É
impossível declarar a nulidade do registro de nascimento, após o
reconhecimento voluntário da paternidade, sob a simples alegação de
dúvidas com relação ao vínculo biológico com o registrado, sem que
existam provas robustas de erro ou falsidade do ato jurídico.
O entendimento
unânime foi da 3ª turma do STJ, que considerou improcedente o pedido de
um pai que, após relacionamento afetivo efêmero e casual, decidiu
registrar o filho sem realizar exame de DNA.
Após quatro anos de
vida do menor, o pai requereu a nulidade do registro, pedindo a
produção de perícia sanguínea para apurar a paternidade biológica, pois
suspeitou que a genitora tivesse mantido outros relacionamentos à época
da concepção. Além disso, alegou não perceber semelhanças físicas entre
ele e o menor.
No curso da ação, o
pai faleceu. Em razão do óbito, a primeira instância deferiu a
habilitação dos pais do falecido no caso e reconheceu, baseado na
interpretação em sentido contrário da Súmula 301 do STJ, a presunção de
que o menor não era filho do autor falecido, pois não havia comparecido
ao exame em duas ocasiões.
A súmula diz que,
em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame
de DNA induz presunção relativa de paternidade.
Aplicação inversa
Inconformado com a
decisão, o filho apelou para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP),
que manteve a aplicação inversa da súmula e confirmou a possibilidade da
sucessão processual.
Ao apresentar
recurso especial, o filho sustentou que esse tipo de ação é de cunho
personalíssimo, de modo que seus avós não poderiam suceder o pai
falecido no polo ativo da demanda. Assegurou que as hipóteses de
afastamento da presunção de paternidade são restritas. Insurgiu-se
também contra o indeferimento da prova genética no cadáver e contra a
aplicação da súmula.
No STJ, o
entendimento do tribunal de origem com relação à interpretação da súmula
foi reformado, porém, mantida a tese da sucessão processual. De acordo
com a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, ainda que se trate
de direito personalíssimo, “tendo o pai registral concretizado sua
intenção de contestar a paternidade ainda em vida, impõe-se admitir a
sucessão processual de seus ascendentes, a fim de dar prosseguimento à
ação proposta”.
Ao se referir ao
registro de nascimento, a ministra explicou que o ato possui valor
absoluto, independentemente de a filiação ter-se verificado no âmbito do
casamento ou fora dele, “não se permitindo negar a paternidade, salvo
se consistentes as provas do erro ou falsidade, não se admitindo para
tal fim que o erro decorra de simples negligência de quem registrou”.
Mero arrependimento
A relatora
ressaltou que o Poder Judiciário não poderia prejudicar a criança por
“mero capricho” de um adulto, que decidiu livremente registrá-la, mesmo
com todas as consequências jurídicas e afetivas decorrentes desse ato, e
que, após tantos anos, pretende “livrar-se do peso da paternidade” por
“mero arrependimento”.
“Por essa
razão, a presunção de veracidade e autenticidade do registro de
nascimento não pode ceder diante da falta de provas evidentes do vício
de consentimento, para a desconstituição do reconhecimento voluntário da
paternidade”, acrescentou.
A ministra refletiu
que, diante de relacionamentos efêmeros, em que o envolvimento das
partes restringe-se à conotação sexual, “a ação negatória de paternidade
não pode se fundar em mera dúvida, desconfiança que já havia ou deveria
haver quando do reconhecimento voluntário”.
Entendimento equivocado
Nancy Andrighi
reconheceu o exame de DNA como um “instrumento valioso” na apuração da
verdade biológica, que se aproxima da certeza absoluta. Porém, afirmou
que a prova genética não pode ser considerada o único meio de prova da
paternidade.
Para ela, o
entendimento do tribunal de origem, que concluiu pela presunção de que o
autor não era pai, em prejuízo do menor, mostra-se “equivocado” e é
contrário à proteção que o ordenamento jurídico brasileiro confere à
criança e ao adolescente, pelo princípio do melhor interesse do menor.
Segundo a ministra,
em virtude desse princípio, não se pode interpretar a súmula do STJ em
desfavor dos interesses da criança, “desconstituindo a paternidade
reconhecida e maculando seu direito à identidade e ao desenvolvimento de
sua personalidade”.
Por essas razões, a
Turma considerou insuficiente para a exclusão da paternidade o não
comparecimento do menor ao exame de DNA, desacompanhado de quaisquer
outros elementos probatórios. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Fonte: STJ