A 4ª turma do STJ
entendeu que o MP pode solicitar ao Judiciário providências para
garantir os direitos de menores, como a elaboração do estudo social
sobre crianças e adolescentes em situação de risco, caso não tenha
estrutura necessária.
A decisão
entendeu que a garantia integral e a prioridade dadas à proteção dos
direitos dos menores obrigam a atuação do Judiciário. A turma acompanhou
o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão.
O MP mineiro
pediu à vara da Infância e Juventude de Patrocínio/MG a realização de
estudo social sobre uma menor em suposta situação de risco, com base em
relatório do conselho tutelar. Um pai que desejava a guarda provisória
da filha informou ao conselho que a mãe estaria sem condições
psicológicas de cuidar da menina, pois perambulava sem rumo pelas ruas e
teria ameaçado pessoas com uma faca.
A vara negou o
pedido sob o fundamento de que o resultado desejado pelo MP/MG poderia
ser alcançado sem intervenção judicial. Faltaria, assim, ao parquet, o
chamado interesse de agir, uma das condições para a Justiça processar a
ação. A decisão também afirmou que o artigo 201 da lei 8.069/90 (ECA) atribuiu ao próprio MP a obrigação de realizar administrativamente esse tipo de sindicância social.
Ao julgar apelação contra a decisão de 1º grau, o TJ/MG afirmou que "o
procedimento para averiguação da situação de risco da menor pode ser
feito pelo próprio Ministério Público, administrativamente, sem a
necessidade de ir a juízo". De acordo com o tribunal, só se reconhece interesse processual, capaz de justificar a existência de uma ação, "quando a pretensão só pode ser alcançada por meio de intervenção judicial".
Abandono
O MP/MG alegou,
em recurso ao STJ, que o pedido foi feito visando aos interesses da
menor, que se encontrava em situação de abandono. O órgão prosseguiu que
o estudo social daria maior suporte para definir qual a medida mais
adequada à situação. Afirmou que o ECA não deu poder ao MP para aplicar
medidas protetivas, decididas pelo Judiciário, e a decisão do TJ/MG não
estaria de acordo com a prioridade dada aos direitos da criança pela
legislação brasileira.
A competência
dada ao MP para instaurar sindicância, argumentou, não transforma esse
procedimento administrativo em condição prévia obrigatória para que a
Justiça possa analisar a situação de menores cujos direitos estejam
ameaçados. Ponderou que é válida a intenção de fazer com que o MP e o
conselho tutelar tenham atuação mais intensa na proteção dos menores,
porém isso não é justificativa para a negativa de prestação
jurisdicional, e acrescentou que a procuradoria pública da área não
teria condições estruturais para realizar o estudo social.
O ministro Luis
Felipe Salomão reconheceu que o artigo 201 do ECA impôs ao MP a
obrigação de ter profissionais capazes de realizar estudos
psicossociais. Ele considerou, porém, que as leis não podem ser
aplicadas de forma mecânica, mas devem ser levadas em conta as "linhas mestras do sistema constitucional". E
a Constituição Federal adotou a doutrina da proteção integral da
criança e do adolescente, atribuindo à sociedade e aos agentes do
estado, como o MP, o Judiciário e o Executivo, a obrigação de
defendê-los.
Efeito deletério
Para o relator, é
"inconcebível" que a promotoria de Justiça não tenha a estrutura mínima
indispensável, ou seja, os serviços de psicólogos e assistentes
sociais. "O efeito social deletério dessa falta de estrutura fica
bem nítido no caso, pois, a julgar pelas afirmações constantes no
relatório do conselho tutelar, há também o dever do MP de prontamente
apurar, por meio de profissionais qualificados para tanto, a situação
pessoal da genitora da menor que, lamentavelmente, perambula pelas
ruas", destacou o ministro Salomão.
A CF/88,
no artigo 127, qualificou as atividades do MP como essenciais à função
jurisdicional do estado, cabendo ao órgão uma contribuição indispensável
ao Judiciário para o cumprimento do seu papel político-social,
assinalou o ministro. Segundo Salomão, se o MP já assegurou não ter como
fazer o estudo social destinado à avaliação da medida mais adequada
para a tutela dos direitos da menor, e estando em jogo um direito
indisponível – o bem-estar da criança –, ficam claras a necessidade e a
utilidade da medida pretendida, bem como a impossibilidade de afastar a
tutela jurisdicional. Ele esclareceu que as exigências para o
ajuizamento de uma ação visam evitar atos judiciais inúteis, e não
impedir o exercício de direitos.
O ministro
acrescentou que o artigo 153 do ECA permite ao juiz, de ofício, adequar
procedimento às peculiaridades do caso e ordenar as providências
necessárias. E o artigo 100 do mesmo estatuto afirma que a interpretação
e a aplicação de suas normas devem ser voltadas para a proteção dos
menores. O ministro determinou a anulação dos julgados e o seguimento do
processo, afastada a tese de que faltaria interesse de agir ao MP/MG.
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Processo relacionado: REsp 1308666
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