PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 3ª REGIÃO
00745-2011-066-03-00-5
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE(S): I.M.C.
RECORRIDO(S): MGS - MINAS GERAIS ADMINISTRACAO E SERVICOS S.A.
EMENTA:
EMPRESA PÚBLICA – DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA – REINTEGRAÇÃO. O ordenamento
jurídico pátrio repudia o tratamento discriminatório pelos motivos de
raça, cor, religião, dentre outros. Destarte, os princípios
constitucionais, associados aos preceitos legais e às disposições
internacionais que regulam a matéria, autorizam o entendimento de que a
despedida, quando flagrantemente discriminatória, deve ser considerada
nula, sendo devida a reintegração no emprego. Inteligência dos arts. 1º,
III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput, VI e XLI, e 7º, XXX, todos da Constituição da República; 8º e 9º da CLT; Lei 9.029/95 e das Convenções nºs 111/58 e 117/62 da OIT.
Vistos etc.
RELATÓRIO
A MM.
Juíza da Vara do Trabalho de Manhuaçu/MG, por meio da sentença proferida
às fls. 116/120, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou
improcedentes os pedidos formulados na exordial.
A
reclamante recorre ordinariamente às fls. 121/129, apontando a revelia
da reclamada, por apresentar contestação genérica, e insistindo no
pedido de exibição de documentos. No mérito propriamente dito, alega a
nulidade da sua dispensa imotivada.
Decorreu o prazo legal sem apresentação de contrarrazões (fls.130 verso).
Não se vislumbra, no presente feito, interesse público a proteger.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Conheço do recurso, por presentes seus pressupostos de admissibilidade.
JUÍZO DE MÉRITO
REVELIA
Pede a
recorrente que seja reconhecida a revelia da reclamada, tendo em vista
que a contestação apresentada em audiência não rebate especificamente os
fatos articulados na exordial.
Sem razão.
Contrariamente
ao aduzido em sede recursal, tenho que a reclamada, na defesa de fls.
70/75, contestou especificamente a pretensão da reclamante de anulação
de sua dispensa imotivada, ao alegar a ausência da estabilidade prevista
no art. 41 da CR/88 aos empregados públicos, ressaltando o direito
potestativo da empresa pública de dispensar os seus empregados sem
motivação expressa.
Neste
contexto, refutados os pedidos suscitados na peça de ingresso, não há
que se falar em violação do art. 302 do CPC, por ausência de defesa
genérica.Nego provimento.
EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS
A
reclamante insiste no pedido de exibição das correspondências e dos
avisos de recebimento de que disponha a reclamada e que sejam
pertinentes à sua contratação.
Sem razão.
Embora
cediço que aos litigantes é assegurado o direito de produção de provas
com as quais pretendem comprovar os fatos alegados (constitutivos ou
extintivos), em conformidade com os princípios do devido processo legal e
do contraditório e ampla defesa, não se olvida, também, que constitui
prerrogativa do Julgador, arrimado nos artigos 130 e 131 do CPC, a
condução do processo, com o indeferimento das provas inúteis e
desnecessárias ao deslinde da controvérsia estabelecida nos autos, o que
encontra amparo constitucional no inciso LXXVlll do art. 5º da CR/88,
que garante a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável
duração do processo e os meios que assegurem a celeridade de sua
tramitação (princípio da efetividade).
Na
presente hipótese, sob os mesmos fundamentos da magistrada a quo (fl.
117), reafirmo a prescindibilidade da exibição dos referidos documentos,
considerando a inutilidade da referida prova documental e a suficiência
dos demais elementos probatórios constantes dos autos ao deslinde da
controvérsia.
Nada a prover.
REINTEGRAÇÃO - NULIDADE DA DISPENSA
A autora
pleiteia a anulação da sua dispensa imotivada, alegando que o ato é
discriminatório, ilegal e desproporcional. Ressalta que tem como
imperativo de consciência a guarda do sétimo dia da semana (sábado), por
professar a fé Adventista do Sétimo Dia, desde 2006, e que foi
dispensada por motivo de confissão religiosa, sem regular processo
administrativo e por motivação inexistente e não comprovada.
Examino.
Como
empresa pública integrante da administração indireta do Estado, está a
reclamada abrangida pelo disposto no artigo 37 da Lei Maior, sendo
imprescindível, a teor do disposto no inciso II do citado artigo, a
necessidade do concurso público para o provimento dos cargos e empregos,
o que, no caso dos autos é incontroverso.
Verifica-se
que a autora ingressou nos quadros da reclamada em 07/05/2010 (fls.
82/83), trabalhando, inicialmente, na agência do DER-MG de Manhumirim
(Q.A.O/DER/29ª CRG/MANHUMIRIM), conforme “Folha de Presença” de fls.
26/27.
Cientificada
de que a reclamante possuía como imperativo de consciência a guarda do
sétimo dia da semana, por professar a fé Adventista do Sétimo Dia, desde
outubro/2006, conforme Certificado de Batismo de fl. 28 e Declaração de
fl. 60, a reclamada passou a inexigir o seu labor aos sábados,
consoante documentos de fls. 26/27 e 30.
A partir
de 08/09/2010, a autora foi submetida a jornada laboral de 08 horas
diárias e 40 horas semanais, a se ver da “Alteração de Contrato de
Trabalho” de fl. 97.
A sua
dispensa imotivada se deu em 25/07/2011 (fl. 108), “por não possuir
disponibilidade de horário para atender às necessidades do setor, e
tendo em vista que não há outra vaga compatível para remanejamento” (fl.
44).
Analisando
o contexto fático ora retratado, tenho que a reclamante foi, realmente,
vítima de discriminação religiosa, sendo a sua "despedida sem justa
causa", assim denominada pelo empregador, na verdade, arbitrária, ilegal
e discriminatória.
De fato,
não restou evidenciada nos autos a real necessidade da Administração
Pública em relação ao trabalho da obreira aos sábados, e tampouco os
eventuais prejuízos causados com a manutenção de suas atividades,
deixando a ré de comprovar, ainda, a inexistência de vagas compatíveis
para o respectivo remanejamento.
Destaque-se
que as regras previstas no Edital do certame, notadamente na cláusula
12.11, foram superadas diante da aceitação tácita, pela reclamada, da
condição da autora como sabatista, desde o começo da relação
trabalhista, e, inclusive, pela alteração contratual de fl. 97,
estabelecendo, como dito, a jornada laboral de 08 horas diárias e 40
horas semanais, que foi desrespeitada posteriormente com a nova
exigência da ré estampada no comunicado de fl. 39.
Ora, a
referida modificação do horário de trabalho, além de compatível com o
cumprimento de segunda a sexta-feira, aderiu ao contrato de trabalho,
por configurar condição mais benéfica à empregada, não podendo ser
alterada pelo empregador de forma unilateral e em prejuízo da
trabalhadora, sob pena de nulidade, nos termos do art. 468 c/c art. 9º,
ambos da CLT.
Portanto,
data vênia do posicionamento primeiro, entendo que o ato de dispensa em
questão está sedimentado em motivo de crença religiosa, ou seja, no
fato de a autora professar a Fé Adventista do Sétimo Dia e estar
impossibilitada do exercício de suas atividades laborais no período
sabático e, não, em juízo de conveniência e oportunidade da
Administração Pública. Com efeito, caberia à empregadora demonstrar que a
dispensa foi determinada por motivo outro, que não a circunstância de
ordem religiosa ora retratada, ônus do qual não desincumbiu nos termos
do art. 333, II do CPC c/c art. 818 da CLT.
Avançando
no exame da matéria, deve ser registrado que o direito potestativo do
empregador de proceder à “despedida imotivada” não é absoluto,
encontrando limites, dentre outros, no princípio da não-discriminação,
que, além de constituir um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil (art. 3º, inciso IV, da CR/88), encontra-se
assentado em diversos dispositivos constitucionais, dentre os quais se
destacam os arts. 1º, III e IV, 5º, caput e XLI, e 7º, XXX, a seguir
transcritos:
Art. 1º A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXX -
proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de
critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
Expressamente sobre a liberdade religiosa, está consignado no título referente aos Direitos e Garantias Fundamentais que “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. (art. 5º, VI, da CR/88).
Sobre a
importância de se respeitar e fomentar a liberdade de religião, Gilmar
Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco,
assim se manifestaram na obra “Curso de Direito Constitucional” (São
Paulo: Ed. Saraiva, 2008, págs. 419/420):
“O
reconhecimento da liberdade religiosa pela Constituição denota haver o
sistema jurídico tomado a religiosidade como um bem em si mesmo, como um
valor a ser preservado e fomentado. Afinal, as normas jusfundamentais
apontam para valores tidos como capitais para a coletividade, que devem
não somente ser conservados e protegidos, como também ser promovidos e
estimulados.
A
Constituição protege a liberdade de religião para facilitar que as
pessoas possam viver a sua fé. Daí a Constituição chegar a prever a
assistência religiosa para os que estejam submetidos a internação
coletiva (art. 5º, VII).
O
reconhecimento da liberdade religiosa decerto que contribui para
prevenir tensões sociais, na medida em que, por ela, o pluralismo se
instala e se neutralizam rancores e desavenças decorrentes do veto
oficial a crenças quaisquer. O reconhecimento da liberdade religiosa
também tem por si o argumento de que tantas vezes a formação moral
contribui para moldar o bom cidadão. Essas razões, contudo, não são
suficientes em si para explicar a razão de ser da liberdade de crença. A
Constituição assegura a liberdade dos crentes, porque toma a religião
como um bem valioso por si mesmo, e quer resguardar os que buscam a Deus
de obstáculos para que pratiquem os seus deveres religiosos”
Nota-se,
ainda, que a preocupação com as práticas discriminatórias vai além dos
limites do ordenamento jurídico pátrio, sendo repudiada mundialmente,
consoante se extrai das Convenções nºs 111/58 e 117/62 da Organização
Internacional do Trabalho, ambas ratificadas pelo Brasil, que
estabeleceram como meta a supressão de toda discriminação contra os
trabalhadores que estiver fulcrada em motivos de raça, cor, sexo,
crença, no que diz respeito ao empregado e às condições de trabalho,
inclusive quanto à remuneração.
Mais
recentemente, a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho, de 1998, novamente exalta o princípio da
nãodiscriminação em matéria de emprego ou ocupação e reafirma o
compromisso das nações participantes dessa organização, ao reconhecer a
necessidade de se preservar, estimular e promover um patamar mínimo de
princípios e direitos nas relações de trabalho, que são fundamentais para os trabalhadores.
Na
espécie, é de se sopesar, igualmente, os preceitos contidos na Lei
9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias para efeitos admissionais
ou de permanência da relação jurídica de trabalho, enumerando certas
modalidades de práticas discriminatórias, em razão de sexo, origem,
raça, cor, estado-civil, situação familiar ou idade; rol este que não
pode ser considerado numerus clausus, cabendo a integração pelo
intérprete, ao se defrontar com a emergência de novas formas de discriminação, como na presente hipótese.
Portanto,
todo o arcabouço jurídico sedimentado em torno da matéria deve ser
considerado como limitação negativa da autonomia privada, com vistas a
preservar a eficácia dos direitos fundamentais, dentre o quais se
destaca a liberdade religiosa.
E, in casu, como visto é de se presumir discriminatório o despedimento da reclamante.
Destarte,
não obstante a ausência de estabilidade no emprego (Súmula 390 do TST),
a dispensa imotivada da reclamante, contratada por meio de concurso
público, sob a égide do regime celetista, é nula de pleno direito, dando
ensejo à reintegração da autora no emprego, o que afasta as
argumentações da ré em sentido contrário.
Pelo
exposto, dou provimento ao recurso para declarar nula a rescisão
contratual e, consequentemente, determinar a reintegração da reclamante
no emprego, sem que lhe seja exigido o trabalho durante o período
compreendido entre o pôr-do-sol da sexta-feira e o pôr-do-sol do sábado –
por professar a fé Adventista do Sétimo Dia - com pagamento de salários
vencidos e vincendos, até a efetiva reintegração, os quais deverão ser
considerados para todos os efeitos legais.
Com o
intuito de se evitar enriquecimento sem causa por parte da obreira,
autoriza-se a dedução de eventuais valores relativos ao seguro
desemprego, devendo a reclamada restituí-los ao Ministério do Trabalho e
Emprego, bem como das verbas rescisórias recebidas, inclusive multa de
40% sobre o FGTS, conforme se apurar através da documentação pertinente,
a ser juntada na fase de execução de sentença.
CONCLUSÃO
Conheço do recurso interposto por I.M.C.
em face da MGS - MINAS GERAIS ADMINISTRACAO E SERVICOS S.A., e, no
mérito, dou-lhe provimento parcial para declarar nula a rescisão
contratual e, consequentemente, determinar a reintegração da reclamante
no emprego, sem que lhe seja exigido o trabalho durante o período
compreendido entre o pôr-do-sol da sexta-feira e o pôr-do-sol do sábado –
por professar a fé Adventista do Sétimo Dia - com pagamento de salários
vencidos e vincendos, até a efetiva reintegração, os quais deverão ser
considerados para todos os efeitos legais.
Com o
intuito de se evitar enriquecimento sem causa por parte da obreira,
autoriza-se a dedução de eventuais valores relativos ao seguro
desemprego, devendo a reclamada restituí-los ao Ministério do Trabalho e
Emprego, bem como das verbas rescisórias recebidas, inclusive multa de
40% sobre o FGTS, conforme se apurar através da documentação pertinente,
a ser juntada na fase de execução de sentença.
Destaca-se
que a obrigação de reintegrar a reclamante deverá ser cumprida em até
oito dias depois do trânsito em julgado da decisão e de a reclamada
receber intimação específica para tanto, sob pena de multa de R$100,00,
por dia de atraso, nos termos do artigo 461 do CPC.
Inverto
os ônus da sucumbência e arbitro à condenação o valor de R$ 11.000,00,
ficando a cargo da reclamada o pagamento das custas no importe de R$
220,00.
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O
Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão da sua
Quarta Turma, no dia 14 de março de 2012, à unanimidade, conheceu do
recurso interposto por I.M.C. em face da MGS – MINAS GERAIS
ADMINISTRACAO E SERVICOS S.A.; no mérito, sem divergência, deu-lhe
provimento parcial para declarar nula a rescisão contratual e,
consequentemente, determinar a reintegração da reclamante no emprego,
sem que lhe seja exigido o trabalho durante o período compreendido entre
o pôr-do-sol da sexta-feira e o pôr-do-sol do sábado - por professar a
fé Adventista do Sétimo Dia - com pagamento de salários vencidos e
vincendos, até a efetiva reintegração, os quais deverão ser considerados
para todos os efeitos legais. Com o intuito de se evitar enriquecimento
sem causa por parte da obreira, autoriza-se a dedução de eventuais
valores relativos ao seguro-desemprego, devendo a reclamada restituí-los
ao Ministério do Trabalho e Emprego, bem como das verbas rescisórias
recebidas, inclusive multa de 40% sobre o FGTS, conforme se apurar
através da documentação pertinente, a ser juntada na fase de execução de
sentença. Destaca-se que a obrigação de reintegrar a reclamante deverá
ser cumprida em até oito dias depois do trânsito em julgado da decisão e
de a reclamada receber intimação específica para tanto, sob pena de
multa de R$100,00, por dia de atraso, nos termos do artigo 461 do CPC.
Invertidos os ônus da sucumbência. Foi arbitrado à condenação o valor de
R$ 11.000,00, ficando a cargo da reclamada o pagamento das custas no
importe de R$ 220,00.