que fossem perfeitamente inocentes e indefesos", e avança, utilizando-se ainda de Kant e Rawls: "a justiça é mais e melhor do que o bem estar e a eficácia, e não poderia ser sacrificada a eles, nem mesmo em nome da felicidade da maioria". Estes conceitos, certamente, soam como devaneios aos "idiotas da objetividade", de Nelson Rodrigues, mas, só assim, poderemos "criar uma sociedade de Homens, não de brutos", como acentua Spinoza. Premiar o delator é premiar o crime. Fonte: JURID Publicações Eletrônicas – 06.09.05.
Em crônica publicada no jornal O Globo, na edição do dia 17 de dezembro de 1995, João Ubaldo Ribeiro, após lembrar que as expressões "dedo-duro" e "dedurismo" surgiram ou generalizaram-se após o golpe militar de 1964, escreveu: Os próprios militares e policiais encarregados dos inquéritos tinham desprezo pelos dedos-duros – como, imagino, todo mundo tem, a não ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrível seria de se esperar que algo tão universalmente rejeitado, epítome da deslealdade, do oportunismo e da falta de caráter, também se juntasse a um passado que ninguém, ou quase ninguém, quer reviver. Mas não. O dedurismo permanece vivo e atuante, ameaçando impor traços cada vez mais policialescos à nossa sociedade. E, conclui: Sei que as intenções dos autores da ideia são boas, mas sei também que vêm do desespero e da impotência e que terminam por ajudar a compor o quadro lamentável em que vivemos, pois o buraco é bem, mas bem mesmo, mais embaixo.
Entendemos que o aparelho policial do Estado deve se revestir de toda uma estrutura e autonomia, a fim de poder realizar seu trabalho a contento, sem necessitar de expedientes escusos na elucidação dos delitos. O aparato policial tem a obrigação de, por si próprio, valer-se de meios legítimos para a consecução satisfatória de seus fins não sendo necessário, portanto, que uma lei ordinária use do prêmio ao delator (crownwitness), como expediente facilitador da investigação policial e da efetividade da punição.
Ademais, no próprio Código Penal já existe a figura da atenuante genérica do art. 65, III, b, onde a pena será sempre atenuada quando o agente tiver procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano, que poderia muito apropriadamente compensar (por assim dizer) uma atitude do criminoso no auxílio à autoridade investigante ou judiciária. Além da atenuante referida há o instituto do arrependimento eficaz que, igualmente, beneficia o agente quando este impede voluntariamente que o resultado da execução do delito se produza, fazendo-o responder, apenas, pelos atos já praticados (art. 15 do Código Penal). Pode-se, ainda, referir-se ao preceito do art. 16, arrependimento posterior, bem verdade que este limitado àqueles crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, mas, da mesma forma, compensador de uma atitude favorável por parte do delinquente, reduzindo-lhe a pena.
Vê-se, destarte, que o ordenamento jurídico existente e consubstanciado no Código Penal já permitia beneficiar o réu em determinadas circunstâncias, quando demonstrasse menor endurecimento no querer criminoso, certa sensibilidade moral, um sentimento de humanidade e de justiça que o levam, passado o ímpeto do crime, a procurar detê-lo em seu processo agressivo ao bem jurídico, impedindo-lhe as consequências, como já acentuou o mestre Aníbal Bruno. 14 Não necessita, portanto, o legislador, em lei extravagante, vir a prever a delação premiada, como causa de diminuição da pena. Também por isso é inoportuno.
A traição demonstra fraqueza de caráter, como denota fraqueza o legislador que dela abre mão para proteger seus cidadãos. A lei, como já foi dito, deve sempre e sempre indicar condutas sérias, moralmente relevantes e aceitáveis, jamais ser arcabouço de estímulo a perfídias, deslealdades, aleivosias, ainda que para calar a multidão temerosa e indefesa (aliás, por culpa do próprio Estado) ou setores economicamente privilegiados da sociedade (no caso da repressão à extorsão mediante sequestro). Em nome da segurança pública, falida devido à inoperância social do Poder e não por falta de leis repressivas, edita-se um sem número de novos comandos legislativos sem o necessário cuidado com o que se vai prescrever.
Repita-se uma observação de Damásio de Jesus: A polêmica em torno da "delação premiada", em razão de seu absurdo ético, nunca deixará de existir. Se, de um lado, representa importante mecanismo de combate à criminalidade organizada, de outro, parte traduz-se num incentivo legal à traição. A nós, estudiosos e aplicadores do Direito, incumbe o dever de utilizá-la cum grano salis, notadamente em razão da ausência de uniformidade em seu regramento. Não se pode fazer dela um fim em si mesma, vale dizer, não podem as autoridades encarregadas da persecução penal contentarem-se com a "delação", sem buscar outros meios probatórios tendentes a confirmá-la.
Incita-se, então, à traição, este mal que já matou os conjurados delatados pelo crápula Silvério dos Reis; que levou Jesus à cruz por conta da fraqueza de Judas e deu novo alento aos invasores holandeses graças à ajuda de Calabar. Esses traidores históricos, e tantos outros poderiam ser citados, são símbolos do que há de pior na espécie humana; serão sempre lembrados como figuras desprezíveis. Advirta-se, que não estamos a fazer comparações, pois sequer são neste caso cabíveis. Apenas tencionamos mostrar a nossa indignação com a utilização da ordem jurídica como instrumento incentivador da traição, ainda que se traia um sequestrador, um latrocida ou um estuprador.
Em conclusão, não podemos nos valer de meios esconsos, em nome de quem quer que seja ou de qualquer bem, sob pena, inclusive, de sucumbirmos à promiscuidade da ordem jurídica corrompida. Esta nossa posição, sem sombra de dúvidas, sofre forte contestação; de toda maneira, valhemo-nos da lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, segundo a qual autores sofrem o peso da falta de respeito pela diferença (o novo é a maior ameaça às verdades consolidadas e produz resistência, não raro invencível), mas têm o direito de produzir um Direito Processual Penal rompendo com o saber tradicional, em muitos setores vesgo e defasado (...). 15
NOTAS
1 - Em conferência realizada no Brasil, em Guarujá, no dia 16 de setembro de 2001, Zaffaroni contou a parábola do açougueiro: El canicero es un señor que está en una carnicería, con la carne, con un cuchillo y todas esas cosas. Si alguien le hiciera una broma al canicero y robase carteles de otros comércios que dijeran: ‘Banco de Brasil’, Agencia de viages’, ‘Médico’, ‘Farmacia’, y los pegara junto a la puerta de la carnicería; el carnicero comenzaria a ser visitado por los feligreses, quienes le pedirían pasajes a Nueva Zelanda, intentarían dejar dinero en una cuenta, le consultarían: ‘tengo dolor de estómago, que puede hacer?’. Y el carnicero sensatamente responderia: ‘no sé, yo soy carnicero. Tiene que ir a otro comercio, a otro lugar, consultar a otras personas’. Y los feligreses se enojarían: ‘Cómo puede ser que usted está ofreciendo un servicio, tiene carteles que ofrecen algo, y después de no presta el servicio que dice?’. Entonces tendríamos que pensar que el carnicero se iría volviendo loco y empezaria a pensar que él tiene condiciones para vender pasajes a Nueva Zelanda, hacer el trabajo de un banco, resolver los problemas de dolor de estómago. Y puede pasar que se vuelva totalmente loco y comience a tratar de hacer todas esas cosas que no puede hacer, y el cliente termine con el estómago agujereado, el otro pierda el dinero, etc. Pero si los feligreses también se volvieran locos y volvieran a repetir las mismas cosas, volvieran al carnicero; el carnicero se vería confirmado en ese rol de incumbencia totalitaria de resolver todo.” Conclui, então, o mestre portenho: “Bueno, yo creo que eso pasó y sigue pasando con el penalista. Tenemos incumbencia en todo.
2 - Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, SP: RT, 5. ed., 1995, p. 2.074.
3 - Por todos, leia-se a excelente obra de Alberto Silva Franco, Crimes Hediondos, SP: RT, 4. ed., 2000.
4 - Natália Oliveira de Carvalho, A Delação Premiada no Brasil, RJ: Editora Lumen Juris, 2009, p. 78.
5 - https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=16323&Id_Cliente=10487
6 - Manual da Inquisição, por Nicolau Eymereco, Curitiba: Juruá, 2001, (tradução de A. C. Godoy).
7 - Hoje, inclusive e principalmente a doutrina estrangeira, prefere a expressão “colaboração processual”, ainda que tal colaboração se dê, também, na fase pré-processual, como informa Eduardo Araújo da Silva (Boletim do IBCCrim. n. 121, dezembro/2002).
8 - Crimes Hediondos, LEUD, 4. ed., p. 126.
9 - Estellita, Heloísa. A delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas reflexões à luz do devido processo legal. Boletim IBCCRIM: São Paulo, ano 17, n. 202, p. 2-4, set. 2009Para nós é tremendamente perigoso que o Direito Positivo de um país permita, e mais do que isso incentive os indivíduos que nele vivem à prática da traição como meio de se obter um prêmio ou um favor jurídico.
10 - Apud Paulo Rangel In: Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 7. ed., 2003, p. 605.
11 - https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=14287&Id_Cliente=10487
12 - Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19. ed. 1991, p. 60.
13 - Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Ano 13, n. 154, setembro/2005, p. 9.
14 - Direito Penal, 4. ed. Tomo. III, p. 140, 1984.
15 - O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 175, junho/2007, p. 11.


Informações bibliográficas:
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A Mais Nova Previsão de Delação Premiada no Direito Brasileiro. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 27 jan. 2012. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2012
 
Fonte: Editora Magister

A Ação Penal No Projeto De Código De Processo Penal

1 Dando seguimento aos estudos que venho fazendo sobre o Projeto de CPP 1, pretendo ocupar-me, agora, a respeito da ação penal. Ela vem tratada no Título III do Livro I, que versa sobre a persecução penal, que, ao lado dos princípios fundamentais, regula, também, a fase preliminar da investigação criminal, em que sobreleva o inquérito policial (art. 8º a art. 44).
2 Assinale-se, desde logo, que, no Projeto, ação penal é versada no art. 45 a art. 52. Como de fácil observação, o Código atual ocupa-se da matéria nos arts. 24 a 62 e tal amplitude se explica, principalmente, porque nele encontram-se vários dispositivos relacionados com a ação penal de iniciativa privada, agora escoimados do Projeto.
Não há mais porque falar, no decorrer da persecução penal, em delitos públicos, semipúblicos e privados.
Nas bases conceituais esposadas no Projeto, como assinala a "Exposição de Motivos", e no estágio atual de desenvolvimento do Direito Penal, não haverá lugar para uma ação penal que esteja à disposição dos interesses do particular, ainda que ele seja a própria vítima. Por tal motivo, se o problema reside em evitar a publicidade em torno do fato basta a adoção da ação penal pública condicionada, posição que, há muito, defendíamos e que veio a ser adotada agora no Projeto. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que se assegura à vítima o direito de representar (sem os inconvenientes da queixa), caso ela não deseje o strepitus fori bastará quedar-se inerte, deixando de provocar a iniciativa do Parquet.
3 A ação penal será sempre pública, facultando a lei a ação pública condicionada à representação da vítima ou de quem tiver qualidade para representá-la (nos termos da lei civil). É mantido o prazo decadencial comum de seis meses, contado do dia em que se identificar a autoria do crime (art. 45 do Projeto).
4 O art. 46 do Projeto, igualmente, prevê novidades. A primeira se situa quando indica os casos em que caberá a ação condicionada à representação. Tal se dá nos "crimes de falência" bem como naqueles praticados contra o patrimônio (material ou imaterial) nas seguintes condições: quando dirigidos exclusivamente contra bens jurídicos do particular ou se levados a efeito sem violência ou grave ameaça contra a pessoa, respectivamente. Algumas observações: a indicação dos crimes feita pela lei no art. 46, não exclui outros casos previstos na lei penal material em que somente se procede mediante representação; outra referência importante é que o dispositivo não se aplica ao crime quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, do Estado ou do Município. Nestes casos, pouco importa as demais circunstâncias, a ação penal será sempre pública incondicionada. Por sinal, o art. 46 deixa claro que os crimes a que se refere sejam dirigidos exclusivamente contra bens jurídicos de particular. Igualmente, vem expresso no § 1º do art. 46 do Projeto que a representação é uma peça informal, não passando de mera autorização para a persecução penal, podendo a vítima dela se retratar até o oferecimento da denúncia. A doutrina e a jurisprudência já haviam, faz muito, consagrado entendimento no sentido da dispensa de formalidades para aquela condição de procedibilidade. Agora, a própria lei o diz. Quanto à parte final do dispositivo, o Projeto mantém o que já consta do art. 25 do CPP.
Problema interessante consiste em saber o momento em que a denúncia é oferecida. Ele se dá, segundo penso, quando a inicial de acusação sai do gabinete do Promotor de Justiça e ingressa no cartório do Juízo onde irá tramitar a ação penal. A data constante da denúncia não vale, por si só, como critério para indicar o seu oferecimento, caso ela não seja encaminhada ao cartório respectivo, através dos registros próprios. Em suma: quando ela ganha publicidade, deixando de ser mera criação intelectual de seu autor.
Outra inovação digna de nota vem contemplada no art. 46, § 2º, do Projeto. Ela faz referência aos crimes indicados no caput do art. 46. Naqueles casos, ainda que já proposta a ação, desde que a lesão seja de menor expressão econômica, a conciliação entre autor do fato (acusado) e a vítima implicará em causa de extinção da punibilidade, desde que fique comprovada a recomposição civil do dano.
Abre-se, aqui, uma exceção ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública, desde que satisfeitas todas as condições referidas no § 2º em exame. Caberá ao juiz, diante do caso concreto, examinar até que ponto a lesão tenha sido de pequena expressão econômica, tendo em conta os diversos fatores que a informam na hipótese.
Aliás, o art. 45, parágrafo único, do Projeto, da mesma forma, previra uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, ao permitir nos casos de ação penal condicionada, em ocorrendo a morte da vítima, o juízo discricionário do Parquet quanto a intentar ou não a demanda.
5 O art. 47 do Projeto contém preceito normativo que toca de perto com o Ministério Público e consagra, sem o dizer expressamente, a viabilidade da investigação direta pelo Parquet. Trata-se da iniciativa de qualquer do povo apresentar ao Ministério Público elementos informativos para o ajuizamento da ação penal pública, não se exigindo qualquer investigação criminal preliminar para o seu exercício. Aqui, ganha sentido uma observação: a iniciativa de qualquer pessoa do povo só tem lugar quando o fato criminoso ensejar a propositura de ação penal pública incondicionada.
6 Ao lado da possibilidade do ajuizamento da ação penal com base na investigação direta levada a efeito pelo próprio Ministério Público, prevê o art. 48 do Projeto a possibilidade da requisição direta de documentos complementares ou de quaisquer "elementos de convicção" para instruir seus procedimentos criminais nos termos do indicado na respectiva Lei Orgânica 2.
Aliás, quem pode o mais, pode o menos. Se o Parquet pode investigar diretamente é mais que evidente que possa requisitar diretamente "quaisquer elementos de convicção" para instruir seus procedimentos criminais. Tal requisição pode ser dirigida não só ao poder público como também a qualquer particular.
7 O art. 49 do Projeto expressa um controle externo quanto à observância do princípio da obrigatoriedade por parte do Ministério Público. Havendo inércia da parte do Parquet, confere-se uma legitimação extraordinária ao particular para a propositura da ação penal. Haverá inércia quando o Ministério Público não intentar a ação nem se manifestar no prazo previsto em lei para fazê-lo. Dá-se, então, a ação penal pública subsidiária. Incumbe salientar que "qualquer do povo" não poderá intentá-la; somente a vítima ou, no caso de sua incapacidade, seu representante legal estará legitimado a atuar. Outra advertência que se impõe registrar é que a ação subsidiária fica sujeita a prazo de decadência (6 meses), contado da data em que se esgotar o prazo do Ministério Público. É importante ter em mira que a decadência só atinge o particular, jamais o Ministério Público. Assim, extinta a punibilidade pela decadência para o particular, o Parquet, a todo tempo, poderá propor a ação penal desde que não sobrevenha outra causa de extinção da punibilidade, como, por exemplo, a prescrição. Não mais poderão agir, movendo a queixa substitutiva, o cônjuge, o ascendente, o descendente ou o irmão tal como ocorre no art. 31 do Código em vigor.
O § 1º do art. 49 do Projeto contempla a hipótese de oferecimento da queixa subsidiária, cogitando também das opções que, em tal circunstância, se abrem ao Ministério Público. Vejamos, por primeiro, o aditamento 3.
Aditar significa somar, acrescer, acrescentar. O ato de aditamento por parte do Ministério Público pode ser objetivo e/ou subjetivo. Ele é objetivo quando o Parquet acrescenta outra infração penal não contida explícita ou implicitamente na queixa ou, ainda, quando agrava o tipo penal noticiado na inicial, mas que nela, da mesma forma, não se encontrava sequer narrado. Exemplo: a queixa cuida de um furto qualificado, mas se omitiu quanto ao crime de desacato que àqueloutro delito se seguiu. O aditamento, aqui, será objetivo. Ou ainda: a queixa trata de um furto simples, mas os autos retratavam um furto qualificado. Também aqui, o aditamento incluindo a qualificadora, será objetivo. Antônio e João cometeram um roubo, porém a exordial da vítima só imputou ao primeiro a conduta típica. Cabe ao Ministério Público aditar a queixa para nela incluir o segundo. Aqui estaremos diante de um aditamento subjetivo. É que o princípio da indivisibilidade é decorrência lógica e insuperável do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.
O aditamento, no regime do projeto, apresenta uma peculiaridade: é que ele só poderá ocorrer "com ampliação da responsabilização penal". Portanto, veda-se o aditamento meramente retificador, desde que ele importe em restrição à acusação antes formulada ainda que defeituosa. É interessante observar que o aditamento ainda vem a ser versado quando da fase da sentença (art. 408, do Projeto). Porém, esta é matéria a ser tratada em sede própria, escapando o seu estudo ao presente momento processual.
Como se fará o aditamento?
Penso que ele deverá obedecer às mesmas exigências da denúncia, pois, uma vez recebido o aditamento, o acusado passará a defender-se do fato narrado pela nova inicial, que conterá, entre outros requisitos, necessariamente, com uma acusação mais grave, havendo, pois, nova causa petendi.
Portanto, quando o Ministério Público adita a queixa substitutiva, assume, sem sombra de dúvida, a posição processual de parte, retomando, desde logo, a sua posição originária. Aliás, tal se dá, igualmente, quando retoma a acusação em caso de negligência do querelante (art. 49, § 2º, do Projeto).
Não cogitou o Projeto do "repúdio à queixa", tal como ocorre no atual art. 29 do CPP. Isto faz com que a queixa recebida poderá merecer aditamento, ou, ainda, sofrerá, se for o caso, indeferimento (art. 253 e seu parágrafo único, do Projeto), sendo, nesta última situação, causa de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 255, I, do Projeto). Agora, uma nota relevante: não havendo resolução de mérito, a ação poderá vir a ser proposta, desde que corrigido o defeito que motivou o seu indeferimento (art. 253, do Projeto).
O parágrafo único do art. 253 do Projeto, contem, ao seu final, ao tratar a respeito da inépcia da denúncia ou da queixa, alusão à "deficiência no seu cumprimento" que importe em dificuldade para o exercício da ampla defesa. Quero crer que houve erro de impressão, pois ao invés de "cumprimento", o legislador pretendeu referir-se ao vocábulo compreensão. Mesmo assim, o art. 253, I, do Projeto já resolveria a questão, uma vez que ocorrendo tal circunstância a peça acusatória seria inepta, acarretando seu indeferimento liminar.
Aludimos acima que o aditamento deverá obedecer às mesmas exigências da denúncia. Tais requisitos são encontrados no art. 258 do Projeto.
Como já escrevi 4, ao comentar o art. 41 do atual CPP, a inicial de acusação, em nosso alvedrio, estaria melhor definida, quanto aos seus requisitos, da seguinte maneira:
I – o juiz ou tribunal a que é dirigida;
II – a qualificação do acusado ou os esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo;
III – o fato imputado ao acusado com todas as circunstâncias;
IV – a classificação da infração penal;
V – o requerimento de citação do réu;
VI – o pedido de condenação ou de pronúncia;
VII – a indicação das provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos;
VIII – o local e a data da denúncia ou queixa;
IX – a assinatura e a identificação do órgão do Ministério Público dotado de atribuição (ou do advogado do próprio querelante, quando revestido de habilitação técnica, nos casos de queixa substitutiva).
O Projeto não previu prazo para o aditamento. Assim, no meu entendimento, o prazo para o acréscimo da acusação deverá ser igual ao necessário para o oferecimento da denúncia (art. 51 do Projeto), pois o aditamento, na realidade, nada mais é que uma acusação acrescida, na forma explicitada acima. É de ser observado que nada impede o aditamento posterior da acusação, já agora no curso da instrução criminal, desde que fato novo venha a exigir a providência.
O art. 49, § 2º, prevê a intervenção necessária do Ministério Público em todos os termos do processo por tratar-se de ação pública, determinando, do mesmo passo, em caso de negligência do querelante, a retomada da acusação pelo Parquet. É que a perempção só ocorre nos casos de ação privada.
Já o § 3º do art. 49 estabelece que a queixa será subscrita por advogado, pois, como é curial, o ingresso das partes em juízo tem que se dar por meio de bacharel em direito inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Além do mais, há uma razão doutrinária para a exigência legal; é que o contraditório, exigido pela Constituição Federal, terá sempre que ser homogêneo, garantindo a paridade de armas entre as partes.
Por outro lado, a queixa, como é natural, sendo a petição inicial da ação penal subsidiária, terá que conter todos os requisitos relativos à denúncia (no que couber, evidentemente). Caso a vítima não disponha de condições para a constituição de advogado, o juiz lhe nomeará um para promover a ação penal. Aqui, no Rio de Janeiro, dispomos de Defensoria Pública para prover aquela circunstância. Estes são os ditames do art. 49, § 3º, do Projeto.
8 Ainda no art. 49, § 1º, ao lado do aditamento, o Projeto previu a ocorrência do oferecimento de denúncia substitutiva sem possibilidade de restringir a imputação originária.
Que vem a ser denúncia substitutiva da queixa?
A lei usou, com inteira propriedade, a locução "denúncia substitutiva" justamente para indicar que a denúncia irá ocupar a posição processual da queixa rejeitada mediante decisão coberta pelo manto da preclusão. Ela passará a ser a nova inicial de acusação, afastando a queixa. É interessante observar a inversão de posições que, novamente, torna a ocorrer em relação à parte autora da ação penal. Com efeito, o Ministério Público é o legitimado ordinário para propor a ação penal pública, até mesmo por imperativo constitucional (art. 129, I da Constituição Federal). Porém, em face da sua inércia (art. 49 do Projeto), vê-se substituído pela vítima ou seu representante legal (legitimado extraordinário), que assume a condição de parte autora. Pois bem: com a denúncia substitutiva, o Parquet readquire, plenamente, aquele posição, retomando a condição de parte principal. Tal se dá, da mesma forma, com o aditamento. No entanto, neste o querelante continua no processo, formando-se, então, um litisconsórcio ativo necessário. Já quando ocorre a denúncia substitutiva, o querelante já foi expungido do processo.
Desnecessário dizer que a denúncia substitutiva deve conter os requisitos formais de uma petição inicial de acusação e, uma vez oferecida, terá, normalmente, que ser recebida mas é pouco provável que o juiz não venha acolhê-la, tendo em conta que se a autoridade judiciária endossou antes as ponderações do Ministério Público é porque entendia incabível a queixa. Porém, caso a denúncia substitutiva venha a ser rejeitada caberá ao Ministério Público recorrer da decisão. O recurso cabível será o de apelação (art. 471, do Projeto). No caso do Ministério Público, o prazo para a interposição do apelo obedecerá a regra constante do art. 137, § 2º, do Projeto.
Ainda em termos de denúncia substitutiva, impõe-se destacar a limitação que veda a possibilidade de redução da imputação constante da inicial acusatória. Parece-me cláusula impossível de ser cumprida, pois, como já registrado, para que a denúncia substitutiva possa ser proposta torna-se necessário que a queixa, na ação penal subsidiária, tenha sido rejeitada mediante decisão protegida pela preclusão. Dessa forma, a queixa não mais subsiste, dando ensejo, agora, ao Parquet a ampla possibilidade de acusar como lhe parecer adequado. É situação diversa do aditamento, pois neste a queixa é, apenas, complementada (7, supra).
9 Há uma inovação constante do art. 50 do Projeto. O referido dispositivo, embora consagrando, como regra geral, o princípio da indisponibilidade da ação penal pública, consequência lógica do princípio da obrigatoriedade, admite seja ele mitigado. A primeira hipótese dá-se no art. 45, parágrafo único, do Projeto. Já tivemos a ocasião de examiná-la (4, supra). Ela ocorre no caso de morte da vítima. É certo que o referido dispositivo está voltado para o princípio da obrigatoriedade, ao usar a expressão a ação penal poderá ser intentada. Ora, a simples referência feita àquele parágrafo, agora ao tratar da indisponibilidade da ação penal (art. 50 do Projeto), bem demonstra que, no caso de morte da vítima nas ações penais condicionadas à representação, a ação penal só ganhará seguimento "a juízo discricionário do Ministério Público". Outra limitação à indisponibilidade vem indicada no art. 46 c/c art. 50 ambos do Projeto. Na verdade, a exceção consta do § 2º do art. 46 do Projeto, ocorrendo nos casos em que a lesão causada seja de pequena expressão econômica, ainda que a ação penal já tenha sido proposta, bem assim que tenha havido conciliação entre o autor do fato e a vítima. Sujeita-se, porém, a uma outra condição: a recomposição civil do dano, desde que devidamente comprovada. Uma vez satisfeitas todas as exigências da lei dar-se-á a extinção da punibilidade. Anote-se, à guisa de complementação, que o § 2º, como é óbvio, subordina-se ao, caput do art. 46 do Projeto. Dessa maneira, só incidirá "nos crimes de falência" e nos delitos "contra o patrimônio, material ou imaterial" desde que a vítima seja o particular e quando praticados sem violência ou grave ameaça contra a pessoa. Que fique bem claro: as exceções a que se refere o art. 50 do Projeto só são admitidas nos casos de ação pública condicionada à representação.
10 O art. 51 do Projeto não traz qualquer novidade expressiva pois cogita dos prazos para o oferecimento da denúncia e deve ser combinado com os arts. 258 e 302, II. Há um dado interessante no art. 51, parágrafo único, ele não mais se refere a inquérito policial mas sim à investigação preliminar. Dessa maneira, qualquer peça de investigação revestida de idoneidade serve como suporte fático para a acusação, inclusive, evidentemente, a chamada investigação direta levada a efeito pelo Ministério Público.
11 O Título III, "da Ação Penal", ganha encerramento com regramento que não merece qualquer comentário especial por ser tradicional em nosso direito processual (art. 52 do Projeto). No entretanto, fora dele, mais precisamente no art. 256, II do Projeto, contém conotação doutrinária interessante, ao examinar as causas de extinção do processo. Registra que a extinção da punibilidade é causa da extinção do processo com resolução de mérito, em qualquer tempo e grau de jurisdição.
12 Quais são as principais novidades trazidas para o Projeto, no Título III, do Livro I, quando ele se ocupa da ação penal (art. 45 a art. 52)?
12.1 O fim da ação de iniciativa privada, substituída, com vantagem, pela ação penal pública condicionada à representação, posição que sempre defendemos em diversas oportunidades. Era, de fato, condenável a sua total disponibilidade, dando à vítima irrefreável controle sobre a queixa.
12.2 Em consequência do exposto (12.1) a ação penal será sempre pública.
12.3 No caso de morte da vítima, a ação penal condicionada poderá ser intentada a juízo discricionário do Ministério Público. Mitiga-se, destarte, o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Haverá, assim, da parte do Parquet uma apreciação a respeito da conveniência ou não da propositura da ação penal.
12.4 Cria-se um novo e esdrúxulo prazo de decadência. O primeiro, comum de 06 (seis) meses, contado do dia em que se identificar a autoria do crime (art. 45 do Projeto) e o segundo quando, concluídas as investigações, a vítima for intimada para, no prazo de 30 (trinta) dias, ratificar a representação, sob pena de decadência (art. 46, § 3º do Projeto). Torna-se evidente que tal só se dará nos casos de ação condicionada.
12.5 Não mais se cogita da requisição como condição de procedibilidade (art. 45 do Projeto), ao contrário do que dispõe o atual art. 24 do CPP.
12.6 O princípio da indisponibilidade da ação penal pública também comporta exceção, em consonância com o que ocorre com o princípio da obrigatoriedade (12.3) conforme atesta o art. 50 do Projeto. Como não poderia deixar de ser a indisponibilidade da ação penal pública continua sendo a regra geral (3 e 9 supra).
12.7 É assegurada a investigação direta do Ministério Público, sem a exigência, portanto, do inquérito policial ou de qualquer outra investigação (5, supra).
12.8 É mantida a ação penal subsidiária nos casos de inércia do Ministério Público (art. 49 do Projeto), especificando a lei que somente a vítima ou seu representante legal poderá intentá-la, excluindo peculiaridades que constavam do art. 29 do CPP (7 e 8 supra).
13 São estas algumas despretenciosas anotações que tínhamos a fazer em relação às modificações ocorridas no Projeto de CPP, em elaboração nas Casas Legislativas, no que respeita à ação penal.
NOTAS
1 - O atual Projeto de CPP (originário do Senado Federal, nº 156, de 2009) resultou do Anteprojeto de CPP elaborado pela comissão presidida pelo Ministro Hamilton Carvalhido, tendo como Secretário-Geral, Eugênio Pacelli de Oliveira, e como demais integrantes: Antônio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho Júnior, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral.
2 - No MP do Estado do Rio de Janeiro vide a Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e Lei Complementar nº 106/03 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro).
3 - Dados colhidos, em parte, do meu estudo “A queixa subsidiária – Questões Controversas” In: “Revista da AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil”, ano 18, nº 62, julho-setembro, 1999.
4 - A Técnica da Denúncia, in “Revista da Emerj – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro”, volume 5, n. 19, p. 207 e seguintes, 2002.


Informações bibliográficas:
HAMILTON, Sergio Demoro. A Ação Penal No Projeto De Código De Processo Penal. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 15 fev. 2012. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2012.