terça-feira, 16 de outubro de 2012

Mandado de Segurança Coletivo (Prática de Processo)

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

O mandado de segurança coletivo foi instituído em 1988, pela Constituição Federal, mas não tinha ainda sido disciplinado pela legislação ordinária. O vácuo normativo foi preenchido com o advento da nova Lei nº 12.016, publicada no Diário Oficial da União de 10 de agosto de 2009. Lei esta que é resultado da conversão do Projeto de Lei nº 125/06. A matéria é regulamentada, mais especificamente, pelos arts. 21 e 22 da Lei nº 12.016.
Em seu art. 21, a nova lei mantém os mesmos legitimados previstos na Constituição Federal, quais sejam: o partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe e associação em funcionamento há um ano. Por outro lado, o novo diploma perdeu a oportunidade de ampliar o rol de legitimados, no qual poderia caber o Ministério Público e a Defensoria Pública, por exemplo, como faz a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).
Registre-se que, para a utilização do mandado de segurança coletivo, exige-se a necessidade de tutela concreta de direitos subjetivos, seja coletivos ou individuais homogêneos, demonstráveis por prova pré-constituída, pertencentes aos legitimados ou a seus membros.
Quanto à legitimidade, o caput do art. 21 consolida posição jurisprudencial acerca da possibilidade de se impetrar mandado de segurança coletivo em favor de, apenas, uma parte da categoria (STF – Súmula nº 630 – “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”).
Contudo, acredita-se que existem fortes indícios de inconstitucionalidade parcial no caput do art. 21, quando restringe a possibilidade de atuação dos partidos políticos à “defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária”. Veja-se que não se trata tão somente de requisitos procedimentais à legitimação, mas sim à condicionante inexistente na letra da Constituição.
Nesse ínterim, pela letra da lei, não caberia, aos partidos políticos, a defesa dos direitos difusos e os individuais homogêneos de não membros, restando-lhe a defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos “relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária”.
O entendimento trazido pela lei tolhe o alcance dos partidos políticos como importantes instrumentos da concretização dos princípios democráticos, pois deixa os direitos difusos à margem da proteção pela via mandamental.
Contudo, quanto aos direitos individuais homogêneos, o próprio Supremo Tribunal Federal já decidira que a atuação do partido político, como legitimado para o mandado de segurança coletivo, não poderia se estender aos direitos individuais homogêneos de cidadãos, vejamos:
“Constitucional – Processual civil – Mandado de segurança coletivo – Legitimidade ativa ad causam de partido político – Impugnação de exigência tributária – IPTU.
1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou coletiva. Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07.04.00.
2. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.”
(RE nº 196184, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Primeira Turma, julgado em 27.10.04, DJ 18.02.05, pp-00006, Ement Vol-02180-05 pp-01011 LEXSTF v. 27, nº 315, 2005, pp. 159-173 RTJ VOL-00194-03 PP-01034).
Este entendimento é corroborado pelo parágrafo único desse artigo (art. 21), quando informa que:
“Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:
I – coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II – individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.”
O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, em seu parágrafo único do art. 81, faz distinção entre direitos coletivos e difusos, conceituando que, enquanto os direitos coletivos são os transindividuais de titularidade de grupos, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica básica (percebe-se que os sujeitos são determináveis pelo vínculo jurídico que os une), os direitos difusos são aqueles transindividuais que pessoas indeterminadas por circunstâncias fáticas são titulares.
Entende-se que, propositalmente, a lei se omitiu quanto aos direitos difusos (silêncio eloquente). Esses direitos, por dizerem respeito à “circunstâncias de fato”, seriam de difícil comprovação instrumental no rito sumário de prova pré-constituída que exige o mandado de segurança. Nesse sentido, em lapidar pena, Humberto Theodoro Júnior nos ensina que:
“A Lei nº 12.016, ao definir o mandado de segurança coletivo, limitou seu objeto à proteção apenas dos direitos coletivos. Não os estendeu aos direitos difusos. Certamente o fez por entender que, sem uma relação jurídica básica bem definida a unir a coletividade à autoridade coatora, seria sempre muito difícil submeter os direitos difusos à exigência constitucional de liquidez e certeza de que se deve obrigatoriamente revestir o direito subjetivo tutelado pelo mandado de segurança.
Com efeito, nascendo de puras circunstâncias de fato, sem uma predeterminada e específica relação jurídica a unir os sujeitos ativos e passivos, seria sempre muito difícil à entidade impetrante do mandado de segurança coletivo apresentar a prova documental pré-constituída indispensável a propositura das ações mandamentais.” (Mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 47)
Note-se que a nova lei do mandado de segurança positiva entendimento sumulado pelo verbete nº 629 (“A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes”), ao expressar, no caput do art. 21, que está “dispensada, para tanto, autorização especial”.
Trata-se, no caso, do instituto da substituição processual, onde os legitimados atuarão em nome próprio na defesa de direito alheio. Salienta-se, contudo, que a substituição processual dar-se-á em razão da defesa dos interesses fins dos legitimados, ou seja, desde que sejam, nos dizeres da lei, “pertinentes às suas finalidades”, exigindo-se a pertinência temática.
Quanto ao art. 22, registre-se, de pronto, a boa técnica empregada na redação, quando utiliza o termo “substituídos” (“A sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante”), ratificando que se trata de substituição processual.
O cerne do art. 22 é delimitar o alcance da coisa julgada, especificando no caput os limites subjetivos dos efeitos do julgado, disciplinando que se operará coisa julgada para os membros da coletividade impetrante.
A nova lei não impõe limites territoriais à eficácia da coisa julgada em processo coletivo, como faz bizarramente a Lei nº 7.347/85 (Ação Civil Pública) no art. 16.
No parágrafo primeiro do art. 22, é disposto que o impetrante de mandado de segurança a título individual só se beneficiará dos efeitos da coisa julgada da decisão do mandado coletivo se desistir do seu mandamus individual, no prazo de 30 dias a contar da impetração coletiva. Contudo, se não desistir, também não poderá ser prejudicado. Verifica-se que os efeitos do caput do art. 22 ficam condicionados à desistência do mandamus individual, ou seja, a coisa julgada só se operará para os membros da coletividade que não ingressaram com mandado de segurança individual ou desistiram dele no prazo de 30 dias.
Analisando ainda esse parágrafo, não se sabe dizer se houve má vontade ou erro grosseiro do legislador, em razão da previsão de desistência. Tendo em vista que o mais adequado seria a suspensão daquela ação constitucional individual, visto que, caso o processo coletivo não lograsse êxito, o interessado não necessitaria impetrar novo writ ou uma ação ordinária, sofrendo custa das novas despesas processuais e repetição de expedientes processuais.
Assim, sem motivo justificador, a Lei nº 12.016 é mais rigorosa do que os demais instrumentos de tutela coletiva, haja vista que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 104 (também aplicável à ação civil pública), prevê a suspensão das ações individuais em um prazo de 30 dias, sob pena de não se beneficiarem dos efeitos da coisa julgada.
Ademais, no mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas. À semelhança do que ocorre na previsão da do art. 2º da Lei nº 8.437/92, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências.
Isso se justifica pela necessidade de proteção ao interesse público, visto que os extensos efeitos que propiciará a ação mandamental coletiva podem vir a causar prejuízos ao exercício de alguma função pública, prevenindo e alertando, desta forma, o Poder Público desses possíveis efeitos.
 
  Mário Guilherme Leite de Moura
Assessor de Gabinete do Tribunal de Justiça da Paraíba, perante o gabinete do Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque. Aprovado em concurso público do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba para o cargo de Analista Judiciário Área Judiciária, aguardando nomeação.

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