terça-feira, 16 de outubro de 2012

O PROCESSO CAUTELAR, O RECURSO DE APELAÇÃO E O EFEITO SUSPENSIVO - A POSIÇÃO PACIFICADA DO STJ

“A morosidade processual e a insegurança jurídica afetam diretamente a economia do País. Uma interpretação que contrarie o moderno processo civil pode levar uma empresa que possui um crédito a receber a ter a sua saúde financeira prejudicada.”
O art. 520, inciso IV, do Código de Processo Civil consigna expressamente que:
“A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(...)
IV – decidir o processo cautelar.”
Evidente, portanto, o propósito do legislador de tratar distintamente da regra geral as medidas cautelares. A regra geral é que os recursos de apelação sejam processados no duplo efeito.
Entretanto, gerava um dissenso jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça a respeito de sua aplicação, fazendo com que as partes temessem que sua sorte estivesse atrelada diretamente à função exercida pelo cartório distribuidor, e não pela prestação jurisdicional, o que, consequentemente, afrontava a segurança jurídica.
Tal dissenso também era verificado em acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que seguiam as posições minoritárias adotadas pelo Ministro José Delgado e pela Ministra Eliana Calmon. Vale dizer, no cenário nacional, a Corte paulista é a única que ainda aplica referido dispositivo legal em um sentido inadequado. Trata-se de situação bastante grave em se tratando do maior pólo econômico da América Latina.
O Ministro José Delgado adotou a posição no sentido de que, decididos ambos os processos, cautelar e principal, por uma mesma sentença, inaplicável seria o art. 520, IV, CPC, visto que o acessório, a medida cautelar, preparatória ou incidental, seguiria o principal, quando a regra a ser aplicada seria a da primeira parte do caput do art. 520.
Já o segundo argumento foi adotado pela Ministra Eliana Calmon, que sustentava que, cotejando-se os arts, 808, inciso III, e 807, caput, CPC (nessa ordem, importante frisar, de “trás para frente”), verificar-se-ia que a liminar conservaria seus efeitos “na pendência do processo principal”, ou seja, até a decisão pela Corte de segunda instância.
Fazia-se, assim, a interpretação do art. 808, inciso III, à luz do art. 807, caput, sem considerar a parte final deste dispositivo legal, de forma a permitir que o recurso de apelação fosse utilizado pelo apelante com o único intuito de protelar o cumprimento da sentença em clara ofensa à lealdade processual e à dignidade da jurisdição.
Na prática, essa interpretação errônea ocasionava, por exemplo, a suspensão do protesto de um título claramente devido, o que havia sido confirmado por sentença de primeira instância, o que, por óbvio, trazia grande insegurança jurídica, além de comprometer a saúde financeira das empresas.
O devedor, com o intuito de postergar o pagamento do título devido e já em vias de ser protestado, ingressava com uma medida cautelar de sustação de protesto (com pedido liminar), o que normalmente é deferido, conseguindo, assim, mesmo que temporariamente, evitar o pagamento da dívida.
Após, ingressava com a ação principal, ou seja, uma ação visando a declaração da inexigibilidade do título. Esta, por sua vez, se fosse julgada improcedente, deveria gerar, de imediato, o protesto da dívida, e, consequentemente (= de forma indireta), levava ao pagamento “espontâneo” do título.
Entretanto, com o claro intuito de protelar ainda mais o pagamento da dívida, a empresa devedora recorria da sentença que declarou a sua inexigibilidade, e o recurso acabava por ser recebido no duplo efeito (suspensivo e devolutivo), ficando assim mais uma vez suspenso o protesto.
Em síntese, ao devedor, era concedido o benefício de postergar o pagamento de sua dívida até o julgamento do recurso de apelação, o que poderia durar anos, em claro prejuízo da empresa credora.
Assim, admitia-se que os devedores, de maneira geral, prolongassem o cumprimento de suas dívidas com a simples alegação de desajuste comercial.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua “missão de ordem política e jurisprudencial”, recentemente, pacificou a interpretação do art. 520, inciso IV, do Código de Processo Civil, que causava divergência em seus julgados e nos julgados dos Tribunais estaduais, especialmente o Tribunal de Justiça paulista.
Ao julgar Embargos de Divergência em Recurso Especial (Processo nº 663.570, acórdão publicado em 18.05.09), que, na prática, são uma ferramenta utilizada com o intuito de pacificar, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, um entendimento a respeito de uma matéria controversa, a Ministra Nancy Andrigui decidiu que, nos casos em que a sentença julgue conjuntamente o processo cautelar e o principal, o recurso deve ser recebido com efeitos diversos: suspensivo e devolutivo no que diz respeito à ação principal, e apenas suspensivo na parte da sentença que julgou a medida cautelar.
Os acórdãos utilizados como paradigmas foram proferidos no Recurso Especial nº 962.045, cujo Relator foi o Ministro José Delgado e no Recurso Especial que originou os Embargos de Divergência, este relatado pela Ministra Nancy Andrigui, conforme indicado acima.
Com o julgamento do citado embargos de divergência, ficou consolidado o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça:
“Ainda que julgadas, por sentença única, ação principal e cautelar, o recurso de apelação interposto deve ser recebido no duplo efeito, quanto ao capítulo que decide a principal, e apenas no efeito devolutivo, no capítulo relativo à ação cautelar.”
Agora, mesmo que o devedor recorra da sentença que confirmou seu débito, esse poderá ser cobrado sem que seja necessário aguardar anos até que o recurso de apelação seja julgado, garantindo-se, assim, ao credor, o seu direito de receber o que lhe é devido, e sem se conceder um benefício inexistente ao devedor.
A prolação da sentença faz cessar o efeito da liminar proferida nos autos da medida cautelar, que é medida precária e revogável a qualquer tempo. Concluir em sentido contrário implicaria em ignorar a parte final do art. 807, caput, do Código de Processo Civil, pelo qual as medidas cautelares “podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas”, que é justamente o que ocorre em sentença.
Isso não significa que a empresa cobrada indevidamente será “condenada” a sofrer os efeitos de uma sentença equivocada até que seu recurso de apelação seja julgado.
Para os casos em que se verifica ser indispensável a conservação dos efeitos da medida liminar obtida na medida cautelar, ou seja, nos casos em que seja indispensável que o protesto continue suspenso, a parte interessada pode se valer do art. 558 do Código de Processo Civil, desde que relevante a sua fundamentação e que esteja presente o perigo de lesão grave e de difícil reparação.
Desta forma, tanto o credor quanto o devedor têm seus direitos garantidos. O primeiro tendo meios de receber o quanto lhe é devido, sem que, para tanto, tenha que aguardar anos seu recurso de apelação ser julgado, garantindo assim a aplicação do princípio da celeridade processual, incluído no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional nº 45/2004: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
O segundo, utilizando-se do benefício previsto no art. 558 do Código de Processo Civil, necessitando, entretanto, comprovar que a não concessão do efeito suspensivo possa gerar lesão grave e de difícil reparação e, sendo relevante sua fundamentação, tem-se o efeito suspensivo.
O que se verifica é que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de impedir os recursos claramente protelatórios, o que acaba por beneficiar um devedor que procura uma tutela jurisprudencial com o único intuito de se furtar às suas obrigações, garantindo ao credor o seu direito de forma célere, em respeito aos princípios constitucionais.
Resta, ainda, notadamente ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, seguir o entendimento já pacificado perante o Superior Tribunal de Justiça, o qual, além de se mostrar mais correto e consoante à previsão legal, tem função paradigmática.
O julgamento dos embargos de divergência, no sentido aqui exposto, é de grande importância para a garantia da segurança jurídica e da segurança das relações comerciais, visto que as decisões judiciais, de uma forma ou de outra, refletem na economia como um todo.
Verifica-se que o sistema processual civil moderno, que visa a obtenção de resultados práticos e céleres, está sendo utilizado na prática, superando-se, assim, o sistema antiquado onde prevaleciam impreterivelmente os efeitos suspensivos.
Ademais, desta forma, evitam-se armadilhas e soluções lotéricas, principal motivo pelo o qual juízes de instâncias inferiores deveriam guiar-se pelo entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, e com bastante foco na interferência que suas decisões provocam na realidade socioeconômica do País.
Nesse ponto, não podemos ignorar um tema muito discutido, qual seja, “o impacto econômico das decisões judiciais”, tendo em vista que e a Economia e o Direito são disciplinas que não podem ser tratadas de forma separada.
A morosidade processual e a insegurança jurídica afetam diretamente a economia do País. No caso, podemos observar claramente que uma interpretação que contraria o moderno processo civil pode levar uma empresa que possui um crédito a receber a ter a sua saúde financeira prejudicada, gerando até mesmo o seu inadimplemento com terceiros e, assim, consecutivamente.
A análise econômica das relações foi bem resumida nas palavras de Décio Zilbersztejn, Bernardo Muller e Rachel Sztajn (Economia dos Contratos. Rio de Janeiro: Campos, 2005, p. 104):
“(...) a essência do contrato é o de promessa. Para que os indivíduos realizem investimentos e façam surgir o pleno potencial das trovas através da especialização, faz-se necessária a redução nos custos associados a riscos futuros de ruptura das promessas. Vistas como um conjunto de contratos, as firmas representam arranjos institucionais desenhados de modo a coordenar (governar) as transações que concretizam as promessas definidas em conjunto pelos agentes.”
v, evidentemente, uma inter-relação entre a economia dos conflitos, a lei e a atividade econômica em si. Luciano Benetti Timm esclarece que:
“(...) o Direito, bem como o Judiciário, afetam de forma clara a performance econômica e são imprescindíveis na análise econômica do Direito. Ademais, o Judiciário cumpre sua função social de operacionalização das relações de mercado se estiver comprometido com aquelas instituições jurídicas que instrumentalizam o seu funcionamento, como livre iniciativa e autonomia privada.” (O Novo Direito Civil – Ensaios sobre o mercado, a reprivatização do Direito Civil e privatização do Direito Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 115)
Oscar Pilagallo, respondendo à questão “por que a insegurança jurídica ameaça emperrar o desenvolvimento econômico?”, propõe, exemplificativamente, que “a construção de uma rodovia é algo muito difícil quando não há segurança jurídica”, e cita Armando Castelar Pinheiro, para quem “não por outra razão a gente tem visto tanta dificuldade de investimento privado em infraestrutura em países em desenvolvimento” (Direito e Economia. São Paulo: Saraiva, 2008, Capítulo 1, O Preço da Incerteza, p. 14 e 15).
Pondera Oscar Pilagalo, também, que, “na realidade, o que a insegurança jurídica faz é reduzir o potencial de utilização de ativos”. Prossegue concluindo que:
“(...) nunca será demais insistir na conexão entre segurança jurídica e desenvolvimento econômico. Nos exemplos citados, uma construtora certamente irá preferir concentrar seus negócios em países que possam garantir que a estrada construída não será expropriada. Da mesma maneira, uma pessoa, se puder, comprará imóvel em lugares onde este não lhe será tomado pelo inquilino ou pelo Estado. Em outras palavras, a insegurança jurídica incentiva a migração da poupança, que é canalizada para regiões ou países em que se tenha a expectativa de que leis não virarão pó.”
Portanto, mostra-se de grande valia a pacificação jurisprudencial em relação à matéria aqui abordada, uma vez que a um só tempo prestigia a atuação do Poder Judiciário, já que não é mais um porto seguro para os devedores contumazes, que se utilizam de seu direito à prestação jurisdicional com claro intuito fraudatório (inclusive manejando recursos manifestamente protelatórios) e, ainda, por outro lado, concretizada a efetividade processual, que está ligada invariavelmente à concretização de resultados práticos para o jurisdicionado. 

 Pérsio Thomaz Ferreira Rosa e Raquel Garcia Martins
Pérsio Thomaz Ferreira Rosa - Sócio de Ferreira Rosa Sociedade de Advogados.
Raquel Garcia Martins - Advogada de Ferreira Rosa Sociedade de Advogados.





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