MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO
O mandado de segurança coletivo foi instituído em 1988, pela
Constituição Federal, mas não tinha ainda sido disciplinado pela
legislação ordinária. O vácuo normativo foi preenchido com o advento da
nova Lei nº 12.016, publicada no Diário Oficial da União de 10 de agosto
de 2009. Lei esta que é resultado da conversão do Projeto de Lei nº
125/06. A matéria é regulamentada, mais especificamente, pelos arts. 21 e
22 da Lei nº 12.016.
Em seu art. 21, a nova lei mantém os mesmos legitimados previstos na
Constituição Federal, quais sejam: o partido político com representação
no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe e
associação em funcionamento há um ano. Por outro lado, o novo diploma
perdeu a oportunidade de ampliar o rol de legitimados, no qual poderia
caber o Ministério Público e a Defensoria Pública, por exemplo, como faz
a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).
Registre-se que, para a utilização do mandado de segurança coletivo,
exige-se a necessidade de tutela concreta de direitos subjetivos, seja
coletivos ou individuais homogêneos, demonstráveis por prova
pré-constituída, pertencentes aos legitimados ou a seus membros.
Quanto à legitimidade, o caput do art. 21 consolida posição
jurisprudencial acerca da possibilidade de se impetrar mandado de
segurança coletivo em favor de, apenas, uma parte da categoria (STF –
Súmula nº 630 – “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de
segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma
parte da respectiva categoria”).
Contudo, acredita-se que existem fortes indícios de
inconstitucionalidade parcial no caput do art. 21, quando restringe a
possibilidade de atuação dos partidos políticos à “defesa de seus
interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade
partidária”. Veja-se que não se trata tão somente de requisitos
procedimentais à legitimação, mas sim à condicionante inexistente na
letra da Constituição.
Nesse ínterim, pela letra da lei, não caberia, aos partidos políticos, a
defesa dos direitos difusos e os individuais homogêneos de não membros,
restando-lhe a defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos
“relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária”.
O entendimento trazido pela lei tolhe o alcance dos partidos políticos
como importantes instrumentos da concretização dos princípios
democráticos, pois deixa os direitos difusos à margem da proteção pela
via mandamental.
Contudo, quanto aos direitos individuais homogêneos, o próprio Supremo
Tribunal Federal já decidira que a atuação do partido político, como
legitimado para o mandado de segurança coletivo, não poderia se estender
aos direitos individuais homogêneos de cidadãos, vejamos:
“Constitucional – Processual civil – Mandado de segurança coletivo –
Legitimidade ativa ad causam de partido político – Impugnação de
exigência tributária – IPTU.
1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de
pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual
ou coletiva. Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ
07.04.00.
2. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado
de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de
interesses individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso
extraordinário conhecido e provido.”
(RE nº 196184, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Primeira Turma, julgado em
27.10.04, DJ 18.02.05, pp-00006, Ement Vol-02180-05 pp-01011 LEXSTF v.
27, nº 315, 2005, pp. 159-173 RTJ VOL-00194-03 PP-01034).
Este entendimento é corroborado pelo parágrafo único desse artigo (art. 21), quando informa que:
“Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:
I – coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou
categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica básica;
II – individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da
totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.”
O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990, em seu parágrafo único do art. 81, faz distinção entre direitos
coletivos e difusos, conceituando que, enquanto os direitos coletivos
são os transindividuais de titularidade de grupos, categoria ou classe
de pessoas ligadas por uma relação jurídica básica (percebe-se que os
sujeitos são determináveis pelo vínculo jurídico que os une), os
direitos difusos são aqueles transindividuais que pessoas indeterminadas
por circunstâncias fáticas são titulares.
Entende-se que, propositalmente, a lei se omitiu quanto aos direitos
difusos (silêncio eloquente). Esses direitos, por dizerem respeito à
“circunstâncias de fato”, seriam de difícil comprovação instrumental no
rito sumário de prova pré-constituída que exige o mandado de segurança.
Nesse sentido, em lapidar pena, Humberto Theodoro Júnior nos ensina que:
“A Lei nº 12.016, ao definir o mandado de segurança coletivo, limitou
seu objeto à proteção apenas dos direitos coletivos. Não os estendeu aos
direitos difusos. Certamente o fez por entender que, sem uma relação
jurídica básica bem definida a unir a coletividade à autoridade coatora,
seria sempre muito difícil submeter os direitos difusos à exigência
constitucional de liquidez e certeza de que se deve obrigatoriamente
revestir o direito subjetivo tutelado pelo mandado de segurança.
Com efeito, nascendo de puras circunstâncias de fato, sem uma
predeterminada e específica relação jurídica a unir os sujeitos ativos e
passivos, seria sempre muito difícil à entidade impetrante do mandado
de segurança coletivo apresentar a prova documental pré-constituída
indispensável a propositura das ações mandamentais.” (Mandado de
segurança. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 47)
Note-se que a nova lei do mandado de segurança positiva entendimento
sumulado pelo verbete nº 629 (“A impetração de mandado de segurança
coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da
autorização destes”), ao expressar, no caput do art. 21, que está
“dispensada, para tanto, autorização especial”.
Trata-se, no caso, do instituto da substituição processual, onde os
legitimados atuarão em nome próprio na defesa de direito alheio.
Salienta-se, contudo, que a substituição processual dar-se-á em razão da
defesa dos interesses fins dos legitimados, ou seja, desde que sejam,
nos dizeres da lei, “pertinentes às suas finalidades”, exigindo-se a
pertinência temática.
Quanto ao art. 22, registre-se, de pronto, a boa técnica empregada na
redação, quando utiliza o termo “substituídos” (“A sentença fará coisa
julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos
pelo impetrante”), ratificando que se trata de substituição processual.
O cerne do art. 22 é delimitar o alcance da coisa julgada, especificando
no caput os limites subjetivos dos efeitos do julgado, disciplinando
que se operará coisa julgada para os membros da coletividade impetrante.
A nova lei não impõe limites territoriais à eficácia da coisa julgada em
processo coletivo, como faz bizarramente a Lei nº 7.347/85 (Ação Civil
Pública) no art. 16.
No parágrafo primeiro do art. 22, é disposto que o impetrante de mandado
de segurança a título individual só se beneficiará dos efeitos da coisa
julgada da decisão do mandado coletivo se desistir do seu mandamus
individual, no prazo de 30 dias a contar da impetração coletiva.
Contudo, se não desistir, também não poderá ser prejudicado. Verifica-se
que os efeitos do caput do art. 22 ficam condicionados à desistência do
mandamus individual, ou seja, a coisa julgada só se operará para os
membros da coletividade que não ingressaram com mandado de segurança
individual ou desistiram dele no prazo de 30 dias.
Analisando ainda esse parágrafo, não se sabe dizer se houve má vontade
ou erro grosseiro do legislador, em razão da previsão de desistência.
Tendo em vista que o mais adequado seria a suspensão daquela ação
constitucional individual, visto que, caso o processo coletivo não
lograsse êxito, o interessado não necessitaria impetrar novo writ ou uma
ação ordinária, sofrendo custa das novas despesas processuais e
repetição de expedientes processuais.
Assim, sem motivo justificador, a Lei nº 12.016 é mais rigorosa do que
os demais instrumentos de tutela coletiva, haja vista que o Código de
Defesa do Consumidor, em seu art. 104 (também aplicável à ação civil
pública), prevê a suspensão das ações individuais em um prazo de 30
dias, sob pena de não se beneficiarem dos efeitos da coisa julgada.
Ademais, no mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser
concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica
de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas. À
semelhança do que ocorre na previsão da do art. 2º da Lei nº 8.437/92,
que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder
Público e dá outras providências.
Isso se justifica pela necessidade de proteção ao interesse público,
visto que os extensos efeitos que propiciará a ação mandamental coletiva
podem vir a causar prejuízos ao exercício de alguma função pública,
prevenindo e alertando, desta forma, o Poder Público desses possíveis
efeitos.
Mário Guilherme Leite de Moura
Assessor de Gabinete do Tribunal de Justiça da Paraíba, perante o gabinete do Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque. Aprovado em concurso público do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba para o cargo de Analista Judiciário Área Judiciária, aguardando nomeação.
Assessor de Gabinete do Tribunal de Justiça da Paraíba, perante o gabinete do Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque. Aprovado em concurso público do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba para o cargo de Analista Judiciário Área Judiciária, aguardando nomeação.
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