Toda ação que possa gerar dano ao meio ambiente deve ser previamente
analisada a fim de se evitar, ou minimizar, o impacto ambiental. O
Ministério Público dispõe de meios eficazes para atuar no plano
preventivo, a fim de evitar o início de uma degradação ambiental.
Todo operador do Direito, quando estuda princípios, já deve ter ouvido a
célebre definição do mestre administrativista Celso Antônio Bandeira de
Mello na qual se trata de “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a
intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por
nome sistema jurídico positivo” [01]. Por tal definição, fácil concluir
que princípios são valores fundamentais
que embasam a existência de um sistema jurídico harmônico e seguro,
capaz de gerar no homem – destinatário da norma – a consciência de que o
ordenamento jurídico depende sempre de regras claras e uniformes para
ser corretamente aplicado e seguido.
Uma das características do direito ambiental é sua autonomia,
a qual lhe é assegurada pela existência de princípios próprios,
constantes expressamente da Constituição Federal, mais especificamente
em seu art. 225.
Há evidente necessidade de se valorizar a aplicação dos princípios
ambientais previstos no art. 225 da Constituição Federal como forma de
limitar a influência do homem na natureza, harmonizando-se a realidade
social e os valores culturais de determinada sociedade com a preservação
do meio ambiente.
Atualmente, um dos princípios em voga, e que merece destaque no regramento constitucional brasileiro, é o denominado princípio do poluidor-pagador,
pelo qual todo aquele que explora atividade potencialmente poluidora
tem o dever de prevenir, reprimir e reparar os danos dela oriundos.
O princípio do poluidor-pagador está expressamente previsto na
legislação infraconstitucional, mais especificamente no art. 4º, VII, da
Lei n. 6.938/81 (Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências), categórico ao afirmar que a política nacional do meio
ambiente visará “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de
recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da
contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins
econômicos”.
O art. 14, § 1º, do mesmo diploma legal complementa: “sem obstar a
aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade
para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos
causados ao meio ambiente”.
Além disso, o princípio do poluidor-pagador foi recepcionado pela
Constituição Federal no seu art. 225, § 3º, que prescreve: “As
atividades e condutas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
No plano internacional, o princípio do poluidor-pagador encontra
guarida no 13º princípio da Conferência do Rio/92: “Os Estados devem
desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade das vítimas
de poluição e outros danos ambientais. Os Estados devem ainda cooperar
de forma expedita e determinada para o desenvolvimento de normas de
direito internacional ambiental relativas à responsabilidade e
indenização por efeitos adversos de danos ambientais causados, em áreas
fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob
seu controle”. Continua, ainda, no 16º princípio: “Tendo em vista que o
poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição,
as autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização
dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na
devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os
investimentos internacionais”.
Esse princípio merece especial atenção da doutrina e da jurisprudência,
pois sua nomenclatura pode nos dar a falsa impressão de que se pode
pagar para poluir, o que de fato é inadmissível e distorce
acentuadamente a sua vigência no ordenamento. Não se pode
institucionalizar o “direito de poluir”, desde que se pague:
“O princípio poluidor-pagador não é um princípio de compensação dos
danos causados pela poluição. Seu alcance é mais amplo, incluídos todos
os custos da proteção ambiental, quaisquer que eles sejam, abarcando, a
nosso ver, os custos de prevenção, de reparação e de repressão do dano
ambiental (...)” [02].
De fato, o princípio do poluidor-pagador possui conteúdo normativo de caráter econômico, porque imputa ao poluidor os custos decorrentes da atividade poluente.
Assim, o princípio do poluidor-pagador possui duas vertentes: a)
busca evitar a ocorrência do dano ambiental, sendo que o pagamento
pecuniário e a indenização não legitimam a atividade lesiva ao meio
ambiente (caráter preventivo); e b)
constatado o dano ambiental, deve o infrator promover a restauração do
meio ambiente na medida do possível e compensar os prejuízos por meio de
indenização, a qual deverá abranger o conteúdo econômico do dano
causado (caráter repressivo).
Em verdade, esse princípio visa, sobretudo, antes e além da reparação e
da repressão, à própria prevenção do dano ambiental, “fazendo com que a
atividade de preservação e conservação dos recursos ambientais seja
mais barata que a de devastação, pois o dano ambiental não pode, em
circunstância alguma, valer a pena para o poluidor. O princípio não
visa, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita
apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, procura
evitar o dano ambiental” [03].
O binômio constitucional prevenção-restauração,
portanto, deve passar a informar e servir de bússola na interpretação de
textos legais anteriores e posteriores à Constituição [04].
Como se vê, o princípio do poluidor-pagador exerce íntima conexão com o princípio da prevenção,
que consiste na imposição de uma avaliação prévia das atividades e
obras humanas que possam ter repercussão na natureza, a fim de prevenir a
degradação do meio ambiente e de sua diversidade biológica.
É evidente que a prevenção é sempre melhor do que tentar desfazer os
nefastos efeitos da lesão ambiental. Em matéria ambiental, não é
necessário que o dano se concretize. O Poder Público, a sociedade e o
particular devem atuar antes que a lesão ocorra, em qualquer situação.
Com essa visão ampliada de se interpretar o princípio do
poluidor-pagador (caráter preventivo) e com a consagração do princípio
da precaução no ordenamento jurídico pátrio, passa-se a adotar uma nova
postura em relação à degradação do meio ambiente, partindo-se da
premissa de que toda ação que possa gerar dano ao meio ambiente deve ser
previamente analisada a fim de se evitar, ou minimizar, o impacto
ambiental.
Justamente nessa linha de pensamento, Paulo Afonso Leme Machado nos ensina:
“A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar o
futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo
ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões
humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo.
Evita-se o dano ambiental através da prevenção no tempo certo” [05].
Ainda, é evidente que os princípios do poluidor-pagador e da prevenção
encontram-se presentes na ótica do Poder Judiciário e da Administração
Pública. Para isso, o Ministério Público exerce considerável e relevante
influência, pois detém legitimidade, como prevê a Constituição da
República, em seu art. 129, III, para promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
O Ministério Público dispõe de ferramentas
importantes para impedir a continuidade do evento danoso, mas, acima de
tudo, dispõe de meios eficazes para atuar no plano preventivo,
a fim de evitar o início de uma degradação ambiental. Como exemplo,
pode-se mencionar a ação cautelar (art. 5º da Lei n. 7.347/85), o poder
de expedir recomendação, realizar termo de ajustamento de conduta (TAC),
promover audiências públicas visando demonstrar à população sobre
eventuais danos ambientais passíveis de ocorrência, além do próprio
inquérito civil e da ação civil pública.
Como defensor dos interesses transindividuais, o Ministério Público,
por intermédio de seus membros, precisa se conscientizar de que, a bem
da verdade, qualquer sanção pecuniária cobrada pela infração ambiental é
meramente simbólica, sendo insuficiente para recompor a natureza.
Ademais, acima de qualquer função punitiva, tem a multa ambiental
caráter preventivo e educativo, pois ajuda a conscientizar o infrator e a
própria sociedade de que se não houver mudança de mentalidade a vida no
planeta está fadada à extinção.
Defende-se, portanto, que prevenir ainda é o melhor negócio e, como
demonstrado, o Brasil dispõe de princípios, legislação, instituições e
ferramentas para antecipar e prevenir
provável e/ou efetiva ocorrência de atividades lesivas ao meio ambiente,
bastando a consciência de todos para a importância do problema.
Notas
1. [1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de
Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 807-808.
2. [1] BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos. O
princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. In: Dano
ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993. p. 227.
3. [1] Ibidem. p. 236.
4. [1] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 362
5. [1] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit. p. 57.