sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O CASO DOS DENUNCIANTES INVEJOSOS

 Petronio Alves da Cruz
Servidor Público Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região em Campinas (SP), Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Especialista em Segurança Pública e Sociedade pela mesma Universidade mediante convênio com o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).

O presente estudo faz uma análise da obra O Caso dos Denunciantes Invejosos, escrita por Dimitri Dimoulis e traduzida por Lon L. Fuller. A obra narra acontecimentos de uma nação que tem aproximadamente 20 milhões de habitantes e que vive por longos anos sob um regime pacífico, constitucional e democrático. Com o surgimento de uma forte crise econômica, grupos passam a divergir com relação à economia, política e religião.

Surge, assim, alguém de forte liderança, o chefe do partido autodenominado Camisas Púrpuras. Após eleições, este chefe atinge a maioria de votos que lhe dão o direito de assumir a Presidência da República. Também o seu partido obteve a maioria de vagas na Assembleia Nacional.

O partido dos Camisas Púrpuras, quando investido no poder, não muda a legislação posta, nem a Constituição, nem o Código Civil, nem o Código Penal, nem os Códigos Processuais. Também não são tomadas providências com relação à mudança dos funcionários públicos e juízes, tudo isto permanece como está, porém, vivencia-se um clima de terror.

Os acusados que praticassem atos favoráveis ao governo ganhavam anistia geral e passavam a ser membros do partido dos Camisas Púrpuras.

No partido, existiam duas facções: uma que queria que os bens do partido fossem confiscados, porque estes bens teriam sido adquiridos por meios criminosos; a outra facção queria que os proprietários doassem estes bens para o partido sob ameaças. O chefe do partido então emitiu um regulamento secreto por meio do qual os bens obtidos por meio de violência física tiveram ratificada a sua ilegalidade.

Com o tempo, o governo comandado pelo partido dos Camisas Púrpuras chega ao seu fim e um novo governo com regime democrático começa a governar. Muitos problemas a resolver foram deixados pelo governo anterior, e um deles é exatamente a questão dos “denunciantes invejosos”.

Vejamos quem fazia parte do grupo dos “denunciantes invejosos”. Eram pessoas que, movidas pela inveja, denunciavam seus inimigos pessoais ao governo do partido dos Camisas Púrpuras, alegando que estes criticavam o governo, escutavam estações do governo estrangeiro, que tinham amizade com vândalos e baderneiros, que armazenavam saquinhos de ovo em pó em quantidade maior do que a permitida, ou a omissão de informar a perda de documentos no prazo de cinco dias.

Após a derrota dos Camisas Púrpuras, a população reivindicou a punição dos “denunciantes invejosos”. A opinião pública pressionou de tal maneira que urgia uma solução. 

A obra requer a interatividade do leitor, pois nos apresenta a opinião de cinco deputados e cinco juristas para que possamos formar uma cognição e tomarmos o nosso próprio posicionamento.

ANÁLISE DA OPINIÃO do PRIMEIRO DEPUTADO
Analisando a decisão do primeiro deputado, chegamos à conclusão de que contém os elementos a seguir expostos: ele afirma que a) nada pode ser feito com relação aos denunciantes invejosos, já que estes denunciaram fatos ilícitos praticados contra o Estado; b) as sentenças das vítimas dos denunciantes invejosos estavam em consonância com os princípios legais então vigentes; c) o juiz, na época dos acontecimentos, possuía uma liberdade mais ampla para julgar; d) os testamentos precisavam somente de duas testemunhas.

O primeiro deputado também afirma:
“(...) a diferença entre nós e os Camisas Púrpuras não está no fato de que eles formaram um governo sem leis. Isso seria, aliás, uma contradição nos termos, pois todos os governos seguem determinadas leis. A diferença é de natureza ideológica. Ninguém acha os Camisas Púrpuras mais repugnantes do que eu. Devemos, porém, reconhecer que a fundamental diferença entre a filosofia deles e a nossa está no fato de que nós permitimos e toleramos a expressão de pontos de vista divergentes, e eles tentaram impor a todos o próprio código monolítico.”1

Finalizando a opinião do primeiro deputado, este afirma que o programa proposto por ele sofrerá duras críticas da opinião púbica, porém, é o único programa que permitirá com que triunfem as concepções atuais sobre Direito e governo, alertando também para que seja evitado que a população faça justiça com as próprias mãos.

SEGUNDO DEPUTADO
O segundo deputado diz que a sua opinião é similar à do primeiro, porém, para fundamentá-la, adota um caminho totalmente oposto. Assim, opõe-se ao entendimento de que, na época em que governaram os Camisas Púrpuras, houvesse a égide da legalidade. Afirma que o fato de os Camisas Púrpuras não terem revogado as leis não quer dizer que eles as aplicassem, já que tudo indica que tanto a Constituição e as leis permaneceram guardadas nos armários.

Este deputado também faz a seguinte reflexão: as leis existentes em determinada nação devem ser conhecidas pelos seus destinatários, e a lei aplicada a casos semelhantes deve ser a mesma.

Outra afirmação importante é com relação aos três poderes. Estes, na época do governo, não existiam. O governo se sobrepunha inclusive à atuação do Poder Judiciário, interferindo na administração da justiça de acordo com os seus interesses particulares.

O que, na verdade, existiu durante o governo dos Camisas Púrpuras foi uma guerra de todos contra todos, com intrigas inclusive entre os próprios governantes e em conspirações nos pátios das prisões.
Para finalizar, o segundo deputado afirma que as coisas devem continuar como estão e nada deve ser feito com relação aos denunciantes invejosos, porque estes não viveram em um Estado de Direito, e sim em um regime de anarquia e terror. 

TERCEIRO DEPUTADO
Para o terceiro deputado, as opiniões dos deputados anteriores não são nem moral nem politicamente aceitáveis, já que todos os atos praticados pelos Camisas Púrpuras não podem ser classificados como fora da lei, como também não se pode afirmar o contrário.

Este deputado não aceita a afirmação do segundo deputado de que existia uma guerra de “todos contra todos”, já que, além das irregularidades, paralelamente existia uma vida normal, onde foram realizados casamentos, compra e venda de bens, eram redigidos e executados testamentos e tudo mais que normalmente acontece em uma nação.

O terceiro deputado ainda fez a seguinte reflexão: se os atos criminosos cometidos pelos membros do partido dos Camisas Púrpuras fossem condenados, seria um contrassenso avalizar todos os atos praticados pelas autoridades do governo, já que o governo se identificou completamente com o partido dos Camisas Púrpuras.

O terceiro deputado também cita os casos em que os denunciantes invejosos atuavam não com a finalidade de se livrar dos seus inimigos pessoais, e sim por fidelidade e subserviência ao governo.

Para ele, o fato de haver casos em que não está clara a culpabilidade dos denunciantes invejosos não é motivo para que fatos onde há atuação ilícita dos denunciantes invejosos não sejam julgados.

QUARTO DEPUTADO
Há um ponto convergente entre a opinião do deputado anterior e do atual deputado: eles não gostam de raciocínios que se baseiam em dilemas, porém, para este, a reflexão deve ser mais profunda.

Assim, para ele, escolher determinados casos ocorridos no período de governo dos Camisas Púrpuras encontraria algumas objeções:

“(...) na realidade, constitui um puro e simples camiso-purpurismo. Gostamos desse direito, então podemos implementá-lo. Gostamos desse julgamento, então podemos admití-lo. Aquele direito, porém, que não é de nosso agrado deve ser considerado como inexistente. Aquele ato governamental que reprovamos deve ser tachado de nulidade.”2

Adotando este posicionamento frente ao problema dos denunciantes invejosos, estaríamos adotando o mesmo posicionamento do governo dos Camisas Púrpuras. Para ele, o resultado de tudo isto seria impróprio, já que cada juiz e cada promotor adotaria um posicionamento mais conveniente.

Do ponto de vista deste deputado, só haveria um caminho a ser percorrido para não sucumbir a novos equívocos, qual seja, a elaboração de uma nova lei:

“(...) devemos estudar de forma abrangente e detalhada os vários aspectos do problema dos denunciantes invejosos, coletarem todos os dados importantes e elaborar uma lei para regulamentar todos os desdobramentos do problema.”3 

QUINTO DEPUTADO
O quinto deputado faz duras críticas à opinião do quarto deputado, já que afirma que a solução sugerida por ele seria tomar uma atitude igual a que foi adotada pelos Camisas Púrpuras, ou seja, que seja editada uma lei retroativa.

A sua preocupação está no fato de que criar uma nova legislação para julgar os casos praticados pelos denunciantes invejosos seria extremamente difícil, por isso ele decide fazer uma nova proposta.

Assim, o quinto deputado cita que existe uma autor renomado de Direito Penal, que afirma que a finalidade principal deste ramo do Direito é satisfazer o instinto humano de vingança, portanto, há períodos históricos em que isto deve ser aceito como uma verdade.

Após a conferência com a opinião dos cinco deputados, surgem diversas dúvidas. Dentre elas, está a questão de que as propostas feitas pelos deputados podem causar problemas de ordem jurídica, trazendo mais prejuízos à nação. O livro sugere que, antes de emitir uma opinião, sejam lidas cinco propostas de juristas renomados.

OPINIÃO DO PROFESSOR GOLDENAGE
Para o Professor Goldenage, é muito importante o aspecto jurídico do problema em questão, apesar de terem sido convocados a princípio somente deputados para emitirem opiniões políticas.

O panorama colocado pelos deputados fez com que o professor construísse três argumentos jurídicos, quais sejam:

“a) Todas as leis em vigor durante o regime dos Camisas Púrpuras devem ser consideradas válidas, pois a norma que entra em vigor de forma correta não pode ser anulada retroativamente. Para quem aceita essa posição, os Denunciantes atuaram de forma legal, seguindo o direito vigente. Esse argumento permite propor três diferentes soluções: o primeiro deputado constata o caráter legal das denunciações invejosas, propondo a impunidade: o quarto deputado considera que estes atos não eram puníveis quando foram cometidos, mas devem ser castigados, hoje, após a criação de uma lei retroativa: o quinto deputado propõe tolerar os linchamentos e a vingança popular, já que os atos dos denunciantes não podem ser definidos de forma satistafória por meio de uma lei retroativa.

b) Durante o regime dos Camisas Púrpuras, não houve direito válido, já que o regime era profundamente injusto, renegando a ideia mesma de justiça. A situação era parecida com aquela de uma selva. Punir um denunciante invejoso não é menos absurdo do que punir um animal selvagem porque devorou um outro (segundo deputado).

c) Devem ser consideradas inválidas somente aquelas normas do regime dos Camisas Púrpuras que não se conciliam com os ideais da justiça. Os denunciantes aproveitaram-se de uma perversão da justiça durante esse regime e por isso devem ser castigados (terceiro deputado).”4

A ideia de Gordenage é bastante clara, tanto os denunciantes invejosos, como as autoridades estatais que agiram frente às denúncias feitas, cometeram o crime de subversão da ordem política e social. Devem, portanto, ser punidos, já que a nação atualmente restabeleceu um sistema jurídico fundamentado na justiça.

PROFESSOR WENDELIN
O Professor Wendelin analisa primeiramente a opinião emitida pelo Professor Goldenage. Para ele, o posicionamento o faz lembrar-se das faculdades medievais, onde os problemas jurídicos eram debatidos com paixão, por meio da retórica e uma habilidade ímpar no uso dos argumentos.

No século XX, os alicerces destas teorias foram abaladas: “(...) os significados das palavras são instáveis e múltiplos e dependem do entendimento das pessoas que se comunicam em determinado momento.”5 

Para o Professor Wendelin, cabe ao juiz julgar, não cabe nem ao legislador nem ao doutrinador: “nenhuma lei e nenhuma reflexão teórica serão mais poderosas do que a decisão do magistrado mais humilde.”6

O juiz, baseado em elementos sociais, políticos e psicológicos, tomará a sua decisão, e o processo será o caminho percorrido na busca da verdade.

Para Wendelin, o Direito é um instrumento para melhorar a vida social, e é por isso que o juiz deve pensar na utilidade social de suas decisões.

PROFESSORA STING
Para a Professora Sting, até o momento, todas as opiniões tanto dos deputados como dos juristas foram sob uma ótica masculina, portanto, ela aponta o exemplo em que um denunciante invejoso faz com que o cônjuge de uma mulher que ele tinha se apaixonado seja morto pelo governo dos Camisas Púrpuras para que a mulher ficasse com ele. O que houve, na verdade, na época do governo dos Camisas Púrpuras, é o castigo com pena capital para infrações de pouca ofensividade.

Vemos, assim, que a professora se fundamenta em uma análise feminista e invoca a aplicação do Direito Internacional. Sabemos hoje que tem uma repercussão negativa aquele país que quer adotar a ditadura como forma de governo.

PROFESSOR SATENE
O Professor Satene começa emitindo sua opinião dizendo que a Professora Sting faz sua fundamentação a partir da análise feminista do Direito, esquecendo que fatos de grande repercussão aconteceram. Ele cita que a Alemanha vivenciou a barbárie nazista e que, após a restauração da democracia naquele país, um tribunal enfrentou o caso da esposa denunciante. Uma mulher que tinha um relacionamento extraconjugal decidiu denunciar o marido por ter criticado o governo de Hitler. O marido foi condenado à morte e, após um indulto, foi mandado para a guerra, sendo incorporado em uma unidade militar na qual serviram criminosos em condições terríveis.

Antes de concluir, o professor faz um paralelo com o que aconteceu com os denunciantes da Alemanha, afirmando que:

“(...) os tribunais alemães tiveram a ocasião de condenar os autores de denunciações que se aproveitaram do delírio de uma ditadura para satisfazer instintos de ódio e vingança. O princípio moral que justifica estas condenações é claro. Ninguém pode se prevalecer de uma norma em vigor para realizar um projeto criminoso, que nem o mais cruel ditador teria aprovado.”7

E ele sugere que os denunciantes invejosos sejam julgados em conformidade com os ditames do Código Penal, tendo em conta que a autoria foi mediata ou indireta, já que eles utilizaram outras pessoas para o cometimento de seus crimes, ou seja, policiais, promotores e juízes.

PROFESSORA BERNADOTTI
A Professora Bernadotti quer que os denunciantes invejosos sejam julgados por meio de uma constituinte, já que ela afirma: 

“(...) este ato constituinte não estará sujeito ao controle dos tribunais, como teme o senhor Ministro, já que não se trata de uma simples lei do Poder Legislativo, mas decorre do poder constituinte originário, que é superior a qualquer autoridade do Estado. (...) Qual deve ser o conteúdo deste ato constituinte? Em primeiro lugar, devem ser previstas sanções para todos os colaboradores do antigo regime. Os policiais, juízes e demais funcionários que colaboraram com o regime permitido que suas nefastas ordens fossem executadas estarão sujeitos à penalidades. Punir somente os denunciantes invejosos é uma hipocrisia, já que a responsabilidade deles é muito menor do que a dos funcionários públicos que se tornaram obedientes instrumentos da ditadura.”8

CONCLUSÃO
A leitura desta obra fictícia permite interatividade e nos faz refletir sobre a diferença entre opiniões políticas e opiniões jurídicas. Lembra-nos de nossa responsabilidade na hora de votar, já que estamos elegendo aqueles que serão responsáveis pela elaboração das leis em nosso país.

Ao longo da leitura, podemos analisar diversas linhas de interpretação da lei e reiterar a importância da aplicação dos princípios de direito. O conflito de leis no tempo. A importância de sermos governados por um governo democrático.

O delito examinado é o cometido na época de ditadura de uma nação onde denunciantes invejosos, muitas vezes, movidos por motivos pessoais, faziam com que pessoas não gratas a eles fossem condenadas com a pena de morte. E a população atualmente regida por um governo democrático clama por justiça.

Somos da opinião de que estes denunciantes invejosos devem ser processados e julgados conforme a legislação penal vigente, sendo observadas as regras de hermenêutica jurídica e tendo em conta os princípios basilares do direito. Sem sombra de dúvidas, que seja aplicado o princípio mais abrangente de todos os princípios: o princípio do devido processo legal.
NOTAS 
 
1 DIMOULIS, Dimitri. O Caso dos Denunciantes Invejosos. São Paulo: RT, 2008, p. 40.

2 Idem, p. 46.

3 Idem, pp. 46-47.

4 Idem, p. 58.

5 Idem, p. 63.

6 Idem, p. 65.

7 Idem, p. 78.

8 Idem, p. 85. 
 
BIBLIOGRAFIA
 
DIMOULIS, Dimitri. O Caso dos Denunciantes Invejosos. São Paulo: RT, 2008.

WAINSTEIN, Bernardo. Tortura Aspectos Penais e Processuais, in Prática Jurídica nº 64. Brasília: Editora Consulex, 2007.

Um comentário:

  1. Os Camisa-púrpuras congelam a constituição, o código civil, o código penal, códigos processuais e também a legislação chegaram ao poder por meios coercitivos como propostas insensatas, e patrulha noturnanoturna, intimidando a todos. Todos os crimes cometidos contra o direito natural do ser humano, como pode-se dizer que críticas contra o governo seria um crime que levaria até a sanção da pena de morte, confrontar todos direitos a dignidade humana esse era o governo do camisa-púrpuras. No caso dos Denunciantes invejosos se pode dizer que não só denunciavam por inveja e sim por apoiarem atitudes governamentais dos irrepugnates camisa-púrpuras, assim que se encerrou essa ditadura de terror todosos envolvidos nesses crimes contraa dignidade humana devem ser julgados de acordo com seus atos desde o chefe do partido até os denunciantes invejosos.

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