sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Editora deve indenizar consumidor por propaganda enganosa

A 4ª câmara Cível do TJ/MA condenou a editora Larousse a indenizar um consumidor em R$ 4 mil, a título de danos morais, por divulgar mensagem publicitária enganosa em capa de dicionário, fazendo o apelante acreditar que estava pagando pela aquisição de um dicionário atualizado pela reforma ortográfica, quando vários vocábulos não observavam a nova regra.
 
O desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, relator do processo, entendeu que houve crime contra as relações de consumo. Segundo ele, a conduta da apelada violou "os deveres laterais de informação, esclarecimento e lealdade, todos decorrentes da incidência da cláusula geral da boa-fé objetiva".
O magistrado também considerou "a frustração de expectativa do apelante, que além de perder a confiança nos produtos da marca Larousse, viu-se ludibriado na sua boa-fé e induzido a erro de informação educacional junto com sua família".
  • Processo: 7211-22.2009.8.10.0001
Veja a íntegra da decisão.
__________
QUARTA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL nº 7211-22.2009.8.10.0001 (1.787/2012 – São Luís)
Relator: Desembargador Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA
Revisor: Desembargador José STÉLIO Nunes MUNIZ
Apelante: H.M.C.F.
Advogados: Dra. Lilian Theresa R. Mendonça e outro
Apelada: Larousse do Brasil Participações Ltda.
Advogada: Dra. Regiane Araújo Baisso
Acórdão
EMENTA – FIXAÇÃO DO QUANTUM. JUÍZO DE PROPORCIONALIDADE. MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. 1. Merece ajuste a sentença que, após reconhecer a problemática surgida na fixação do quantum indenizatório, não sai do plano da abstração e das observações teórico-doutrinárias, deixando de fazer o juízo de proporcionalidade entre a gravidade do fato tido por antijurídico e o dano reclamado. 2. Indenização que deve ser majorada para melhor atender a equidade individualizadora do caso concreto. 3. Apelo conhecido e provido. Unanimidade.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Senhores Desembargadores da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por votação unânime, em conhecer, de acordo com o parecer da PGJ, e dar provimento ao Recurso. E por maioria, a Câmara deliberou pelo envio de cópia dos autos ao Ministério Público, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Participaram do julgamento, além do Relator, os Senhores Desembargadores José STÉLIO Nunes MUNIZ e Diva Maria de Barros Mendes (Juíza convocada).
Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Cezar Queiroz Ribeiro
São Luís (MA), 21 de agosto de 2012.
Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA
Relator
RELATÓRIO – Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA (relator): Trata-se de Apelação (ApCív) interposta contra sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Cível da Capital, que condenou a Apelada ao pagamento de R$ 2 mil a título de reparação por dano moral, por entender que houve vício no produto adquirido pelo Apelante, determinando, ainda, a restituição do preço pago (fls. 75/78).
Em suas razões, o Apelante devolve para o Tribunal, em síntese, a alegação de que a sentença não considerou a gravidade do fato, a capacidade financeira da Recorrida, o perfil social do atingido e o caráter pedagógico da medida, fixando indenização irrisória. Com isso, pede o provimento do Apelo com vistas à majoração do quantum indenizatório (fls. 81/85).
Sem contrarrazões (fl. 108).
Parecer Ministerial é apenas pelo conhecimento da ApCív (fls. 96/97).
É o relatório.
VOTO – Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA (relator): Presentes os requisitos intrínsecos de admissibilidade, concernentes ao cabimento, legitimidade e interesse recursal, assim como os pressupostos extrínsecos relativos à tempestividade, regularidade formal e preparo, conheço do Recurso.
O Recurso devolve apenas o redimensionamento do valor da indenização.
E nesse ponto, a decisão contraria não só o disposto no art. 944 do CC, como, acima de tudo, a regra matriz do art. 93, IX da CF e o princípio da livre convicção motivada inserto no art. 131 do CPC, à medida que não oferece fundamentação concreta sobre os fatos e circunstâncias do caso constantes dos autos.
Com efeito, o Juiz, após reconhecer a problemática surgida na fixação do quantum indenizatório, não sai do plano da abstração e das observações teórico-doutrinárias acerca da matéria, sem adentrar na análise concreta sobre o juízo de proporcionalidade entre a gravidade do fato tido por antijurídico e o dano reclamado, como impõe o enunciado do art. 944 do CC.
Nesse contexto, tenho que o montante indenizatório fixado pelo Juízo não considera adequadamente a gravidade da conduta da Apelada, que violando os deveres laterais de informação, esclarecimento e lealdade, todos decorrentes da incidência da cláusula geral da boa-fé objetiva (CC, art. 422 e CDC, art. 4º III), divulgou mensagem publicitária enganosa (CDC, art. 37 §1º) na capa de seu produto (fl. 10), fazendo o Apelante acreditar que estava pagando pela aquisição de um dicionário atualizado pela reforma ortográfica, quando vários vocábulos não observavam a nova regra.
Considerando, ademais, a frustração de expectativa do Apelante, que além de perder a confiança nos produtos da marca Larousse, viu-se ludibriado na sua boa-fé e induzido a erro de informação educacional junto com sua família, circunstância agravada pelo fato de ser ele escritor com obras publicadas (fl. 29), majoro o valor da indenização pelo dano moral puro, incluindo valor de desestímulo contra novas práticas do gênero, para R$ 4 mil, montante que entendo melhor atender a equidade individualizadora do caso concreto (CC, art. 944).
Nenhuma outra circunstância pode ser levada em conta para a majoração, seja porque extrapola as funções da responsabilidade civil, seja porque não foi objeto de prova específica em audiência de instrução.
Ante o exposto, conheço, de acordo com o Parecer Ministerial, e dou provimento ao Recurso para, reformando em parte a sentença, majorar o valor da indenização para R$ 4.000,00 (quatro mil reais), nos termos da fundamentação supra.
Por último, verificando a existência de crime contra as relações de consumo (CDC, art. 66 c/c Lei 8.137/90, art. 7º), cuja ação penal é de natureza pública, determino, ex vi do art. 40 do CPP, a remessa de cópia integral dos autos ao Ministério Público para tomar as medidas legais que eventualmente entender cabíveis.
É como voto.
São Luís (MA), 21 de agosto de 2012.
Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA
Relator


terça-feira, 21 de agosto de 2012

A Bíblia não é mais a mesma

Professor de Ciências das Religiões encontra erros nas traduções bíblicas que alteram o sentido dos ensinamentos sagrados

Nordestino de Alagoas-Grande (PB), Severino Celestino da Silva saiu de casa aos 13 anos com um pedaço de pão no bolso para procurar emprego na capital, João Pessoa. Sabia a missa decorada em latim e, por isso, conseguiu vaga para ser coroinha. Era a garantia de uma refeição por dia. Convidado pelo bispo local, foi para um seminário aprender o ofício de padre, mas foi expulso por não ter como pagar. Dormiu na rua e foi trocador de ônibus, mas nunca parou os estudos. Aos 18, passou no vestibular de medicina da Universidade Federal da Paraíba, (UFPB). Sem ter como comprar os livros, trancou a faculdade e foi para São Paulo tentar ganhar dinheiro. Trabalhou durante nove meses em uma loja de tecidos, juntou o suficiente e voltou para João Pessoa, onde trocou a faculdade de medicina pela de odontologia. Formado, deu aulas para se sustentar durante o mestrado e o doutorado em odontologia e cirurgia bucomaxilar.

Sempre interessado pelas religiões, estudou grego, hebraico e aramaico. É doutor em teologia e dá aulas de judaísmo, islamismo, cristianismo e espiritismo no curso de doutorado em Ciências das Religiões da UFPB. Identificou erros importantes de tradução e interpretação nas traduções bíblicas para o português. O estudo gerou o livro ? Analisando as Traduções Bíblicas?, da Editora Idéias. Erros como o do popular Salmo 23 e alterações deliberadas no texto que chegam a condenar outras religiões.
 
Em rápida estada em Brasília, o professor Severino concedeu a seguinte entrevista ao Na Prática. 
 
Ao pegar uma Bíblia para ler, posso confiar no que estou lendo? 
 
Lamentavelmente não é confiável. Eu trabalho há 42 anos procurando a essência das mensagens bíblicas. Tenho 22 bíblias em português, além das traduções em grego, hebraico e latim e existem diferenças marcantes de uma bíblia pra outra, algumas conflitantes. 
 
No Salmo 19, versículo 8, por exemplo, temos as seguintes traduções: ? A lei do senhor é perfeita, reconforta a alma?, ? A lei do senhor é perfeita, refrigera a alma?, ?A lei do senhor é perfeita e faz a vida voltar?, ? A lei do senhor é perfeita, dá a vida?, ?O ensinamento do senhor é perfeito, dá a respiração?. 
 
No original em hebraico está escrito: ?O ensinamento (ou revelação) de Deus...?, Javeh é a palavra. E significa Deus e não senhor. Foram os tradutores gregos que incluíram a palavra senhor no lugar da palavra Deus. ?... porque promove o retorno do espírito?. E esse é só um exemplo. Tem o salmo 23 que é belíssimo e todo mundo conhece. 
 
Ele diz: ?O Senhor é meu pastor...??...e nada me faltará? Essa é a tradução que todo mundo conhece, mas o que o rei David disse foi ? O Senhor é meu pastor e não me faltará?. Ou seja, Deus não vai nos dar coisas materiais, mas o sentido correto é que Deus nos acompanha sempre. E assim vai. Do Gênese ao Apocalipse tem erros como esse. Esses erros são apenas de tradução ou de interpretação também? Ambos. 
 
Quando eu finalizo um trabalho, peço o crivo de um especialista em hebraico para verificar se minha tradução não foi equivocada e, dentro da lingüística hebraica, faço as correções necessárias. Mas a maioria da população não conhece o hebraico. Existe alguma tradução mais próxima da original? Sim. Existe uma bíblia chamada ?A Bíblia de Jerusalém?, que é uma tradução feita por católicos e protestantes. Ela, em quase sua totalidade é fiel ao texto original. E é interessante porque contém todos os livros dos três tipos de bíblias conhecidas: a judaica, a católica e a protestante, ou seja, ela é uma bíblia, além de melhor traduzida, mais completa. Existe algum desvirtuamento proposital nas traduções, algo que é uma modificação e não um erro de interpretação? Infelizmente sim. 
 
A maioria das religiões atuais adapta suas traduções para suas crenças. A mais surpreendente para mim foi a supressão do que os judeus chamam de transmigração das almas. O profeta Malachias disse que Elias haveria de voltar. Jesus, por sua vez, disse que dentre os filhos de mulher (a decendência religiosa para os judeus vem pela mãe, então a expressão filhos de mulher significa judeus) não houve nenhum maior que João e que ele era o Elias que haveria de voltar. A maioria das traduções modifica essa passagem. No Gênese, a tradução original é ? E Deus criou o Homem...?, dando o sentido de humanidade e não um homem que antecedeu uma mulher. E continua com ?...e lhe deu um sopro de vidas? no plural, porque a palavra haim no hebraico não possui singular. É a mesma usada por David no salmo 23 quando diz ? Bondade e benevolência nos seguirão todos os dias das minhas vidas? com o mesmo haim, no plural. Então, o princípio de que temos várias vidas, como os judeus acreditam, está textualmente na Bíblia. Mas em muitas religiões essa é uma idéia atribuída a Satanás. Interessante falar nisso. Em hebraico a palavra satã significa tão somente alguém que se opõe a uma idéia. Nada de figuras de chifres e rabos, apenas opositores. Se sou flamenguista e você vascaíno, e os times se enfrentam, somos o satã um do outro naquele momento. E Lúcifer? Pura fantasia. No livro de Daniel 14:12 é onde está a profecia da queda do rei Nabucodonosor. Lá está escrito que a estrela luz filha da manhã cairá, e a partir daí surgiu a fantasia ou a lenda de que era um anjo do céu que se rebelou contra Deus.Mudando um pouco de assunto. O que fazer nos dias de hoje? Devemos, ao ler a Bíblia, analisar os textos literalmente e seguir, para os que crêem, literalmente? De forma alguma. É preciso, ao ler o texto bíblico, avaliar três pontos básicos. Quando, para quem e por que foi escrito. É preciso contextualizar, entender a história daquele povo e o que vivia naquele momento. Mas isso não diminui os ensinamentos, há o que os judeus chamam de sentido midrástico, que é contar uma história e nela conter os maiores ensinamentos necessários, e que atravessa os tempos, pois diz respeito à humanidade. É o que Jesus fazia. 
 
Esses equívocos de tradução e interpretação influenciaram na evolução da humanidade? Atrapalham? O mais importante é que a Bíblia é um livro de conduta, um livro de moral. Não condena ninguém, nem nenhum grupo tal ou qual. Então mesmo alguns desvios causados pela interpretação literal são menos importantes que o ensinamento moral. E o principal ensinamento, a meu ver, é que podemos amar uns aos outros apesar das diferenças.E qual o caminho? A Torá e o Talmud dizem que o universo se sustenta em três bases. O ensinamento divino (amor), a justiça e a paz. Se o mundo buscasse esses três conceitos a gente iria se entender perfeitamente. Amor, justiça e paz. Precisa de religião pra isso?
 
Publicado em 26/09/2006

 http://www.iesb.br/moduloonline/napratica/?fuseaction=fbx.Materia&CodMateria=86

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Falsa paternidade biológica gera indenização

A 6ª turma Cível do TJ/DF condenou uma mulher a indenizar o ex-companheiro, por danos materiais e morais, em razão da ilegítima paternidade da filha a ele atribuída. A decisão foi unânime.

As partes viveram em união estável por dois anos e a criança nasceu no período dessa convivência. Após o fim da união estável, exame de DNA comprovou a falsa paternidade biológica do autor, que, diante disso, ingressou com ação de ressarcimento integral de todos os gastos efetuados durante a constituição da união estável. Além disso, requereu indenização por danos morais, em razão da infidelidade e da ilegítima paternidade, ao argumento de que a ré sempre agiu com má-fé por ter omitido a verdadeira paternidade da criança.

A relatora afirmou não ser cabível a condenação ao ressarcimento pelos gastos efetuados na vida em união estável - tais como o pagamento de aluguel e condomínio da moradia do casal, compra de roupas e sapatos para a ré - porque motivados por valores sentimentais que afastam as alegações de danos emergentes ou enriquecimento ilícito. Para a magistrada, admitir a devolução do que gastou, enquanto conviveu com a pessoa a quem destinou sublime sentimento, é criar o direito subjetivo de ressarcimento de valores econômicos toda vez que o valor sentimental, ético ou moral desaparecer. 

Entretanto, entendeu que há dever de ressarcir os gastos empreendidos com a menor (como plano de saúde, mensalidades escolares, consultas pediátricas e compra de mobiliário infantil) em razão do ato ilícito voluntário da ré ao omitir a verdadeira paternidade da criança e atribuí-la ao autor. 

Quanto ao dano moral na omissão da verdadeira paternidade da filha, os julgadores entenderam que foram violados os deveres de lealdade e respeito exigidos dos companheiros em união estável. Dessa forma, reconhecida a ilicitude do ato, o Colegiado condenou a ré a devolver os valores gastos com a menor, totalizando R$ 8.872,62, e a indenizar o ex-companheiro em danos morais fixados em R$ 10 mil, acrescidos de correção monetária e juros de mora.

Deus não vai perguntar...

Deus não vai perguntar que tipo de carro você costumava dirigir, mas vai perguntar quantas pessoas que necessitavam de ajuda você transportou.

Deus não vai perguntar qual o tamanho da sua casa, mas vai perguntar quantas pessoas você abrigou nela.

Deus não vai fazer perguntas sobre as roupas do seu armário, mas vai perguntar quantas pessoas você ajudou a vestir.

Deus não vai perguntar o montante de seus bens materiais, mas vai perguntar em que medida eles ditaram sua vida.

Deus não vai perguntar qual foi o seu maior salário, mas vai perguntar se você comprometeu o seu caráter para obtê-lo.

Deus não vai perguntar quantas promoções você recebeu, mas vai perguntar de que forma você promoveu outros.

Deus não vai perguntar qual foi o título do cargo que você ocupava, mas vai perguntar se você desempenhou o seu trabalho com o melhor de suas habilidades.

Deus não vai perguntar quantos amigos você teve, mas vai perguntar para quantas pessoas você foi amigo.

Deus não vai perguntar o que você fez para proteger seus direitos, mas vai perguntar o que você fez para garantir os direitos dos outros.

Deus não vai perguntar em que bairro você morou, mas vai perguntar como você tratou seus vizinhos.

E eu me pergunto: que tipo de respostas terei para dar?

Você quer ser feliz por um instante? Vingue-se.

Você quer ser feliz para sempre? Perdoe!

Whit Criswell

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Breves considerações sobre a atualidade da sociologia do Direito

A sociologia do Direito é disciplina que estuda as diversas relações possíveis entre o Direito e a sociedade. O Direito, enquanto acontecimento social abre-se para uma variedade de análises e perspectivas, dentre as quais a compreensão dos hábitos e práticas sociais. Por sua vez, a sociologia procura investigar, a partir do Direito, os liames constitutivos das relações sociais, através da observação clínica da teia de redes sociais e nichos urbanos. 

Sendo o Direito um produto da razão prática, que infere a partir dos fins da ordem da realidade o conjunto dos bens humanos básicos que orientam e hierarquizam moralmente a sociedade humana, serve também como padrão de racionalidade segundo o qual a avaliação dos bens humanos pode ser realizada desde a continuidade dos hábitos sociais. Em sociedades virtuosas há uma compreensão generalizada dos bons hábitos. A consciência moral extrai da realidade dos bons hábitos e costumes, valores e virtudes coerentes com a ordem natural que lhes antecede, permitindo, assim, que os seres humanos possam viver em clima permanente de vida boa. Ademais, a objetividade dos atos humanos é a própria atualidade dessa consciência moral, produtora da ordem política e social. A velha analogia entre a ordem natural e a ordem social, cujo epicentro reside na racionalidade prática e na alma aberta do ser humano, faz cada vez mais sentido a partir do fato de que os seres humanos engajados externam suas boas consciências em ações concretas que conduzem a totalidade da sociedade ao bem comum político.

Nesse diapasão, a sociologia do Direito busca investigar a ordem jurídica não desde o campo das normas e diplomas legislativos, senão desde a própria prática dos bons hábitos e costumes, substrato ativo das instituições e valores sociais. A sociologia jurídica, portanto, debruça-se sobre a realidade das experiências humanas em sociedade para decifrar, a partir da existência histórica, os efeitos positivos e negativos das ações sociais, isto é, entre o que é adequado à ordem e o que não é. Procura a sociologia, assim, extrair da realidade existencial o arcabouço racional correspondente à ordem natural e, assim, à própria substância do Direito.

Com o advento da era moderna e sua cosmovisão radical a qualquer essencialidade, a cultura de massas e o establishment científico acabaram por reduzir todo o conteúdo do Direito a fórmulas ideais e diplomas constituídos a partir de premissas lógico-científicas, voltadas para o próprio fechamento metodológico e o encerramento de suas justificativas lógicas. Assim, cada vez mais, a sociologia viu-se afastada do Direito, já com que ele não guardava outra relação senão a de mero expectador de sua efetividade, desconectado de sua ordem constitutiva e com ela nada possuindo de essencialmente comum. O caminho, assim, foi conceber uma nova forma de investigação da sociedade do ponto de vista jurídico: tratá-la como uma máquina de engenharia, mecanizada, absolutamente submissa a esquemas mentais teóricos inventados à imagem e semelhança dos projetos de poder de seus criadores, bem como alheia a qualquer extração possível da realidade da experiência.

Ora, sendo a realidade existencial um campo aberto e variado de possibilidades investigativas, nada mais restara à sociologia do Direito senão afastar seu âmbito de investigação de qualquer reconhecimento inteligível de uma ordem natural anterior à ordem social e política, concebendo-se, assim, como decorrente de uma cosmovisão em que a ordem social é posta por criadores políticos, que se valem soberanamente do ato de decisão fundamental para instituir essa “ordem”. Por essa razão, criara-se uma onda de desconfiança e descontentamento frente à sociedade, concebendo-a como um plasmado agrupamento amorfo, sujeito às fórmulas teóricas criadas com o objetivo de refletir essa desconfiança e, por assim dizer, esse descontentamento com o mundo. A nova tarefa da sociologia do Direito, assim, seria a de limpar as arestas de campos metodológicos alheios à investigação social e reconhecer, de uma vez para sempre e com vistas à “verdade” que o único caminho possível é o da investigação substancialmente ideológica, dizendo, com todas as letras, que o Direito é uma ideologia e, como tal, um projeto de poder como qualquer outro. Nesse sentido, a sociologia do Direito passa a ser o campo de investigação voltado para decifrar tudo o que as demais disciplinas não o fizeram: reconhecer que tudo é ideologia e, assim, vontade de poder. A desconfiança dá assento ao estado de alienação e, dessa forma, transforma o Direito na vítima (e não mais em objeto de investigação) da sociologia e de seus arautos. O Direito é ideologia e, como tal, só pode ser explicado pelo olhar da desconfiança e não pelo reconhecimento de suas premissas axiológicas. É colocada por terra toda e qualquer alusão a ordem natural, bem como sua sucessora: a crença no positivismo mitigado. Com a expansão do marxismo e suas pretensões redentoras, a sociologia do Direito encontra-se na ante-sala do paraíso terrestre imanente, como fórmula universal de explicação sobre a totalidade da sociedade a partir de seu órgão diretivo e de seus centros decisórios. O objeto de investigação, que fora a ordem natural ou, recentemente, o sistema jurídico positivo, agora se transfigura em uma análise quantitativa dos instrumentos de “opressão e controle” em larga escala. Com o apreço da sociologia “geral” pelo estudo da chamada “sociedade de massas”, restou para a sociologia jurídica o caminho fácil de verificar e analisar mecanismos de controle social e fiscalização de ações humanas espontâneas.
O caminho recente da sociologia do Direito, portanto, aponta para a redução cada vez maior de seus postulados científicos a clichês e fórmulas ideais, pretendentes em explicar a universalidade dos fatos sociais a partir de esquemas montados por profetas científicos. Sim, os profetas da sociedade moderna, do ponto de vista jurídico, são os "sociólogos do Direito".
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* Marcus Boeira é coordenador-geral de Programas de Especialização (PML) do CEU-IICS Escola de Direito


Empresa que controlava tempo de uso de banheiro indeniza empregada

Uma operadora de telemarketing que tinha controlado o tempo nas idas ao banheiro receberá R$ 20 mil a título de indenização por danos morais. A empresa advertia os funcionários que ultrapassassem o limite de cinco minutos para utilização do sanitário durante o expediente. A empregada era responsável pela venda de linhas de telefone por meio de atendimento telefônico.

O controle de idas ao banheiro por parte do empregador, em detrimento da satisfação das necessidades fisiológicas do empregado, pode configurar prejuízo à sua integridade. Foi com esse entendimento que por unanimidade, a 6ª turma do TST deu provimento a recurso da operadora sob o entendimento de que a restrição de uso de banheiros por parte do empregador, em detrimento da satisfação das necessidades fisiológicas do empregado, pode configurar lesão à sua integridade.

Sob o mesmo entendimento, a 1ª vara do Trabalho de Curitiba/PR havia condenado a empresa a pagar a indenização por dano moral. Inconformada, a empregadora recorreu ao TRT da 9ª região, que excluiu a indenização por dano moral, pois entendeu que a restrição do uso do banheiro está inserida no poder diretivo do empregador e que os cinco minutos impostos eram razoáveis para a utilização do banheiro.

No TST, a trabalhadora afirmou que o procedimento do empregador excedeu o limite do seu poder diretivo, violando, assim, o princípio da dignidade da pessoa. De acordo com a relatora, ministra Kátia Magalhães Arruda, que adotou jurisprudência já firmada pela Corte, houve violação ao artigo 5º, incisos V e X da CF/88, pois a conduta da empresa para com seus funcionários configurou prejuízo à integridade, o que "enseja indenização por dano moral".
Veja a íntegra do acórdão.


SÍNDROME DE VÍTIMA: A INCAPACIDADE DE ACEITAR O MUNDO COMO ELE É

Todo o comportamento humano decorre da concepção que nós temos da realidade e nessa realidade existem dois pólos bastante distintos: aquilo que nós somos e aquilo que nos cerca. Nossa postura na vida depende do modo como estabelecemos essa relação: a relação entre nós e os outros, entre nós e os membros da nossa família, entre nós e outros membros da sociedade, entre nós e as coisas, entre nós e o trabalho, entre nós e a realidade externa.
A nossa maneira de sentir e de viver depende de como cada um de nós interioriza a relação entre essas duas partes da realidade. E uma das formas que aprendemos de nos relacionarmos com os outros é a postura que designamos por vítima.
O que é a vítima? A vítima é a pessoa que se sente inferior à realidade, é a pessoa que se sente esmagada pelo mundo externo, é a pessoa que se sente desgraçada face aos acontecimentos, é aquela que se acostuma a ver a realidade apenas em seus aspectos negativos. Ela sempre sabe o que não deve, o que não pode, o que não dá certo. Ela consegue ver apenas a sombra da realidade, paralelo a uma incrível capacidade para diagnosticar os problemas existentes.
Há nela uma incapacidade estrutural de procurar o caminho das soluções e, neste sentido, ela transfere os seus problemas para os outros; transfere para as circunstâncias, para o mundo exterior, a responsabilidade do que está lhe acontecendo.
Esta é a postura da justificativa. Justificar-se é o sinal de que não queremos mudar. Para não assumirmos o erro, justificamo-nos, ou seja, transformamos o que está errado em injusto e, de justificativa em justificativa, paralisamo-nos, impedimo-nos de crescer.
A vítima é incompetente na sua relação com o mundo externo. Enquanto colocarmos a responsabilidade total dos nossos problemas em outras pessoas e circunstâncias, tiraremos de nós mesmos a possibilidade de crescimento. Em vez disso, vamos procurar mudar as outras pessoas.
Este tipo de postura provém do sentimento de solidão. É quando não percebemos que somos responsáveis pela nossa própria vida, por seus altos e baixos, seu bem e seu mal, suas alegrias e tristezas; é quando a nossa felicidade se torna dependente da maneira como os outros agem.
E como as pessoas não agem segundo nosso padrão, sentimo-nos infelizes e sofredores. Realmente, a melhor maneira de sermos infelizes é acreditarmos que é à outra pessoa que compete nos dar felicidade e, assim, mascaramos a nossa própria vida frente aos nossos problemas.
A postura de vítima é a máscara que usamos para não assumirmos a realidade difícil, quando ela se apresenta.
É a falta de vontade de crescer, de mudar‚ escondida sob a capa da aparição externa. Essa é uma das maiores ilusões da nossa vida: desejarmos transferir para a realidade que não nos pertence, sobre a qual não possuímos nenhum controle, as deficiências da parte que nos cabe. Toda relação humana é bilateral: nós e a sociedade, nós e a família, nós e o que nos cerca.
O maior mal que fazemos a nós próprios é usarmos as limitações de outras pessoas do nosso relacionamento para não aceitarmos a nossa própria parte negativa.
Assim, usamos o sistema como bode expiatório para a nossa acomodação no sofrimento. A vítima é a pessoa que transformou sua vida numa grande reclamação. Seu modo de agir e de estar no mundo é sempre uma forma queixosa, opção que é mais cômoda do que fazer algo para resolver os problemas. A vítima usa o próprio sofrimento para controlar o sentimento alheio; ela se coloca como dominada, como fraca, para dominar o sentimento das outras pessoas.
O que mais caracteriza a vítima é a sua falta de vontade de crescer. Sofrendo de uma doença chamada perfeccionismo, que é a não aceitação dos erros humanos, a intolerância com a imperfeição humana, a vítima desiste do próprio crescimento. Ela se tortura com a idéia perfeccionista, com a imagem de como deveria ser, e tortura também os outros relativamente àquilo que as outras pessoas deveriam ser.
Há na vítima uma tentativa de enquadrar o mundo no modelo ideal que ela própria criou, e sempre que temos um modelo ideal na cabeça é para evitarmos entrar em contato com a realidade. A vítima não se relaciona com as pessoas aceitando-as como são, mas da maneira que ela gostaria que fossem.
É comum querermos que os outros sejam aquilo que não estamos conseguindo ser, desejar que o filho, a mulher e o amigo sejam o que nós não somos.
Colocar-se como vítima é uma forma de se negar na relação humana. Por esta postura, não estamos presentes, não valemos nada, somos meros objetos da situação. Querendo ser o todo, colocamo-nos na situação de sermos nada. Todavia, as dificuldades e limitações do mundo externo são apenas um desafio ao nosso desenvolvimento, se assumirmos o nosso espaço e estivermos presentes.
Assim, quanto pior for um doente, tanto mais competente deve ser o médico; quanto pior for um aluno, mais competente deve ser o professor.
Assim também, quanto pior for o sistema ou a sociedade que nos cerca, mais competentes devemos ser com pessoas que fazem parte desta sociedade; quanto pior for nosso filho, mais competentes devemos ser como pai ou mãe; quanto pior for a nossa mulher, mais competentes devemos ser como marido; quanto pior for nosso marido, mais competentes devemos ser como esposa, e assim por diante.
Desta forma, colocamo-nos em posição de buscar o crescimento e tomamos a deficiência alheia como incentivo para nossas mudanças existenciais.
Só podemos crescer naquilo que nós somos, naquilo que nos pertence. A nossa fantasia está em querermos mudar o mundo inteiro para sermos felizes. Todos nós temos parte da responsabilidade naquilo que está ocorrendo.
Não raras vezes, atribuímos à sociedade atual, ao mundo, a causa de nossas atribulações e problemas. Talvez seja esta a mais comum das posturas da vítima: generalizar para não resolver.
Os problemas da nossa vida só podem ser resolvidos em concreto, em particular. Dizer, por exemplo, que somos pressionados pela sociedade a levar uma vida que não nos satisfaz, é colocar o problema de maneira insolúvel.
Todavia, perguntar a nós mesmos quais são as pessoas que concretamente estão nos pressionando para fazer o que nos desagrada, pode ajudar a trazer uma solução. Só podemos lidar com a sociedade em termos concretos, palpáveis.
Conforme nos relacionamos com cada pessoa, em cada lugar, em cada momento, estamos nos relacionando com a sociedade, porque cada pessoa específica, num determinado lugar e momento, é a sociedade para nós naquela hora.
Generalizamos para não solucionarmos, e como tudo aquilo que nos acontece está vinculado à realidade, todas as vezes que quisermos encontrar desculpas para nós basta olhar a imperfeição externa.
Colocar-se como vítima é economizar coragem para assumir a limitação humana, é não querer entender que a morte antecede a vida, que a semente morre antes de nascer, que a noite antecede o dia. A vítima transforma as dificuldades em conflito, a sua vida num beco sem saída. Ser vítima é querer fugir da realidade, do erro, da imperfeição, dos limites humanos. Todas as evidências da nossa vida demonstram que o erro existe, existe em nós, nos outros e no mundo. Neurótica é a pessoa que não quer ver o óbvio.
A vítima é uma pessoa orgulhosa que veste a capa da humildade. O orgulho dela vem de acreditar que ela é perfeita e que os outros é que não prestam. Crê que se o mundo não fosse do jeito que é‚ se sua esposa não fosse do jeito que é‚ se seus filhos não fossem do jeito que são, se o seu marido fosse diferente, ela estaria bem, porque ela, a vítima, é boa, os outros é que têm deficiências, apenas os outros têm que mudar.
A esse jogo chama-se o "Jogo da Infelicidade". A vítima é uma pessoa que sofre e gosta de fazer os outros sofrerem com o sofrimento dela, é a pessoa que usa suas dificuldades físicas, afetivas, financeiras, conjugais, profissionais, não para crescer, mas para permanecer nelas e, a partir disso, fazer chantagem emocional com as outras pessoas.
A vítima é a pessoa que ainda não se perdoou por não ser perfeita e transformou o sofrimento num modo de ser, num modo de se relacionar com o mundo.

É como se olhasse para a luz e dissesse:
"Que pena que tenha a sombra...",
é como se olhasse para a vida e dissesse: "Que pena que haja a morte...",
é como se olhasse para o sim e dissesse: "Que pena que haja o não...".
E se nega a admitir que a luz e a sombra são faces de uma mesma moeda, que a vida é feita de vales e de montanhas.
Não são as circunstâncias que nos oprimem, mas, sim, a maneira como nos posicionamos diante delas, porque nas mesmas circunstâncias em que uns procuram o caminho do crescimento, outros procuram o caminho da loucura, da alienação. As circunstâncias são as mesmas, o que muda é a disposição para o alvorecer e para o desabrochar, ou para murchar e fenecer.
Antônio Roberto Soares

sábado, 11 de agosto de 2012

Antecipação de tutela em posse velha

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1194649, por unanimidade, anulou o acórdão recorrido, que havia julgado ser impossível a concessão de antecipação de tutela em ação possessória, em caso de posse velha (com prazo superior a um ano e um dia).

De acordo com o entendimento da relatora, ministra Isabel Gallotti, o fato da ação possessória ser fundada em posse velha impede o deferimento da imissão liminar (artigo 928 do CPC) e impõe que ela seja regida pelo procedimento ordinário (artigo 924 do CPC), e não pelo rito especial (como no caso de ações possessórias intentadas com menos de ano e dia – posse nova). De modo que inexiste, no entender da Turma, qualquer vedação legal à concessão da antecipação de tutela (artigo 273 do CPC) nos casos de posse velha.

Fonte:
BRASIL – Superior Tribunal de Justiça – É possível tutela antecipada em ação possessória fundada em posse velha, em 08 de agosto de 2012 Disponível: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106579  Acesso em: 08 de agosto de 2012.